Armas nucleares, armas biológicas, armas químicas, armas radiológicas e... fentanilo. Segundo uma ordem executiva de Donald Trump assinada na semana passada, o opioide sintético, na sua versão “ilícita”, passa a ser considerado uma arma de destruição maciça devido às mortes que tem causado nos Estados Unidos. A ideia já vem do primeiro mandato, mas a sua concretização agora abre caminhos legais para a intervenção militar nas Caraíbas. Sintetizado pela primeira vez na década de 1960, o fentanilo é amplamente tomado pelos pacientes em pós-operatório e para o alívio da dor crónica aguda. Os opioides prescritos pelos médicos (incluindo fentanilo, mas também metadona) passaram a ser a maior causa de mortes por drogas, nos EUA, na viragem do século. O problema agravou-se com a introdução da droga no mercado negro. As mortes dispararam a partir de 2015. Quando Trump chegou à Casa Branca, em 2017, o número de óbitos por overdose (de todas as drogas) ultrapassava 65 mil. Em 2022, atingiu o pico, 111 mil. Em outubro de 2017, a administração Trump declara que os EUA atravessam uma “epidemia de opioides” e, no ano seguinte, é encarada a hipótese de equiparar a droga a uma arma de destruição maciça. James McDonnell, nomeado por Trump para chefiar o Gabinete de Combate a Armas de Destruição Maciça (CWMD) defendeu à época que o fentanilo tinha propriedades (“elevada toxicidade” e “crescente disponibilidade”) que o tornavam atrativo para um ataque. Na altura, a ideia não vingou, depois de um relatório de especialistas ter rejeitado a proposta. Tal como em 2022, quando um grupo de procuradores apelou para que Joe Biden agisse nesse sentido. Como prova, apontou-se o uso que as autoridades russas fizeram - do fentanilo ou de um composto similar - em 2002 durante a crise dos reféns num teatro em Moscovo e que acabou com a morte de mais de 100 pessoas. Há muito que a origem dos químicos usada pelas redes criminosas estava determinada: a China. Em paralelo às tensões comerciais com Pequim, Trump e Biden incluíram o tópico nas negociações com Xi Jinping, e registaram-se avanços e recuos na cooperação chinesa. De regresso ao poder, Trump declarou a China como principal fonte dos químicos precursores usados na produção do fentanilo no México e impôs taxas aduaneiras adicionais de 20%. Só que meses antes, em setembro, fruto do retomar da cooperação, Pequim havia tomado medidas para impedir a saída dos elementos que compõem o fentanilo para a América. “A administração Trump cometeu o grande erro de desconsiderar e ignorar completamente o que a China estava a fazer com os EUA em 2024 e simplesmente entrou a todo o vapor com tarifas”, disse à Associated Press Vanda Felbab-Brown, investigadora da crise dos opioides na Brookings Institution. Na prática, perderam-se meses e o tema foi abordado em novembro na conversa telefónica entre os líderes de ambos os países, tendo-se Xi comprometido em proibir a exportação para o mercado da América do Norte de 13 químicos usados no fentanilo. Mas a pressão para a administração ir mais longe continuou. Uma associação de pais cujos filhos morreram devido ao fentanilo visitou a Casa Branca no início do mês e voltou a propor a ideia da arma de destruição maciça. “O presidente “adorou a ideia”, disse um dos fundadores do Fentanyl Fathers, Gregory Swan, ao Washington Post. Dias depois, ao assinar a ordem executiva, Trump afirmou que todos os anos morrem entre 200 mil e 300 mil pessoas de fentanilo. Os dados oficiais de 2024 apontam para 48 mil pessoas. “Existem muitas mortes associadas aos cigarros e aos carros. O simples facto de haver muitas mortes não significa que o fentanilo seja uma arma”, comentou ao referido jornal o investigador de narcotráfico Jonathan P. Caulkins, da Universidade Carnegie Mellon. A ordem executiva acompanha a campanha militar dos EUA nas Caraíbas e no Pacífico contra o narcotráfico e a classificação de cartéis como organizações terroristas. Pelo menos 22 barcos suspeitos foram atacados, numa operação que pressiona sobretudo a Venezuela. Trump defendeu os ataques de duvidosa legalidade e que já mataram pelo menos 80 pessoas. “Em cada barco atingido salvamos 25 mil vidas americanas e, quando se vê desta forma, não nos importamos.” Para lá dos números, os especialistas discordam. Em primeiro lugar porque as lanchas e não têm como destino os EUA. E porque a droga dali proveniente é a cocaína. Jeffrey Singer, do Cato Institute, disse à NPR que o resultado pode ser contraproducente, porque os cartéis podem trocar a cocaína pelos opioides sintéticos - caso do fentanilo, cuja margem de lucro é superior..O petróleo, a frota fantasma e o que está por trás do bloqueio naval dos EUA à Venezuela.No Brasil, Milei apela a parceiros do Mercosul para apoiarem pressão dos EUA