Nomeado no domingo à noite, reunido pela primeira vez na segunda-feira, e de novo nesta manhã de terça-feira, em conselho de ministros, para aprovar o próximo orçamento, o novo executivo francês poderá cair já na quinta-feira, data em que a Assembleia Nacional irá apreciar as moções de censura da extrema-esquerda (França Insubmissa) e extrema-direita (União Nacional). Na semana passada, depois de o ter transmitido ao presidente Macron, o demissionário Sébastien Lecornu disse acreditar, em entrevista à France 2, que “um caminho é possível” para evitar a dissolução parlamentar. Para tal, e dada a composição dos grupos na Assembleia, o primeiro-ministro reconduzido terá de manter o apoio dos partidos do centro e do centro-direita, mas também do Partido Socialista (PS). É esta a grande incógnita a deslindar nas próximas horas, quando até agora Lecornu não ensaiou qualquer aproximação ao partido liderado por Olivier Faure, à exceção da promessa de não aprovar legislação através do recurso ao artigo 49.3 da Constituição, e dessa forma evitar o voto parlamentar, como fez François Bayrou. .“Muitos daqueles que fomentaram a divisão e as especulações não estiveram à altura do momento que a França está a viver e do que os franceses esperam. As forças políticas que promoveram a desestabilização de Sébastien Lecornu são as únicas responsáveis por esta desordem.”Emmanuel Macron.Ao receber a equipa governamental completa - 19 ministros e 15 secretários de Estado -, Lecornu estabeleceu como “missão única” a “superação da crise política”, o que implica ultrapassar dois obstáculos. O primeiro é o de sobreviver às primeiras horas de atividade governamental e o segundo de aprovar as contas do país para 2026. Nesta terça-feira à tarde, Lecornu profere a declaração de política geral, o discurso no qual o primeiro-ministro apresenta aos deputados as linhas gerais do seu programa, enquanto, em paralelo, a Comissão de Finanças da Assembleia Nacional começa as audições relativas aos projetos de orçamento do Estado e da Segurança Social, acabadas de dar entrada nos serviços. Quarenta e oito horas depois, as respetivas moções de censura serão votadas. A França Insubmissa apelou para os seus parceiros da Nova Frente Popular, a coligação que concorreu às legislativas e entretanto desfeita pelo PS, se juntarem no derrube do governo: “Apelamos a todos os deputados para se juntarem a esta censura, a fim de proteger o povo francês do impacto da política deste governo. Em particular, não podemos acreditar que o Partido Socialista possa recusar-se a censurar novamente um governo macronista, e apelamos para que vote a censura ao lado das forças da Nova Frente Popular.” .“O PS deve sair da ambiguidade. É o momento da verdade.Aqueles que optam por prolongar a forma como Emmanuel Macron prejudica o nosso país terão de prestar contas aos franceses.”Jordan Bardella, presidente da União Nacional.Mas Olivier Faure, que na segunda-feira disse não ter voltado a falar com Lecornu desde as audiências que este promoveu com os partidos políticos, reiterou as exigências da sua formação política para evitar juntar-se à restante esquerda e extrema-esquerda: suspensão da reforma das pensões e a confirmação da exclusão do recurso do artigo 49.3 no discurso de Lecornu. À France 5, Faure pressionou o novo executivo: “Numa situação em que o governo não tem maioria, cabe ao parlamento fazer as leis. Defenderemos a taxa Zucman [sobre as grandes fortunas] e as medidas que propomos no debate orçamental e solicitamos ao governo a suspensão imediata e integral da reforma das pensões. Caso contrário, iremos censurá-lo.” Faure deixou ainda uma mensagem para Macron: “É tempo de o presidente aceitar uma ideia simples: quando se perdem as eleições, não pode querer impor as suas decisões.” .“Enquanto Jordan Bardella defende os bilionários e prepara uma lei de amnistia para Marine Le Pen, os socialistas lutam com total transparência para melhorar a vida dos franceses. União Nacional, os hipócritas da República.”Boris Vallaud, líder da bancada parlamentar do PS.Questionada sobre o ambiente político, a secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro e porta-voz do governo comentou o ambiente político e entrevista à RTL. “As coisas estão muito claras: ninguém tem maioria na Assembleia Nacional. Eles têm o direito de censurar, mas que o façam com base num texto”, disse Maud Bregeon. “A [moção de] censura é a autoestrada para a dissolução e é um retrocesso para os franceses; são decisões que ficam atrasadas, é uma imagem internacional enfraquecida e é isso que devemos evitar coletivamente”, prosseguiu. “Votar uma moção de censura é votar uma moção de dissolução”, concluiu..Lecornu tem de convencer os seus parceiros e os socialistas de que o programa e o orçamento apresentam respostas às suas exigências. Por exemplo, Lecornu está contra a taxa Zucman, pensada para que os mais ricos entre os ricos paguem 2% sobre o seu património. Em contrapartida, o primeiro-ministro propõe um imposto “sobre o património financeiro das holdings familiares”, que poderá arrecadar até 1,5 mil milhões de euros. Quem apresenta os mais altos rendimentos continuarão a pagar uma contribuição orçada em 1,5 mil milhões. Os franceses com mais baixos rendimentos deverão ser poupados à atualização dos escalões do IRS, enquanto os outros terão uma carga fiscal agravada. Lecornu, que recicla as grandes linhas do orçamento alinhavado pelo governo Bayrou, com poupanças de 44 mil milhões de euros, reconheceu que não está perante um documento perfeito, mas que foi “concebido para que o debate aconteça”. Lecornu esperava reduzir o défice para 4,7% do PIB em 2026, mas reviu entretanto o número para 5% do PIB, dando margem para negociações.Reconduções e mal-estar republicanoO governo Lecornu II é composto por 12 ministros reconduzidos, entre os que mantêm as pastas (Gérald Darmanin na Justiça, Jean-Noël Barrot nos Negócios Estrangeiros ou Rachida Dati na Cultura) e os que trocam (Catherine Vautrin, do Trabalho e da Saúde para a Defesa). Há também o regresso de governantes de anteriores executivos da era Macron (Laurent Nuñez no Interior ou Benjamin Haddad para a Europa), mas também há caras novas: a ex-presidente do World Wild Fund em França Monique Barbut na Transição Ecológica, o até agora administrador da ferroviária SNCF Jean-Pierre Farandou para o Trabalho, ou o ex-patrão da cooperativa de supermercados Système U, Serge Papin para o Ministério das PME e do Comércio. Em termos partidários, registe-se que Lecornu, ex-militante d'Os Republicanos, juntou outros seis desfiliados do herdeiro do partido gaullista e outros seis atuais membros. No domingo, ao saber da composição do executivo, o partido fez saber que quem aceitou integrar o governo foi contra a linha decidida pela liderança de dar apoio parlamentar mas não integrar o executivo. "Já não podem reivindicar a pertença aos Republicanos”, disse em comunicado, adiantando que os seus órgãos se reuniriam nos próximos dias para "tomar uma decisão de forma definitiva”. O senador Henri Leroy defende a sua expulsão: "É preciso livrarmo-nos dos traidores", afirmou.