"Era impossível ficar em silêncio", diz jornalista que protestou na TV russa

Marina Ovsyannikova manifestou-se contra a guerra na Ucrânia em direto na televisão estatal russa. Foi condenada ao pagamento de uma multa de 247 euros por ter cometido "uma infração administrativa".
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As imagens correram mundo. Marina Ovsyannikova protestou contra a guerra na Ucrânia em direto durante o noticiário de um canal de notícias russo. "Era impossível ficar em silêncio", disse à CNN Internacional. Acabou por ser detida, condenada ao pagamento de uma multa de 247 euros e, depois, libertada.

"Não, não tenho medo, mas, atualmente, sinto uma grande responsabilidade. A minha vida mudou irremediavelmente", disse em entrevista à jornalista Christiane Amanpour.

"Não à guerra. Ponham fim à guerra. Não acreditem na propaganda. Aqui, estão a mentir-vos. Russos contra a guerra", lia-se no cartaz que exibiu durante o noticiário do Channel 1.

Tratou-se de uma manifestação contra a ofensiva militar do presidente russo, Vladimir Putin, mas também, afirmou, uma forma de mostrar ao mundo que muitos russos estão contra a invasão da Ucrânia.

De acordo com a jornalista, muitos dos seus colegas de profissão sabem que existe uma diferença entre a realidade e aquilo que é transmitido pelos canais de televisão russos, e disse que até a mãe sofre com a "lavagem cerebral" da propaganda de Moscovo. Afirmou ainda que a "sociedade russa está dividida" em duas, uma que defende a guerra e outra que está contra a ofensiva militar. Referiu, no entanto, que os russos estão "assustados" com o que está a acontecer na Ucrânia.

"Tenho sentido, cada vez mais, uma desconexão cognitiva entre aquilo em que acreditamos e o que dizemos no ar", afirmou Ovsyannikova. "A guerra foi o ponto sem retorno, foi simplesmente impossível ficar em silêncio."

À estação de TV norte-americana, a jornalista, filha de pai ucraniano e mãe russa, conta que decidiu agir quando lhe vieram à memória os ataques aéreos na Chechénia, onde viveu quando era mais jovem.

Tinha previsto, inicialmente, ficar atrás das câmaras, mas queria garantir que as palavras de protesto escritas no cartaz fossem vistas. Teve "medo até ao último minuto", confessou.

Ganhou coragem e decidiu que era capaz de passar pelo segurança à porta do estúdio e ficar atrás da pivô. "Movimentei-me rapidamente, passei pela segurança e mostrei o meu cartaz", relatou a jornalista. Foram cerca de cinco segundos.

Nesta mesma entrevista, Ovsyannikova manifestou preocupação pelos soldados russos e acredita que os militares "realmente não entendem" a razão pela qual têm de combater na Ucrânia.

Na terça-feira, a jornalista russa foi julgada por "manifestação ilegal" por um tribunal de Moscovo, tendo sido condenada ao pagamento de uma multa de 247 euros por ter cometido "uma infração administrativa". Foi, depois, libertada.

O seu advogado, citado pela agência noticiosa francesa AFP, disse duvidar de que ela venha a ser julgada pela publicação de "informações falsas" sobre o exército russo, um crime punível com uma pena máxima de 15 anos de prisão.

"A minha vida mudou muito, isso é certo. Estou satisfeita por ter expressado o que pensava. Mais importante, existe agora uma nova tendência: outros jornalistas estão a seguir o meu exemplo", declarou Ovsyannikova no final da audiência.

Numa breve declaração à imprensa, afirmou ainda: "Foram dias muito difíceis da minha vida, passei quase dois dias sem dormir, o interrogatório durou 14 horas".

"Não tive direito a falar com a minha família, nem tive acesso a assistência jurídica e é por isso que estava numa situação muito difícil", explicou.

O Kremlin descreveu o protesto da jornalista como "hooliganismo", uma ofensa criminal na Rússia.

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