“Existe o mito de uma UE antiga e pequena, onde as coisas eram fáceis”
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

“Existe o mito de uma UE antiga e pequena, onde as coisas eram fáceis”

Em Lisboa para o Ágora Jacques Delors, que juntou 130 jovens de 30 países para debater os desafios da União Europeia, o checo Lukas Macek, diretor do campus de Sciences Po, em Dijon, falou ao DN de uma Europa a 30 ou 35 e como devemos usar as ferramentas dos atuais tratados antes de falar em grandes reformas.
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Um dos grandes desafios da União Europeia para os próximos anos é o alargamento. Quando vemos a UE a 27 a lutar para chegar a um acordo, como é que vai ser a 30 ou 35?
Bem, depende. Olhe para as comunidades europeias nos Anos 60, eram apenas seis países e mesmo assim estavam a lutar. A França esteve perto de destruir tudo. Penso que uma das piores crises da história do processo europeu aconteceu quando havia apenas seis membros, quando a França boicotou as instituições. Estivemos perto da implosão. Por isso, acho que essa abordagem puramente quantitativa, de que quanto mais somos mais complicado é, simplesmente não funciona. Em 2000, os Estados-membros eram apenas 15. Em Nice, a cimeira foi um fracasso e o Tratado de Nice  foi um compromisso muito insatisfatório. Alguns anos mais tarde, 25 Estados-membros chegaram a acordo sobre um documento muito mais ambicioso. É claro que tudo se complicou com o “Não” francês e holandês no referendo [à Constituição]. Mas ainda assim, o Tratado de Lisboa  foi negociado por 27 Estados-membros e é muito mais ambicioso do que o Tratado de Nice. É claro que, se tivermos 30 Estados-membros, a probabilidade de haver exigências nacionais será superior a quando eram só seis. Existe o mito de uma UE antiga e pequena, onde as coisas eram fáceis. Se lermos, por exemplo, as memórias de Jean Monnet, veremos que ele relata muitos conflitos difíceis entre a França e a Alemanha. E aliás, o casal franco-alemão sempre se baseou no equilíbrio de poder, em muitas divergências, mas na capacidade e na vontade de as superar. Portanto, não se trata de quantos somos e de quão diferentes somos. É muito importante saber se, no final das contas, queremos ou não encontrar um compromisso. E, desse ponto de vista, não creio que uma União Europeia com 30, 35 Estados-membros ficaria necessariamente paralisada, enquanto com 27 tudo ficaria bem.

Mas será necessário fazer algumas reformas na UE em caso de alargamento para esta funcionar?
Ajustes, certamente. Reformas, talvez. Mas muitas vezes vivemos na ilusão de que grandes mudanças trarão grandes resultados. Nem sequer estamos a utilizar 100% do potencial dos atuais tratados... Para mim não é um tabu falar sobre mudanças nos tratados, mas o que observo é que há muitas coisas que podemos fazer dentro dos tratados atuais. E não estamos a fazê-las. Penso que é estranho pensar que não somos capazes de utilizar estas ferramentas nos atuais tratados, mas que conseguiremos uma grande mudança alterando um tratado, com 27 processos de ratificação. Não funciona assim. Vamos usar o mais extensivamente possível todas as ferramentas que já temos e então veremos. Penso que os tratados de adesão dos novos Estados-membros poderiam fornecer algumas novas disposições institucionais. Por exemplo, seria justo e razoável limitar ou cancelar o poder de veto de um novo Estado-membro nos próximos alargamentos, dizendo aos recém-chegados: juntaram-se à família, mas não podem bloquear as decisões por causa de questões bilaterais obscuras com os vossos vizinhos. Isto é algo que se pode resolver com o tratado de adesão. No passado, o alargamento e o aprofundamento da integração na UE avançaram sempre juntos. Precisamos encontrar um caminho equilibrado. Os novos alargamentos colocam novas questões e novas oportunidades para fazer alguns ajustamentos institucionais. Mas se a ideia é esperar por uma grande reforma das instituições, esperar pelo salto federal, para então podermos ampliar, essa é a melhor forma de não alargar.

Um dos processos mais delicados neste novo alargamento é o da Ucrânia, um país que está em guerra há quase dois anos e meio. Mas vários candidatos à adesão apresentam diferentes desafios. Como é que a UE deve lidar com estes desafios nos países que estão à sua porta?
Sejamos realistas: o próximo alargamento é possivelmente o mais difícil. Em 2004, muita gente pensou que era o mais difícil, mas agora podemos ter situações e problemas ainda mais complicados. Por vários motivos. Um deles é o nível de preparação, mas também a questão da situação política e do nível de consenso político nestes países. A questão geopolítica é, ao mesmo tempo, um argumento a favor do alargamento, mas também um desafio e um risco. Porque, para a UE, aceitar um novo Estado-membro que não é capaz de defender e que provavelmente será atacado, é uma grande questão. Como podemos levar a sério a ideia de nos tornarmos concidadãos europeus de pessoas que deixaremos por sua conta se forem novamente atacadas? Assim, a questão da garantia de segurança que a UE é capaz de fornecer é crucial. E está muito ligado a algumas decisões que a UE pode tomar, mas também a algumas que são externas à UE e dizem respeito principalmente à NATO. A questão é saber se a NATO continuará a ser relevante, porque existem alguns pontos de interrogação, dependendo do resultado de qualquer futura eleição americana. No passado, o que tornou o alargamento da UE mais fácil, por exemplo, para os países bálticos, foi o facto de ter sido precedido pelo alargamento da NATO. É fácil aceitar novos Estados-membros da UE que já beneficiam da garantia de segurança da NATO. Mas se tivermos novos Estados-membros, como a Ucrânia, que poderia aderir à UE sem aderir à NATO, ou a Moldávia, que oficialmente não pede a entrada na NATO, é um desafio. A menos que pensemos que uma mudança política aconteça em Moscovo, o que não é um cenário credível neste momento, infelizmente.

Muitos problemas, portanto…
Sim, muitos problemas novos. Mas, como sempre, podemos fazer uma longa lista de problemas e dizer: “OK, é muito complicado, então vamos desistir.” Mas esta renúncia tem um custo. Se o fizermos, limitar-nos-emos a dizer que somos fracos, que não somos credíveis, que a nossa ambição de nos tornarmos um ator geopolítico forte está totalmente fora do nosso alcance. Portanto, para mim, a capacidade da UE para lidar com o próximo alargamento - sem subestimar o quão difícil é e quanto demorará, pelo menos para alguns candidatos -, é um teste muito importante para a sua credibilidade. Como é que queremos ser levados a sério no Médio Oriente ou num diálogo com os EUA ou com a Rússia ou com a China, se não somos capazes de lidar com a questão entre a Sérvia e o Kosovo? É um enorme problema para a região dos Balcãs Ocidentais, mas olhando globalmente, se a UE, com todas as ferramentas de que dispõe em termos de presença económica, de influência, não for capaz de resolver estas questões, significa que não é relevante, não leva a sério a sua vontade de se tornar num ator geopolítico. Este é um aspeto que não é mencionado com muita frequência, mas este teste de credibilidade é uma das razões importantes para futuros alargamentos. Mas se fizermos isto de forma rápida e errada, o preço também será muito alto. Precisamos de encontrar o equilíbrio entre todas as razões que tornam fundamental alargar, e alargar o mais rapidamente possível, mas sem problemas importantes que, na próxima etapa, destruiriam a nossa união. Trata-se também de redefinir a forma como o alargamento é tratado, de o tornar mais progressivo, de garantir que, digamos, a sala de espera não seja demasiado fria e que os candidatos tenham algumas vitórias, que alguns benefícios cheguem progressivamente. Porque neste momento ser candidato é totalmente frustrante. Os Balcãs Ocidentais, durante 20 anos, estiveram estagnados. É claro que também têm uma enorme parte de responsabilidade, não se trata apenas da UE. Mas a UE não os estava a pressionar, porque no final das contas não estava mesmo disposta a alargar nos últimos anos. Isso é algo que temos de mudar. Caberá então aos candidatos cumprir e não podemos fazer o trabalho do lado deles, mas a UE deve criar um sistema em que os méritos sejam realmente atribuídos e as evoluções negativas sejam sancionadas. “Mais por mais, menos por menos.” Em teoria, já é o sistema agora, mas, na prática, nunca vi o “menos por menos”. E “mais por mais”, nem tanto. Se há países que estão a fazer esforços e estão bloqueados por uma disputa bilateral com o vizinho, a responsabilidade é do Estado-membro bloqueador, mas também é da responsabilidade dos outros 26 que não conseguem convencer ou obrigar um deles a parar. Penso que não cabe à UE, por exemplo, encontrar uma solução para as questões de identidade entre a Bulgária e a Macedónia. O que nós, como UE, deveríamos pedir à Bulgária e à Macedónia é: não tenham pressa, discutam as vossas questões, mas não façam disso uma questão da UE misturando-a com o processo de alargamento. E é evidente que a UE, até agora, não tem sido eficiente neste aspeto e, na minha opinião, não estava suficientemente disposta a fazê-lo. Porque estávamos numa atmosfera em que o alargamento não era uma prioridade. Muitos Estados-membros, muitos Governos e muitas opiniões públicas mostraram-se bastante céticos quanto a esta questão. A Albânia, por exemplo, está a sair-se melhor do que outros candidatos, mas agora está bloqueada devido a um caso muito estranho com a Grécia. Isso não deveria acontecer, porque é totalmente desmoralizante, está a descredibilizar a UE na região.

Estávamos a falar de países que tiveram os processos parados, especialmente os Balcãs Ocidentais, mas de repente com a Ucrânia as coisas estão a acelerar. Até que ponto isso é justo para os Balcãs Ocidentais? Sem falar da Turquia…
Bem, em primeiro lugar, a questão da justiça é sempre complicada nas Relações Internacionais e na política em geral. Mas não se trata apenas disso. Penso que existe claramente uma dinâmica do lado da Ucrânia e da Moldávia. E os países dos Balcãs Ocidentais, em vez de se queixarem da injustiça, fariam melhor em aproveitar. Podem mostrar comprometimento. Porque, mais uma vez, esta situação de estagnação, não é como se a Noruega estivesse a pedir a adesão e a UE estivesse a bloquear. As elites políticas dos Balcãs Ocidentais não estão a fazer o que deveriam. Todas as reformas que a UE pede, não é para a UE, é para os países, é para os seus cidadãos, para terem um Estado de Direito que funcione melhor, uma Função Pública funcional, uma economia de mercado próspera, etc. A ideia de que, se as portas da UE não estão abertas, então paramos de nos preparar porque não faz sentido, é uma distorção total da lógica. É por isso que não gosto que reclamem que a Ucrânia tem um atalho, não é justo. Agora, há outra coisa que considero totalmente compreensível e não creio que os países dos Balcãs Ocidentais tenham razão em queixar-se disso, é que não se pode ignorar o contexto. Pela primeira vez na história da integração europeia tivemos pedidos que poderiam ser diretamente assimilados a um pedido de ajuda. Tivemos uma candidatura de um país sob ataque, que joga a sua própria existência, o seu próprio futuro como nação. Portanto, estou orgulhoso da UE neste ponto, por a reação ter sido rápida e diferente de um país que não está sob uma ameaça existencial. Se alguém ignora isso ou não quer reconhecer isso, pergunto-me se a sua escala de valores é a que deveria ter. No passado tivemos pedidos de adesão de países que tinham fortes motivos políticos para querem entrar na UE - Portugal, Grécia, Espanha, todos os países da Europa Central e de Leste. Foi importante a UE ajudar estes países a consolidar as suas transições democráticas.

Mas é diferente da Ucrânia.
O momento não é o mesmo. Portanto, penso que o facto de a UE ter dado à Ucrânia e à Moldávia, e em menor medida à Geórgia, algum tratamento acelerado nas primeiras etapas do processo foi totalmente normal, legítimo e compreensível, dado o contexto. E penso que seria desmoralizante para a Ucrânia se a UE não o fizesse, porque estes primeiros passos, na verdade, não significam tanto assim. Ser candidato oficial, abrir ou ser autorizado a abrir negociações são passos políticos muito fáceis para a UE. Não custa nada para a UE. Basta olharmos para a Croácia ou a Turquia. Receberam o convite para iniciar as negociações no mesmo dia, se estou correto. A Croácia é um Estado-membro desde 2013, a Turquia está totalmente estagnada. Agora, penso que, mais uma vez, a situação da Turquia e a situação dos Balcãs Ocidentais não são totalmente comparáveis. É interessante porque mostra que ficar preso no processo nem sempre é a mesma história. Pode ficar-se preso por vários motivos. E penso que a grande diferença entre os Balcãs Ocidentais e a Turquia é que nunca tivemos um consenso completo na UE sobre a própria ideia de a Turquia se tornar um Estado-membro. 

Neste momento, a própria Turquia ainda terá interesse em aderir?
Quando falo da diferença entre agora e há 20 anos, tem a ver com a dinâmica da política europeia, mas também com a evolução da Turquia. É evidente que os Balcãs Ocidentais estão numa situação diferente porque a perspetiva europeia não é contestada. A situação turca para mim é uma questão totalmente separada. Mas é verdade que um dia precisaremos de esclarecimentos sobre isso também. Penso, portanto, que a nova Comissão Europeia e o novo comissário responsável pelo alargamento deveriam ter a coragem política de clarificar a situação da Turquia e de distinguir claramente os diferentes subgrupos dentro dos países candidatos. E, para isso, mais uma vez, penso que se tivermos um sistema de adesão mais envolvente, mais progressivo, podemos estabelecer alguns limiares iniciais a serem ultrapassados, para fazer a distinção entre países que estão realmente dispostos a avançar e os que não estão, quem está comprometido com valores básicos e quem não está. E, mesmo nos Balcãs Ocidentais, poderia clarificar-se um pouco a situação, porque há alguns Governos que estão genuinamente empenhados na ideia de aderir à UE, mas há Governos sobre os quais tenho sérias dúvidas da sua vontade. E a UE não deveria facilitar a vida a estas pessoas sendo ambígua.

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