O primeiro-ministro Netanyahu rejeitou os termos do cessar-fogo propostos pelo Hamas e reafirmou que a “vitória total” em Gaza é possível em meses. É mesmo? E o que seria uma vitória total para Israel? A vitória total não pode ser a destruição do Hamas. Porque o Hamas não é derrotável, é uma ideologia. Hoje chama-se Hamas, amanhã chama-se ISIS, depois chama-se Frente qualquer coisa. É difícil derrotar uma ideologia que está tão enraizada no Médio Oriente. E que não depende apenas do conflito com Israel. Agora, o que o Hamas exigia a Israel eram quatro coisas: que permitisse que eles continuassem no poder na Faixa de Gaza, um cessar-fogo, que Israel retirasse totalmente do território e a libertação de prisioneiros palestinianos nas mãos de Israel. As famílias dos reféns concordam com isto. Os media em Israel concordam. Mas o governo não. Então Netanyahu disse que não aceitava estas condições. E eu acho que é porque Netanyahu já não tem nada a perder. Ele sabe que a única forma de ser reeleito é derrotar o Hamas e trazer um acordo de paz com a Arábia Saudita. Se isso acontecer, talvez ele renasça como a Fénix. Mas é provável que não o consiga. Então como não tem nada a perder, diz “Não”. A única coisa que quer é a vitória já. .Por não ter nada a perder, mas também por estar a ser pressionado pelos sectores mais à direita no governo? Não creio que tenham assim tanta influência nele. Porque no governo atual quem decide não é a extrema-direita, é o gabinete de guerra, onde são Netanyahu e Gantz as figuras centrais. E Netanyahu sabe que se a guerra terminar hoje, ele tem de se demitir. Porque a população israelita não vai aceitar um primeiro-ministro que permitiu que assassinassem 1200 israelitas. Para não ter de se demitir a única forma é manter uma guerra longa e contundente. Neste momento a guerra é aqui [aponta para a Faixa de Gaza num mapa]. Mas se continuar assim vai haver guerra ali [aponta a fronteira com o Líbano]. Porque como é que explica a estas populações que têm de sair, de deixar as suas casas, a 800 mil pessoas? Penso que Israel está a tentar que o Hezbollah responda. Nos primeiros dias, o Hezbollah disparava e Israel não reagiu porque queria concentrar tudo em Gaza. Respondia só de vez em quando. Neste momento acho que Gaza vai baixar de intensidade e o Líbano vai subir. Se vai rebentar uma guerra? Talvez não. A resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU exige ao Hezbollah que se retire para norte do rio Litani e que não tenha armas abaixo dessa linha. Se o Hezbollah recuar talvez não haja guerra. Mas se me perguntar a mim, eu diria que neste momento Israel está pro-ativamente à procura de um confronto com o Hezbollah. Porque esta população israelita não vai aceitar viver na fronteira junto a alguém que tem 200 mil rockets..Sobretudo depois do que aconteceu a 7 de outubro? Sim, o trauma nacional é tão grande que acho que a população está preparada para uma guerra contra o Hezbollah. Também por isso há muito menos soldados em Gaza. Os reservistas foram mandados para casa, quase todos, para que regressem às suas famílias, aos seus negócios, para que descansem..A pensar numa segunda fase? Sim. Porque a Netanyahu convém que a guerra continue no norte. Se fosse por ele, acabava a guerra em Gaza, atacava no Líbano e se o Irão se armasse em esperto também o atacava..Está a dizer que a sobrevivência política de Netanyahu depende de Israel continuar em guerra? Se a guerra terminar, haverá uma comissão de investigação e ele provavelmente tem a carreira terminada. Mas a conveniência política de Netanyahu convém aos israelitas. Israel precisa que Gaza não seja um perigo e que o Hezbollah não seja um perigo na fronteira. E a população responde sempre que está disposta a continuar a guerra. .Estava em Israel a 7 de outubro. Como viveu aqueles momentos? Podemos dizer que há um antes e um depois dessa data para a população israelita? Primeiro nem queríamos acreditar. Porque havia uma sobre-segurança, um excesso de confiança. Vou começar por algo pessoal. A minha filha está no exército. Uma amiga dela foi sequestrada e morta. E a minha filha diz-me: ‘sequestraram-na e levaram-na porque é bonita, vão violá-la. Não sei o que é pior, que a violem ou que a matem’. Isto foi o que me disse a minha filha de 19 anos. O meu filho… quando me levantei de manhã vi um taco de basebol à porta. O Hamas fingiu ser militares israelitas, tocavam às campainhas para pedir ajuda e quando entravam, assassinavam quem estava em casa. O meu filho foi buscar o taco e disse-me: ‘se eles quiserem entrar eu tenho de defender a família’. Tem 17 anos. Esta é a reação da sociedade. É traumático porque desperta sentimentos parecidos com o Holocausto - uma sensação de impotência física. E porque é que aconteceu? Porque os israelitas estavam convencidos de três coisas. Primeiro, que o Hamas estava enfraquecido. Segundo, havia um excesso de confiança na tecnologia. Temos a Cúpula de Ferro e temos uma barreira de segurança muito desenvolvida. Confias nisso. E em terceiro, e mais importante, deixávamos 40 mil palestinianos trabalhar diariamente em Israel. A lógica ocidental é que não atacas quem te dá de comer. Mas a lógica jihadista não é assim. Vivia-se portanto um excesso de confiança. E enquanto nós achávamos que o Hamas estava enfraquecido, ele estava a preparar um mega-atentado. Durante dois ou três anos. E entraram todos drogados. Os militantes que entraram tinham todos consumido uma droga muito forte, que é a droga dos jihadistas. Chama-se Coptagon ou Captagon. Às vezes também se chama Optagon. É uma droga que Assad e o Hezbollah fabricam juntos na Síria. E esta droga vai causar muitíssimo ruído em todo o mundo. O Hezbollah, o dinheiro que faz vem em parte da droga. A Síria é um narco-Estado. Portanto, do ponto de visto humano, nem queríamos acreditar. E acho que os amigos que temos no mundo também não. Foi parecido com o trauma da guerra do Yom Kippur..Israel estava preparado para os ataques com rockets mas não para uma invasão como a daquele dia 7 de outubro? Sim, porque temos uma barreira de segurança super inteligente, mas eles vieram com um trator e mandaram-na abaixo. E havia poucos soldados na fronteira. Mas há aqui outro perigo. O radicalismo islâmico em geral age por imitação. E se descobre algo capaz de derrotar o mal - sendo o mal Israel e o Ocidente - surgem imitadores. Isto explica porque é que os países europeus estão a apoiar Israel. Porque têm medo que, se o Hamas vencer, haja atentados em França, na Alemanha, em Inglaterra. Há países como a Espanha, que não entendem isso. Mas outros entendem - os EUA, a Alemanha, a Inglaterra, a França. Entendem que se o Hamas vencer vai haver imitadores por todo o lado. Como aconteceu com o ISIS. Degolaram pessoas e depois começaram a degolar pessoas na Europa. Por isso é preciso humilhar o Hamas. Mas há um problema. Não se derrota uma ideia, derrota-se a manifestação física da ideia. .Voltando a Gaza. Netanyahu traçou duas prioridades: derrotar o Hamas totalmente e recuperar os reféns. Neste momento nenhuma delas parece próxima de se concretizar. Que solução há para este conflito e para Gaza? Dos 136 que continuam reféns, pensa-se que 106 continuem vivos. Os restantes estão mortos. E acredito que boa parte não vai voltar com vida. Infelizmente é pouco provável. Também não acredito que recuperemos os corpos da maior parte dos reféns mortos. Porque os reféns estão a ser utilizados como escudos humanos para proteger os líderes do Hamas. Se me perguntar se Israel pode conquistar fisicamente a Faixa de Gaza? Sim..E depois faz o quê com ela? Três cenários possíveis. Primeiro, ficar como potência ocupante a administrar Gaza. Eu não acredito que Israel queira isso. Segundo, entrega o território à Autoridade Palestiniana (AP). Mas esta não é assim tão menos radical do que o Hamas e é mais corrupta. Netanyahu não quer isso porque se houver um governo da AP na Cisjordânia e em Gaza, os países ocidentais vão exigir que haja um Estado palestiniano. A terceira opção é entregar a administração da Faixa de Gaza a clãs locais enquanto Israel mantém o direito de intervir militarmente quando o Hamas puser em perigo esses hamulas. O problema com esta teoria é que quando se entrega o poder a clãs locais eles começam uma guerra entre eles. É o grande problema do Médio Oriente. Então talvez se possa dividir Gaza em províncias com um líder para cada hamula que administre essa zona, com a proteção externa de Israel. Mas não é fácil. Destas soluções, a terceira é talvez a mais provável. .Quando falámos, há pouco mais de ano e meio, tinha havido alguns ataques em Israel e os árabes israelitas estavam a manifestar-se. Depois do ataque de 7 de outubro, não se têm feito ouvir… Creio que perceberam que o choque foi tal para a população israelita que se eles fizessem alguma coisa, a resposta ia ser terrível. A resposta de vários políticos israelitas foi terrível. Dizer a um judeu que é preciso assassinar toda a gente na Faixa de Gaza não é aceitável para o judaísmo. Porque o disseram? Porque estavam furiosos. Estar furioso compreende-se, mas quando um ministro diz uma estupidez destas podem levar-te a julgamento por genocídio. Não é moral fazer isso. Mas as pessoas estavam furiosas. Porque degolar ou incendiar bebés, violar as nossas filhas não é aceitável. Estamos acostumados a que um exército mate, mas o nível de crueldade fez com que a população israelita entrasse num momento em que penso que o campo pacifista morreu. Por uns tempos, morreu. E agora vai ser muito difícil para qualquer governo israelita propor a retirada da Cisjordânia. Ninguém vai aceitar isso. Se defenderes a criação de um Estado palestiniano porque somos fortes e podemos aguentar um ataque, ninguém hoje vai acreditar. O campo da paz morreu e se houvesse eleições agora a população ia votar mais à direita..Ainda mais? Sim, ainda mais. Mas também há boas notícias. Este conflito surge porque o Irão estava preocupado por Israel se aproximar da Arábia Saudita. Ora o acordo com a Arábia Saudita é um facto. .Os ataques de 7 de outubro surgiram num momento em que Israel estabelecera relações com vários países árabes através dos Acordos de Abraão. Até agora estes acordos têm-se mantido. Surpreendeu-o? As relações comerciais são hoje mais fortes do que a solidariedade com o povo palestiniano? Não me surpreendeu. Muitos países sunitas estão fartos dos palestinianos. De onde é que eles recebem apoios? Da Europa. De alguns sectores nos EUA. Mas no Médio Oriente, muitos países árabes… o Egito, por exemplo, não suporta os palestinianos, a Arábia Saudita não suporta os palestinianos, os jordanos não suportam os palestinianos. Mais, riem-se do sotaque, da forma como falam. Acusam os palestinianos de complicar sempre tudo e de não quererem a paz. A Arábia Saudita está disposta a não assinar um acordo com Israel por causa dos palestinianos? Não. Não há volta a dar. Porque todos têm medo do Irão. E porque estamos a viver dias pós-petróleo e a Arábia Saudita precisa de diversificar a economia. Para isso, nada melhor do que associar-se com a principal potência tecnológica da região. É irreversível. A paz vai ser a melhor forma de mostrar ao Irão que o atentado que quis fazer e a guerra que quis fazer não tiveram êxito..Não tem dúvidas que o Irão esteve por detrás disto tudo? Nenhuma. O plano do Irão era organizar um atentado que fosse regional. Mas os palestinianos do Hamas anteciparam-se. Encontraram o momento em que Israel estava muito dividido ideologicamente por causa da reforma judicial e aproveitaram. Saiu-lhes melhor do que esperavam. Mas nem o Irão nem o Hezbollah avançaram. Porque no fundo os xiitas odeiam os sunitas. O Hamas é o idiota útil do Irão..O preconceito de que fala por parte dos países vizinhos em relação aos palestinianos explica que passados mais de 75 anos da fundação de Israel continue a haver campos de refugiados e essa população não tenha sido integrada? Vou dizer uma coisa: Israel deve processar a ONU por crimes de guerra. Porque esta tem uma agência especial para os refugiados palestinianos chamada UNRWA e houve trabalhadores da UNRWA envolvidos no atentado de 7 de outubro. Durante anos a UNRWA colaborou com o Hamas. Parte dos seus 30 mil empregados são membros do Hamas. Educaram crianças para o terrorismo nas suas escolas. Nas suas escolas há laboratórios de armas. Em todo o mundo é considerado refugiado quem escapou ou foi expulso de uma zona de guerra. Se não recebeu cidadania de outro país, é refugiado. Mas refugiados palestinianos são todos os que se deslocaram dentro da zona de combate entre maio de 1946 e maio de 1948, e os seus filhos, e netos e bisnetos. Não pode ser, têm de ser refugiados como os outros. Chegou a hora de desarmar a UNRWA e de processar a ONU, que colabora com regimes ditatoriais. Temos de processar o diretor-geral da UNRWA por crimes de guerra. Para que todas as outras comissões da ONU que agem de forma imoral tenham mais medo. E as declarações de António Guterres foram vergonhosas. O Hamas não fez o que fez por causa da ocupação israelita, é um pensamento primitivo. O Hamas fez o atentado porque teologicamente considera que os judeus e os cristãos não têm direito a um Estado independente. Ao ouvir esta declaração, se fosse um terrorista, o que é que pensava? Que Guterres o apoia ou que o condena? Saiu-lhe mal e acho que agora tem tentado reposicionar-se, falando de forma mais racional, mas o dano que causou à ONU foi terrível. Neste conflito como no da Ucrânia a ONU tem mostrado que tem uma bússola moral muito mal afinada.