Gomes Cravinho diz que Putin não quer apenas um pedaço de território, quer destruir a UE
O ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, sublinha que o Presidente russo, Vladimir Putin, "não quer apenas um pedaço de território ucraniano", mas sim "destruir" a União Europeia, afirmando acreditar que a Ucrânia pode vencer a guerra.
"É um desafio existencial para a Europa porque Putin não quer apenas um pedaço de território ucraniano, Putin quer destruir o projeto europeu e daí ser fundamental nós não permitirmos que ele tenha ganho de causa na Ucrânia", afirmou João Gomes Cravinho, em entrevista à agência Lusa em Bruxelas.
Prestes a terminar o mandato, dadas as eleições legislativas de março, o chefe da diplomacia portuguesa vincou que "se Putin conseguir os seus objetivos na Ucrânia, (...) não parará na Ucrânia".
"Se não conseguirmos demonstrar na Ucrânia a nossa determinação para defender aquilo que valorizamos, aí sim é natural que haja uma desagregação do projeto europeu e é puramente isso que está em causa", reforçou.
Questionado se ainda acredita numa vitória ucraniana, quando se assinalam no sábado dois anos da invasão russa, João Gomes Cravinho disse: "Acredito profundamente e a Ucrânia já demonstrou que quando está dotada dos meios necessários, consegue repelir os invasores".
Além disso, frisou, "a Rússia já demonstrou também a sua elevada incompetência militar e os ganhos territoriais que tem conseguido são, aliás, muito pequenos, que foram feitos a um custo que nenhum regime decente aceitaria de milhares e milhares de mortos por cada metro quadrado de território".
A posição crítica em relação a Moscovo do ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português surge quatro dias depois do anúncio da morte do opositor russo Alexei Navalny.
"Não podemos ter ilusões sobre aquilo que aconteceu. Quando Putin mata Navalny, ele fá-lo olhando para o resto do mundo e dizendo: Vejam só o que eu posso fazer, é a natureza do regime que aqui se está a expor. E ele fá-lo também olhando para o próprio povo russo dizendo: Cuidado porque o destino daqueles que se quiserem opor é este", elencou João Gomes Cravinho.
E salientou: "Quando estamos confrontados com uma ditadura como a russa, quando estamos confrontados com a implacabilidade de um ditador que destrói todos os seus adversários e opositores, que tem medo deles e, portanto, sente necessidade de destruí-los - seja forçando-os ao exílio, prendendo-os ou matando -- (...) creio que aquilo que nós temos de fazer é dizer [que] não vamos aceitar que esse ditador venha a importunar a Europa".
À pergunta se a União Europeia (UE) poderia ter feito mais para proteger o principal opositor do regime do Presidente russo, o ministro dos Negócios Estrangeiros português indicou ser "muito difícil dizer que se poderia ter feito mais" porque "ele tinha grande visibilidade" na Rússia.
Ainda sobre a Ucrânia -- que viu em dezembro passado o Conselho Europeu dar luz verde à abertura de negociações formais para adesão à UE -- e o futuro do projeto europeu, o ministro português falou à Lusa sobre o processo de alargamento.
Numa altura em que a Ucrânia e oito outros países (Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia, Turquia, Moldova e Geórgia) são oficialmente candidatos à UE, João Gomes Cravinho adiantou ser "necessária uma relação diferente com esse conjunto de nove países", no contexto do alargamento comunitário.
Referindo que uma mudança institucional para acolher estes nove países seria "um processo moroso", o chefe da diplomacia portuguesa sugeriu antes "alguma criatividade" para "uma adaptação das funcionalidades europeias à realidade de cada país, permitindo (...) níveis diferentes de cooperação".
"Dessa forma, mantínhamos a capacidade operacional da UE, a sua capacidade de funcionar de forma muito próxima, mas de formas diferenciadas, de acordo com as temáticas", concluiu.
MNE diz ser "inevitável e necessária" aposta da UE na Defesa com novo comissário
O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, diz ser "inevitável e necessário" que a União Europeia (UE) coopere na área da Defesa e reforce capacidades militares, defendendo um novo comissário europeu da tutela para salvaguardar os interesses europeus.
"Eu creio que é inevitável e necessário (...) e espero que as decisões assumidas pelas lideranças europeias nessa altura, mais próximo do final do ano, correspondam a essa necessidade", de apostar na área da Defesa no próximo ciclo institucional perante o contexto geopolítico, disse o chefe da diplomacia portuguesa .
João Gomes Cravinho avisou que, se a UE não harmonizar as suas "múltiplas capacidades militares" ou se não reforçar a sua capacidade de desenvolver indústrias europeias de defesa e de controlo próprio "para que possa tomar as suas decisões e ações de acordo com as necessidades", será, frisou o ministro, "condenada a um lugar secundário, que é o que tem tido, muito longe das ambições europeias".
"Até há uns 10 ou 12 anos, havia algum orgulho em dizer que a UE era uma potência civil, não uma potência militar, mas acontece que o mundo de há 10 ou 12 anos, nada tem a ver com o mundo atual", acrescentou.
Questionado sobre a criação do cargo de comissário europeu da Defesa, que tem vindo a ser falado em Bruxelas, João Gomes Cravinho falou numa "evolução absolutamente necessária".
"Daria um sinal de que nós, como europeus e como UE, estamos disponíveis para promover os nossos interesses e defender aquilo que são os nossos valores", vincou o governante.
De acordo com João Gomes Cravinho, a ideia seria que este responsável europeu tivesse "a missão de trabalhar a parte das indústrias de defesa e (...) também de coordenação em matéria das forças armadas, de os chamar para reuniões".
"Estas matérias são de alguma sensibilidade soberana e, portanto, há limites em relação àquilo que se pode fazer. Não é uma matéria como outras - energia e agricultura -, em que podemos ter uma coordenação profunda", comparou, numa alusão à divisão de competências da UE.
Para João Gomes Cravinho, "já não é uma opção pensar numa Comunidade Europeia de Defesa", mas sim "é uma absoluta necessidade para os tempos mais próximos".
Negociada nos anos 1950 para coordenar as forças armadas de toda a Europa, a Comunidade Europeia de Defesa acabou por não avançar por rejeição da Assembleia Nacional (parlamento) francesa.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem vindo a defender que, perante um potencial novo mandato à frente da instituição, irá ter um comissário para a Defesa para facilitar a cooperação na UE nesta área e o reforço das capacidades militares.
A União Europeia tem insistido na ideia de autonomia estratégica, proclamada pela presidente da Comissão, pelo Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, Josep Borrell, e também pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
Recentemente, a Alemanha, a Polónia e os Países Baixos anunciaram a intenção de criar um "corredor militar" para facilitar a movimentação de tropas dos 27 Estados-membros dentro do território da União, para precaver uma eventual invasão de um país terceiro ou o que um conflito exterior à UE possa alastrar ao território do bloco comunitário.
Em simultâneo, os 27 querem aumentar as capacidades militares, principalmente a produção de armamento, principalmente face ao conflito na Ucrânia causado pela invasão russa, que no próximo sábado cumpre dois anos.
A ofensiva militar russa no território ucraniano, lançada a 24 de fevereiro de 2022, mergulhou a Europa naquela que é considerada a crise de segurança mais grave desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).