No Dia da Mulher, a França vai tornar-se no primeiro país do mundo a inscrever na sua Constituição “a liberdade garantida à mulher de recorrer à interrupção voluntária da gravidez”. Sob um coro de aplausos, os deputados e senadores franceses, reunidos no Palácio de Versalhes, aprovaram esta segunda-feira a proposta com 780 votos a favor e 72 contra. O presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou para 8 de março uma cerimónia pública na qual irá “selar” oficialmente esse direito. .“Orgulho francês, mensagem universal”, escreveu o presidente no X (antigo Twitter), anunciando a cerimónia para a Praça Vendôme, ao meio-dia (11.00 em Lisboa). A Torre Eiffel brilhou ontem com a mensagem “o meu corpo, a minha escolha”, depois de os resultados da votação apelidada por todos de “histórica” serem divulgados num ecrã gigante. A inscrição desta “liberdade garantida” na Constituição surge quase meio século depois da aprovação, em janeiro de 1975, da primeira lei que despenalizou o aborto em França, a Lei Veil (em nome de Simone Veil, então ministra da Saúde do presidente Valéry Giscard d’Estaign). .“O homem que sou nunca experimentará a angústia que viveram estas mulheres, privadas da liberdade de controlar os seus corpos durante décadas. O homem que sou nunca conhecerá o sofrimento físico daqueles tempos, quando o aborto era sinónimo de segredo vergonhoso, de dor indescritível e de riscos fatais”, disse o chefe do governo, Gabriel Attal, que entrou no palácio junto com Jean Veil, filho de Simone Veil. “Mas o irmão, o filho, o amigo, o primeiro-ministro que sou, recordará durante toda a sua vida o orgulho de ter estado nesta tribuna neste momento: aquele em que vamos, juntos, unidos e cheios de emoções, mudar a nossa lei fundamental para incluir a liberdade das mulheres”, acrescentou, antes da votação. .“A lei determina as condições nas quais se exerce a liberdade garantida à mulher de recorrer à interrupção voluntária da gravidez”, diz a frase que foi agora introduzida no artigo 34 da Constituição. Desta forma, torna-se mais difícil recuar nesta liberdade, uma vez que será de novo necessária uma maioria de três quintos para alterar o texto. .A França torna-se assim pioneira num mundo onde o direito ao aborto está a regredir, seja nos EUA (com a revogação da decisão Roe v. Wade) ou na Europa de Leste. A líder dos deputados da França Insubmissa, Mathilde Panot, que preparou a iniciativa de revisão constitucional na Assembleia Nacional, falou de uma “promessa” para “as mulheres que lutam em todo o mundo” pelo direito ao aborto. E já anunciou que apresentou um texto para que o governo faça pressão para que seja inscrito na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. .A Amnistia Internacional falou num gesto de “enorme importância” da França, que deve servir de exemplo para outros países. Já o Vaticano defendeu que “não pode ser um direito” acabar com uma vida humana. “A Pontifícia Academia para a Vida reitera que precisamente na era dos direitos humanos universais não pode haver um ‘direito’ de suprimir a vida humana”, indicou em comunicado..susana.f.salvador@dn.pt