Gabriel ben Tasgal: “O Hamas é o idiota útil do Irão”
Gerardo Santos / Global Imagens

Gabriel ben Tasgal: “O Hamas é o idiota útil do Irão”

Em Lisboa a convite da ALPI - Associação Lusa Portugueses por Israel -, o fundador do HaTzad HaSheni explicou como o trauma de 7 de outubro mudou a sociedade israelita e acabou com o campo da paz. Gabriel ben Tasgal aponta soluções para o futuro de Gaza e garante que Israel deve processar a ONU por crimes de guerra.
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O primeiro-ministro Netanyahu rejeitou os termos do cessar-fogo propostos pelo Hamas e reafirmou que a “vitória total” em Gaza é possível em meses. É mesmo? E o que seria uma vitória total para Israel?
A vitória total não pode ser a destruição do Hamas. Porque o Hamas não é derrotável, é uma ideologia. Hoje chama-se Hamas, amanhã chama-se ISIS, depois chama-se Frente qualquer coisa. É difícil derrotar uma ideologia que está tão enraizada no Médio Oriente. E que não depende apenas do conflito com Israel. Agora, o que o Hamas exigia a Israel eram quatro coisas: que permitisse que eles continuassem no poder na Faixa de Gaza, um cessar-fogo, que Israel retirasse totalmente do território e a libertação de prisioneiros palestinianos nas mãos de Israel. As famílias dos reféns concordam com isto. Os media em Israel concordam. Mas o governo não. Então Netanyahu disse que não aceitava estas condições. E eu acho que é porque Netanyahu já não tem nada a perder. Ele sabe que a única forma de ser reeleito é derrotar o Hamas e trazer um acordo de paz com a Arábia Saudita. Se isso acontecer, talvez ele renasça como a Fénix. Mas é provável que não o consiga. Então como não tem nada a perder, diz “Não”. A única coisa que quer é a vitória já. 

Por não ter nada a perder, mas também por estar a ser pressionado pelos sectores mais à direita no governo?
Não creio que tenham assim tanta influência nele. Porque no governo atual quem decide não é a extrema-direita, é o gabinete de guerra, onde são Netanyahu e Gantz as figuras centrais. E Netanyahu sabe que se a guerra terminar hoje, ele tem de se demitir. Porque a população israelita não vai aceitar um primeiro-ministro que permitiu que assassinassem 1200 israelitas. Para não ter de se demitir a única forma é manter uma guerra longa e contundente. Neste momento a guerra é aqui [aponta para a Faixa de Gaza num mapa]. Mas se continuar assim vai haver guerra ali [aponta a fronteira com o Líbano]. Porque como é que explica a estas populações que têm de sair, de deixar as suas casas, a 800 mil pessoas? Penso que Israel está a tentar que o Hezbollah responda. Nos primeiros dias, o Hezbollah disparava e Israel não reagiu porque queria  concentrar tudo em Gaza. Respondia só de vez em quando. Neste momento acho que Gaza vai baixar de intensidade e o Líbano vai subir. Se vai rebentar uma guerra? Talvez não. A resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU exige ao Hezbollah que se retire para norte do rio Litani e que não tenha armas abaixo dessa linha. Se o Hezbollah recuar talvez não haja guerra. Mas se me perguntar a mim, eu diria que neste momento Israel está pro-ativamente à procura de um confronto com o Hezbollah. Porque esta população israelita não vai aceitar viver na fronteira junto a alguém que tem 200 mil rockets.

Sobretudo depois do que aconteceu a 7 de outubro?
Sim, o trauma nacional é tão grande que acho que a população está preparada para uma guerra contra o Hezbollah. Também por isso há muito menos soldados em Gaza. Os reservistas foram mandados para casa, quase todos, para que regressem às suas famílias, aos seus negócios, para que descansem.

A pensar numa segunda fase?
Sim. Porque a Netanyahu convém que a guerra continue no norte. Se fosse por ele, acabava a guerra em Gaza, atacava no Líbano e se o Irão se armasse em esperto também o atacava.

Está a dizer que a sobrevivência política de Netanyahu depende de Israel continuar em guerra?
Se a guerra terminar, haverá uma comissão de investigação e ele provavelmente tem a carreira terminada. Mas a conveniência política de Netanyahu convém aos israelitas. Israel precisa que Gaza não seja um perigo e que o Hezbollah não seja um perigo na fronteira. E a população responde sempre que está disposta a continuar a guerra. 

Estava em Israel a 7 de outubro. Como viveu aqueles momentos? Podemos dizer que há um antes e um depois dessa data para a população israelita?
Primeiro nem queríamos acreditar. Porque havia uma sobre-segurança, um excesso de confiança. Vou começar por algo pessoal. A minha filha está no exército. Uma amiga dela foi sequestrada e morta. E a minha filha diz-me: ‘sequestraram-na e levaram-na porque é bonita, vão violá-la. Não sei o que é pior, que a violem ou que a matem’. Isto foi o que me disse a minha filha de 19 anos. O meu filho… quando me levantei de manhã vi um taco de basebol à porta. O Hamas fingiu ser militares israelitas, tocavam às campainhas para pedir ajuda e quando entravam, assassinavam quem estava em casa. O meu filho foi buscar o taco e disse-me: ‘se eles quiserem entrar eu tenho de defender a família’. Tem 17 anos. Esta é a reação da sociedade. É traumático porque desperta sentimentos parecidos com o Holocausto - uma sensação de impotência física. E porque é que aconteceu? Porque os israelitas estavam convencidos de três coisas. Primeiro, que o Hamas estava enfraquecido. Segundo, havia um excesso de confiança na tecnologia. Temos a Cúpula de Ferro e temos uma barreira de segurança muito desenvolvida. Confias nisso. E em terceiro, e mais importante, deixávamos 40 mil palestinianos trabalhar diariamente em Israel. A lógica ocidental é que não atacas quem te dá de comer. Mas a lógica jihadista não é assim. Vivia-se portanto um excesso de confiança. E  enquanto nós achávamos que o Hamas estava enfraquecido, ele estava a preparar um mega-atentado. Durante dois ou três anos. E entraram todos drogados. Os militantes que entraram tinham todos consumido uma droga muito forte, que é a droga dos jihadistas. Chama-se Coptagon ou Captagon. Às vezes também se chama Optagon. É uma droga que Assad e o Hezbollah fabricam juntos na Síria. E esta droga vai causar muitíssimo ruído em todo o mundo. O Hezbollah, o dinheiro que faz vem em parte da droga. A Síria é um narco-Estado. Portanto, do ponto de visto humano, nem queríamos acreditar. E acho que os amigos que temos no mundo também não. Foi parecido com o trauma da guerra do Yom Kippur.

Israel estava preparado para os ataques com rockets mas não para uma invasão como a daquele dia 7 de outubro?
Sim, porque temos uma barreira de segurança super inteligente, mas eles vieram com um trator e mandaram-na abaixo. E havia poucos soldados na fronteira. Mas há aqui outro perigo. O radicalismo islâmico em geral age por imitação. E se descobre algo capaz de derrotar o mal - sendo o mal Israel e o Ocidente - surgem imitadores. Isto explica porque é que os países europeus estão a apoiar Israel. Porque têm medo que, se o Hamas vencer, haja atentados em França, na Alemanha, em Inglaterra. Há países como a Espanha, que não entendem isso. Mas outros entendem - os EUA, a Alemanha, a Inglaterra, a França. Entendem que se o Hamas vencer vai haver imitadores por todo o lado. Como aconteceu com o ISIS. Degolaram pessoas e depois começaram a degolar pessoas na Europa. Por isso é preciso humilhar o Hamas. Mas há um problema. Não se derrota uma ideia, derrota-se a manifestação física da ideia. 

Voltando a Gaza. Netanyahu traçou duas prioridades: derrotar o Hamas totalmente e recuperar os reféns. Neste momento nenhuma delas parece próxima de se concretizar. Que solução há para este conflito e para Gaza?
Dos 136 que continuam reféns, pensa-se que 106 continuem vivos. Os restantes estão mortos. E acredito que boa parte não vai voltar com vida. Infelizmente é pouco provável. Também não acredito que recuperemos os corpos da maior parte dos reféns mortos. Porque os reféns estão a ser utilizados como escudos humanos para proteger os líderes do Hamas. Se me perguntar se Israel pode conquistar fisicamente a Faixa de Gaza? Sim.

E depois faz o quê com ela?
Três cenários possíveis. Primeiro, ficar como potência ocupante a administrar Gaza. Eu não acredito que Israel queira isso. Segundo, entrega o território à Autoridade Palestiniana (AP). Mas esta não é assim tão menos radical do que o Hamas e é mais corrupta. Netanyahu não quer isso porque se houver um governo da AP na Cisjordânia e em Gaza, os países ocidentais vão exigir que haja um Estado palestiniano. A terceira opção é entregar a administração da Faixa de Gaza a clãs locais enquanto Israel mantém o direito de intervir militarmente quando  o Hamas puser em perigo esses hamulas. O problema com esta teoria é que quando se entrega o poder a clãs locais eles começam uma guerra entre eles. É o grande problema do Médio Oriente. Então talvez se possa dividir Gaza em províncias com um líder para cada hamula que administre essa zona, com a proteção externa de Israel. Mas não é fácil. Destas soluções, a terceira é talvez a mais provável. 

Quando falámos, há pouco mais de ano e meio, tinha havido alguns ataques em Israel e os árabes israelitas estavam a manifestar-se. Depois do ataque de 7 de outubro, não se têm feito ouvir…
Creio que perceberam que o choque foi tal para a população israelita que se eles fizessem alguma coisa, a resposta ia ser terrível. A resposta de vários políticos israelitas foi terrível. Dizer a um judeu que é preciso assassinar toda a gente na Faixa de Gaza não é aceitável para o judaísmo. Porque o disseram? Porque estavam furiosos. Estar furioso compreende-se, mas quando um ministro diz uma estupidez destas podem levar-te a julgamento por genocídio. Não é moral fazer isso. Mas as pessoas estavam furiosas. Porque degolar ou incendiar bebés, violar as nossas filhas não é aceitável. Estamos acostumados a que um exército mate, mas o nível de crueldade fez com que a população israelita entrasse num momento em que penso que o campo pacifista morreu. Por uns tempos, morreu. E agora vai ser muito difícil para qualquer governo israelita propor a retirada da Cisjordânia. Ninguém vai aceitar isso. Se defenderes a criação de um Estado palestiniano porque somos fortes e podemos aguentar um ataque, ninguém hoje vai acreditar. O campo da paz morreu e se houvesse eleições agora a população ia votar mais à direita.

Ainda mais?
Sim, ainda mais. Mas também há boas notícias. Este conflito surge porque o Irão estava preocupado por Israel se aproximar da Arábia Saudita. Ora o acordo com a Arábia Saudita é um facto. 

Os ataques de 7 de  outubro surgiram num momento em que Israel estabelecera relações com vários países árabes através dos Acordos de Abraão. Até agora estes acordos têm-se mantido. Surpreendeu-o? As relações comerciais são hoje mais fortes do que a solidariedade com o povo palestiniano?
Não me surpreendeu. Muitos países sunitas estão fartos dos palestinianos. De onde é que eles recebem apoios? Da Europa. De alguns sectores nos EUA. Mas no Médio Oriente, muitos países árabes… o Egito, por exemplo, não suporta os palestinianos, a Arábia Saudita não suporta os palestinianos, os jordanos não suportam os palestinianos. Mais, riem-se do sotaque, da forma como falam. Acusam os palestinianos de complicar sempre tudo e de não quererem a paz. A Arábia Saudita está disposta a não assinar um acordo com Israel por causa dos palestinianos? Não. Não há volta a dar. Porque todos têm medo do Irão. E porque estamos a viver dias pós-petróleo e a Arábia Saudita precisa de diversificar a economia. Para isso, nada melhor do que associar-se com a principal potência tecnológica da região. É irreversível. A paz vai ser a melhor forma de mostrar ao Irão que o atentado que quis fazer e a guerra que quis fazer não tiveram êxito.

Não tem dúvidas que o Irão esteve por detrás disto tudo?
Nenhuma. O plano do Irão era organizar um atentado que fosse regional. Mas os palestinianos do Hamas anteciparam-se. Encontraram o momento em que Israel estava muito dividido ideologicamente por causa da reforma judicial e aproveitaram. Saiu-lhes melhor do que esperavam. Mas nem o Irão nem o Hezbollah avançaram. Porque no fundo os xiitas odeiam os sunitas. O Hamas é o idiota útil do Irão.

O preconceito de que fala por parte dos países vizinhos em relação aos palestinianos explica que passados mais de 75 anos da fundação de Israel continue a haver campos de refugiados e essa população não tenha sido integrada?
Vou dizer uma coisa: Israel deve processar a ONU por crimes de guerra. Porque esta tem uma agência especial para os refugiados palestinianos chamada UNRWA e houve trabalhadores da UNRWA envolvidos no atentado de 7 de outubro. Durante anos a UNRWA colaborou com o Hamas. Parte dos seus 30 mil empregados são membros do Hamas. Educaram crianças para o terrorismo nas suas escolas. Nas suas escolas há laboratórios de armas. Em todo o mundo é considerado refugiado quem escapou ou foi expulso de uma zona de guerra. Se não recebeu cidadania de outro país, é refugiado. Mas refugiados palestinianos são todos os que se deslocaram dentro da zona de combate entre maio de 1946 e maio de 1948, e os seus filhos, e netos e bisnetos. Não pode ser, têm de ser refugiados como os outros. Chegou a hora de desarmar a UNRWA e de processar a ONU, que colabora com regimes ditatoriais. Temos de processar o diretor-geral da UNRWA por crimes de guerra. Para que todas as outras comissões da ONU que agem de forma imoral tenham mais medo. E as declarações de António Guterres foram vergonhosas. O Hamas não fez o que fez por causa da ocupação israelita, é um pensamento primitivo. O Hamas fez o atentado porque teologicamente considera que os judeus e os cristãos não têm direito a um Estado independente. Ao ouvir esta declaração, se fosse um terrorista, o que é que pensava? Que Guterres o apoia ou que o condena? Saiu-lhe mal e acho que agora tem tentado reposicionar-se, falando de forma mais racional, mas o dano que causou à ONU foi terrível. Neste conflito como no da Ucrânia a ONU tem mostrado que tem uma bússola moral muito mal afinada. 

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