"Esta etapa de Sánchez foi do pior que aconteceu em Espanha em muitos anos"

A presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, candidata do PP à reeleição em maio, falou ao DN do Vox, criticou as minorias que agem como maiorias e mostrou confiança no "projeto empolgante" de Feijóo. Em Lisboa, assinou um memorando de entendimento e elogiou Moedas.

Este é um ano de eleições em Espanha - municipais e autonómicas em maio e depois legislativas. As sondagens dão-lhe uma nova vitória na Comunidade de Madrid, mas de novo, provavelmente, dependente do apoio do Vox. Como é a sua relação com este partido?
O meu objetivo é não depender. Neste momento não dependo. Quero repetir um governo como o que tenho, em liberdade, onde governamos com os nossos compromissos para todos os cidadãos. Para todos. Porque quando baixas impostos, constróis escolas ou se abrem empresas é bom para todos e nunca contra ninguém. E é como temos feito política nestes anos. Eu governo apesar do Vox, eles na realidade chumbaram o orçamento deste ano. Por esse motivo e muitos outros não quero precisar deles para poder ter um projeto como o meu, que é liberal, e que recebe o apoio de cada vez mais cidadãos, porque acredito que é disso que se trata, de fazer política para todos.

Acredita que é possível uma maioria absoluta?
Gostaria de ter uma maioria que me desse a liberdade que tenho agora ou mais, claro.

Mas há muitos municípios e regiões onde o Partido Popular vai precisar da extrema-direita para governar. Como gerir isso?
O que temos que fazer, cada um com a sua responsabilidade, é trabalhar para tentar conseguir a mais ampla maioria. E logo, na hora de fazer coligações, se verá. Eu em Espanha vi coisas muito curiosas. Vi, por exemplo, o presidente do governo ter um projeto em que necessita dos votos dos independentistas que, de maneira ilegal, pretendem segregar Espanha, ou dos herdeiros políticos dos terroristas. As coligações, como se pode ver, às vezes são perversas.

Mas o facto de também o PP se aliar com o Vox não retira esse argumento de crítica aos socialistas. Vemos o caso de Castela e Leão, onde se anunciaram planos em matéria de aborto...
Pelo menos em Castela e Leão, a coligação ainda não expulsou empresários, não se perseguiram famílias, não se intimidou ninguém e não se tratou ninguém de primeira ou de segunda. Acho que não é tão grave o prejuízo em Castela e Leão como noutras comunidades autónomas onde se pactuou com os independentistas ou com os próximos da ETA. As consequências são desastrosas. Êxodo de cidadãos, de famílias.

Para si, o Vox não é um problema?
Para mim, problema é não ter um governo em liberdade que não possa cumprir os compromissos, porque os governos em coligação geralmente não são a melhor opção.

E não acha que a imagem do PP possa ter ficado mal com o caso em Castela e Leão?
Não, falar de imagem e de como ficou é tão subjetivo que não se pode saber. O importante é saber se algo mudou e não se modificou nada. Continua tudo como até agora. Foi tudo mediaticamente muito interessante, mas não mudou nada.

O líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, propôs ao PSOE que governasse a lista mais votada nas municipais, procurando evitar a necessidade d o apoio do Vox. Parece uma posição diferente da sua...
O que penso é que não podemos deixar que as minorias dirijam o país. A nível nacional, por exemplo, os herdeiros políticos da ETA decidiram sobre a reforma laboral, enquanto o principal partido da oposição, que tem muitos mais deputados não o pôde fazer. Penso que o que o PP quer é que a minoria da coligação não se comporte como maioria. Penso que os pactos, para os governos, quando são necessários, são um caminho a tomar. Mas que é melhor procurar a fórmula para que a maioria não se veja frustrada por uma minoria. Qualquer que ela seja.

"Não podemos deixar que as minorias dirijam o país. A nível nacional, por exemplo, os herdeiros políticos da ETA decidiram a reforma laboral, enquanto o principal partido da oposição não o pôde fazer."

No PP também houve críticas à proposta de Feijóo...
Críticas não sei. Penso que houve opiniões diferentes. Dar uma opinião diferente não é criticar.

Quando foi eleito líder, Feijóo surgia como sendo capaz de trazer unidade ao partido. Esta unidade ainda existe no PP?
Somos o único partido que atualmente está unido em Espanha. Que apresentou todos os seus candidatos autonómicos e às principais câmaras, que está a subir em todas as sondagens, em todas as regiões. Essa é a realidade.

E acha que as eleições municipais e autonómicas vão ser o trampolim para que ele chegue ao Palácio da Moncloa, nas legislativas?
Sem dúvida alguma e tendo em conta o nervosismo do governo, está ainda mais claro.

Mas há alguma meta, alguns objetivos de números que estão a colocar para estas eleições?
Não há um número determinado a não ser o de traduzir nas urnas a mudança de tendência que todos os cidadãos querem. A imensa maioria dos espanhóis quer outro governo e acho que a participação vai ser massiva, porque os eleitores vão com muita ilusão de traduzir esse desejo de mudança nas eleições municipais e autonómicas.

E se depois das legislativas o PP ficar abaixo do esperado e Feijóo não conseguir ser eleito. Considera avançar para a direção do PP?
Não considero esse cenário porque não vai acontecer. Para mim não pode ser mais claro que a mudança vai acontecer. Evidentemente não será oferecida. Temos que ser humildes e trabalhar muito até o conseguir e ter consciência de que temos que ir forjando essa alternativa, explicando aos cidadãos porque queremos que mude o governo, que vamos fazer no futuro e propor um projeto empolgante, de abertura, de união, que tanta falta nos faz. Esse é o cenário real.

Mesmo se for necessário o apoio do Vox para governar?
Bom, quando chegarmos a esse rio atravessaremos essa ponte. Mas, por agora, o que sei é que o projeto de Feijóo cresce a cada dia. E da mesma forma que se produziu uma mudança na Andaluzia e em Madrid, estou convencida que acontecerá o mesmo em Espanha.

A lei do "só sim é sim", o fim do crime de sedição ou a reforma laboral são leis que o PP planeia mudar se chegar ao governo. Sempre que há uma mudança entre esquerda e direita, procuram apagar o que o outro fez. Até quando?
Eu penso que para que isso não aconteça, a primeira coisa que é preciso fazer é não impor. Não podemos impor leis que são um autêntico desastre para obrigar o que vem a seguir a corrigi-las. Porque agora mesmo, com as leis do governo, o que conseguimos foi modificar o código penal à conveniência dos criminosos. Que pessoas que cometeram atentados graves contra a unidade de Espanha fiquem sem consequência ou que violadores e agressores sexuais tenham visto baixar as suas penas ou até que estejam já de novo nas ruas, com grave perigo de reincidência. Ou uma lei de memória democrática, pactuada com os herdeiros da ETA, para dizer que a transição espanhola foi um erro, quando foi o que melhor que demos aos espanhóis. Como não reverter essas leis se foram pactuadas por minorias através de emendas, com opacidade, aproveitando o período de Natal, sem contar com o consenso do principal partido da oposição? E, a partir daí, o que sim é preciso fazer no futuro é que as leis mais importantes sejam aprovadas por consenso, com debate, com transparência, com paciência. E no momento em que essas leis fiquem blindadas entre os grandes partidos, comprometermo-nos a não as modificar por conveniência.

Quando o PP estiver no poder vai querer esse diálogo com o PSOE?
Estamos obrigados a tentá-lo. Temos que obrigar-nos a unirmo-nos com aqueles que pensam diferente, mas também temos que desfazer muitos danos. Esta etapa no governo de Pedro Sánchez foi francamente do pior que aconteceu em Espanha em muitos anos. Em relação à dívida, ao empobrecimento dos cidadãos, ao descrédito, ao desânimo, aos incêndios florestais, ao fracasso escolar, ao desemprego jovem... Dizem todos os indicadores que fomos um dos países que pior saiu da pandemia. Esta etapa não podia ser pior para o nosso país.

Noutra entrevista ao DN, falava de uma "amálgama de interesses" no governo. Ainda é assim?
Absolutamente. No mês de dezembro, aproveitando o Natal, tomaram-se decisões gravíssimas. Por exemplo, criou-se um imposto, pela primeira vez na história, como se fosse uma emenda de outra lei que não tinha nada a ver, contra a economia de Madrid, sem um debate ou um relatório económico.

Só para Madrid?
Está escrito de uma forma que afeta, especialmente, a Comunidade de Madrid e a Andaluzia. Como isso, muitas coisas. E isso aconteceu porque os sócios pediram. No final, foi toda uma comercialização de interesses entre os sócios de Sánchez e o próprio Sánchez para estar no poder.

Que nota daria a Sánchez?
Não lhe daria uma nota numérica. Não é um presidente de todos os espanhóis. É um governo muito autoritário, que toma decisões importantíssimas à margem do Parlamento. É o governo que, na história da democracia de Espanha, mais decretos de lei aprovou sem passar pelos Parlamentos, que causou erosão em todas as instituições e que colocou os seus aliados em todas as instituições públicas e semipúblicas. E rompeu também a independência absoluta entre poderes e modificou as próprias leis à sua conveniência, como se ele fosse a lei. A lei está acima de todos.

Quem faz mais oposição a Sánchez: você ou Feijóo?
Acho que toda a gente, com as suas responsabilidades, quer mudar as coisas. Nós, na Comunidade de Madrid, queremos que haja um rumo diferente para que continuem a chegar investimentos, empresas, prosperidade a Espanha e, sobretudo, que não tenhamos um governo que não está obcecado em prejudicar-nos constantemente. E da parte do presidente do meu partido, ele tem um projeto distinto para Espanha. Quer que haja, por fim, serenidade e que haja políticas construtivas. Eu penso que está a fazer uma grande oposição, apesar das dificuldades de um governo que, como é tão autoritário, tenta que nem sequer a oposição faça oposição. É a sua obrigação. A obrigação da oposição é ser uma alternativa e ser um controlo. Tomos temos uma oposição. Eu não passo a vida a trabalhar contra a minha oposição. Nunca me verão atacar a minha oposição utilizando recursos públicos nem meios de comunicação. Nos Parlamentos obviamente discutimos, mas fora não utilizo o meu poder contra um presidente da câmara nem estou à margem do Parlamento para as decisões essenciais. Acostumamo-nos em Espanha, nos últimos anos, a coisas que não podem ser.

Tem falado dos aliados independentistas de Sánchez. Acha que ele resolveu o problema do independentismo na Catalunha ou só ganhou tempo?
Sánchez alimentou-o. O independentismo é um negócio, um negócio que pede sempre mais dinheiro e ameaça. E vai ganhando poder nas instituições públicas para viver disso. O que Sánchez fez foi precisamente o que não se pode fazer, que é dar-lhes mais dinheiro e mais autonomia frente a comunidades como Madrid, que é a que mais contribuiu para o conjunto do Estado e chega-nos menos investimento e menos autonomia.

Então acredita que a Catalunha será de novo um problema, se o PP chegar ao governo?
Será um problema enquanto Sánchez lhes continuar a dar razão, dinheiro e poder, em lugar de procurar que cumpram as sentenças judiciais, ou ajudar todos os espanhóis que, na Catalunha, são expulsos da administração, das escolas, e que estão à margem das autoridades, porque para as autoridades não existem. Hoje há muitos catalães que não são respeitados na sua terra e cujos direitos constitucionais estão a ser vulnerados.

Mas com o PP no poder acredita que pode haver um aumento dos protestos independentistas?
Os protestos estão sempre aí, sempre a pedir mais dinheiro. Dependendo de quem governa, ameaçam mais ou ameaçam menos, mas que o independentismo esteja mais tranquilo porque Sánchez lhe está dar mais dinheiro não é acabar com o problema. A meu ver, é uma indignidade para o conjunto de Espanha. Quanto dinheiro nos custa a todos alimentar um negócio em vez de trabalhar para criar emprego e prosperidade?

"Que o independentismo [catalão] esteja mais tranquilo porque Sánchez lhe está dar mais dinheiro não é acabar com o problema."

Veio a Lisboa assinar um memorando de entendimento com o presidente Carlos Moedas. Como funciona e como podem as cidades melhorar o intercâmbio?
Neste momento há muitos cidadãos a viver entre as duas cidades. É impressionante a quantidade de lisboetas que temos em Madrid e madrilenos aqui. Voltámos a falar, por exemplo, da construção do comboio de alta velocidade entre Madrid e Lisboa. Se uma pessoa quer ir de uma cidade à outra, porque tem que fazê-lo em dez horas e três comboios se o poderia fazer em dois? Como este pedido, queremos fazer muitas outras coisas. Partilhar, por exemplo, experiências de gestão. Dentro de poucos meses vão celebrar a Jornada Mundial da Juventude. Nós já a acolhemos há uns anos. Então muitas pessoas sabem como fazê-lo e aproveitar esse conhecimento é bom para que tudo funcione melhor. Outro exemplo. Estamos a criar espaços para startups novas em Madrid. Podemos deixar um espaço reservado para que jovens de aqui possam ir para lá e também e o contrário, trazer jovens aqui. Em resumo, que quando uma das duas cidades, ou a nossa região e a cidade de Lisboa, tenham algo bom para partilhar, o possamos fazer com mais facilidade.

Facilita o facto de serem ambos de partidos de direita?
Eu sou liberal e ele na parte económica também vê as coisas como eu. Pensamos que tem que haver burocracia e impostos, mas têm que ser justos. Porque cobrar impostos é fácil, o difícil é gerir. E quando os governos, a única coisa que fazem, é pôr mais impostos e mais entraves a um jovem que queira criar uma empresa, e tudo é burocracia, tramites e dificuldades... O único que fazes é que percam a vontade e decidam não fazer nada. E o presidente da Câmara, que é uma pessoa que tem projeção internacional, que esteve na Europa, que é muito vivo e muito inteligente e moderno nas abordagens, vê as coisas como eu. Que é preciso facilitar a vida aos cidadãos e não pode ser a administração que tem que dizer-lhes o que têm que comer, como têm que se transportar, como serem melhores cidadãos, todas as autorizações que tem que pedir. Autorizações, autorizações. Passamos a vida a pedir autorização ao outro para criar emprego, para arriscar o nosso dinheiro para que outras pessoas tenham as suas oportunidades. Não pode ser. Eu e ele partilhamos muitas coisas. Vemos a política de maneira parecida. E acho que ele está a fazer as coisas muito bem e está a ver-se de fora a imagem de Portugal, e de Lisboa, em concreto. Oxalá seja o mesmo para Madrid. Por isso é fácil entendermo-nos.

susana.f.salvador@dn.pt

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