O seu livro tem como título Desordem - Tempos Difíceis no século XXI. Donald Trump, ao tomar posse como presidente dos Estados Unidos, trouxe mais desordem ao mundo?Trump parece estar a redefinir a estratégia dos Estados Unidos perante as desordens acumuladas deste século. Ao fazer isso, está a agir como uma força profundamente perturbadora, de forma mais clara ainda para o Canadá e a Europa. Trump simplesmente não está disposto a que os Estados Unidos continuem a agir como uma potência de statu quo diante do desafio geopolítico imposto pela China, ou que os Estados Unidos continuem com um volume de dívida altíssimo, como o que têm desde pelo menos a crise de 2008. Essa mudança significa que os Estados Unidos se tornaram territorialmente revisionistas no hemisfério Ocidental e precisam, pelo menos parcialmente, de desvincular-se militarmente da Europa. Essas mudanças constituem uma profunda mudança na conjuntura histórica, alterando o relacionamento entre os Estados Unidos e o Canadá desde a criação da federação do Canadá em 1867, e entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental, desde pelo menos a formação da NATO em 1949 e talvez até desde a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial em 1941.Mencionou a China. Não é a Rússia a grande culpada pela atual desordem global?A Rússia desestabilizou a Europa com a sua invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 e forneceu apoio significativo ao Irão, cujas atividades têm sido a força central desestabilizadora do Médio Oriente desde 7 de outubro de 2023. Mas a Rússia não é o cerne da atual desordem global, que tem as suas origens na emergência da China como uma potência industrial de alta tecnologia e na resposta dos Estados Unidos a esse desenvolvimento, e uma crise energética sistémica. Como a Rússia fica atrás apenas dos Estados Unidos como produtora combinada de petróleo e gás e exporta urânio, a forma como a Rússia comercializa energia e os recursos dos quais essa depende é necessariamente central para a forma como a crise energética se desenrola como parte da desordem. Vladimir Putin tentou transformar o poder energético da Rússia numa arma para promover o poder russo geral.Como vê então o papel da China na construção de uma nova ordem mundial?A China terá um papel crucial na formação da nova multipolaridade. É a ascensão da China, tanto económica, como politicamente, que traz a mudança geopolítica crucial à qual os Estados Unidos vêm a responder desde pelo menos 2010, quando a China embargou temporariamente a exportação de terras raras. A China também é a razão pela qual Trump está tão focado no hemisfério Ocidental: o presidente vê a presença comercial e geopolítica da China no hemisfério Ocidental como uma ameaça e uma violação da Doutrina Monroe. A questão para a China é se Xi Jinping vê uma oportunidade de desafiar a posição dos Estados Unidos no Pacífico ao avançar para Taiwan, ou se quer, antes, fazer um acordo económico com Washington para acabar com a guerra tecnológica entre os Estados Unidos e a China, que começou durante a primeira Administração Trump..A Europa ainda tem peso ou os eventos na Ucrânia mostraram que Washington e Moscovo, estejam em oposição ou em diálogo, são quem decide?A Europa tem uma posição muito fraca e será muito difícil para os Estados europeus ou a União Europeia influenciarem os eventos na Ucrânia. Os Estados europeus não têm capacidade militar operacional, estão divididos e sobretudo os países da Europa Ocidental enfrentam uma crise de desindustrialização.Que lições podemos aprender com a guerra na Ucrânia?Geopoliticamente, o poder russo não deve ser subestimado. A Rússia provou que poderia ajustar-se a uma economia de guerra industrial de uma forma que os países europeus não foram capazes e os Estados Unidos não estavam dispostos. O poder energético da Rússia é considerável porque o mundo precisa de petróleo e gás russos, tendo em conta os níveis atuais de consumo de hidrocarbonetos. Os países europeus agora estão a comprar mais gás natural liquefeito russo do que antes de fevereiro de 2022, e ainda importam grandes quantidades de petróleo russo sob a forma de produtos petrolíferos refinados da Ásia. Putin foi longe demais na primeira parte da guerra ao pensar que poderia conseguir uma mudança de regime em Kiev. Mas a Administração de Joe Biden foi longe demais num período que vai de março/abril de 2022 ao outono de 2023 ao pensar que os Estados Unidos poderiam dar um golpe estratégico na Rússia. A Rússia é um Estado que pode cometer erros reparáveis e isso significa que os europeus ocidentais e centrais têm de pensar muito mais do que têm feito desde o fim da Guerra Fria sobre o que significa haver Estados soberanos independentes entre a Alemanha e a Rússia. Para a Europa e, na verdade, para a própria Rússia, a guerra mostrou que o sentimento nacional ucraniano faz parte das realidades geopolíticas da Europa e não pode ser descartado, como foi em algumas capitais europeias e em Moscovo antes do início da guerra.O conflito no Médio Oriente é decisivo para o mundo ou é muito mediático apenas porque Israel gera tanto reações de amor como de ódio?O conflito israelo-palestiniano não é decisivo para o mundo. No entanto, o conflito entre o Irão e Israel, do qual o conflito israelo-palestiniano se tornou parte, é importante para o mundo inteiro, porque num mundo em que uma proporção significativa da produção mundial de petróleo ocorre ao redor do Golfo Pérsico, qualquer conflito que envolva o Irão deve ser visto como importante. O futuro de Israel continuará a funcionar como uma força disruptiva nas democracias ocidentais.Especula-se que uma terceira Guerra Mundial poderá começar com uma invasão chinesa de Taiwan. A China pode dar-se ao luxo de ser desordeira?A China é uma potência revisionista. Atualmente, a principal preocupação da China é Taiwan, mas também está envolvida num conjunto de disputas marítimas no Leste e Sudeste da Ásia, que têm o potencial de gerar mais desordem. O conflito China-Filipinas, por exemplo, levou até agora a um fortalecimento do relacionamento Estados Unidos-Filipinas e isso não deve mudar com Trump. Não é difícil ver que qualquer invasão chinesa de Taiwan, que, é claro, Trump tentará evitar, seria desestabilizadora em todo o Indo-Pacífico.Ainda faz sentido falar sobre competição entre o mundo democrático e as autocracias?Não acho que a narrativa democracias versus autocracias promovida pela Administração Biden tenha sido uma maneira útil de categorizar os conflitos geopolíticos da última década ou a guerra da Ucrânia, em particular. No caso da Ucrânia, o que está em questão é a sua soberania como um Estado-nação independente, e esse seria o caso independentemente de a Ucrânia ser ou não uma democracia. Uma Rússia democrática, por outro lado, não teria menos interesse do que a Rússia de Putin em destruir a ideia de nacionalidade ucraniana após a Revolução Laranja, ou antes da anexação da Crimeia, impedindo qualquer novo governo ucraniano de dar passos para acabar com o arrendamento russo da base naval em Sebastopol.Há um declínio no Ocidente, com Trump nos Estados Unidos e os partidos populistas na Europa a tentarem ser a resposta?Acho que é difícil, agora, falar sobre o Ocidente porque a divergência entre os Estados Unidos e a Europa económica e geopoliticamente tem sido muito grande, e essa realidade era já clara antes de Donald Trump regressar à Casa Branca. Trump representa uma resposta ao declínio relativo dos Estados Unidos em algumas esferas, incluindo a capacidade de projetar poder militar com sucesso e o surgimento de um rival tecnológico na China. Nos países europeus, os partidos insurgentes estão a capturar o descontentamento gerado pelos problemas económicos da Europa e as dificuldades da União Europeia em enfrentá-los efetivamente.A globalização económica está ameaçada?Está muito ameaçada no sentido de que as tarifas são centrais para todo o projeto político da governação de Trump. Ele é um protecionista e alguém que usa as tarifas como um meio de coerção. E isso significa que há muito mais riscos geopolíticos em redor da interdependência económica do que antes de sua primeira chegada à Casa Branca. No entanto, alguns aspetos da globalização, incluindo a profunda interdependência financeira, permanecem fortes..DesordemHelen ThompsonClube do Autor446 páginas20,00 euros