Os primeiros-ministros da Dinamarca e da Gronelândia voltaram a pedir desculpas às gronelandesas pela política de contraceção forçada seguida na ilha desde a década de 1960. Depois de o terem feito em Copenhaga no final de agosto, agora é a vez de o fazerem pessoalmente na capital do território autónomo, Nuuk, e de avançarem com compensações às autóctones vítimas de procedimentos médicos. "Hoje, há apenas uma coisa a dizer-vos: peço desculpa pela injustiça que vos foi feita porque eram gronelandesas. Peço desculpa pelo que vos foi retirado e pela dor que causou. Em nome da Dinamarca, peço desculpas", disse Mette Frederiksen.Um reconhecimento de práticas condenatórias do passado numa altura em que a população defende cada vez mais a independência e que os Estados Unidos de Donald Trump têm como objetivo apoderar-se do 12.º maior território do mundo. "Não podemos mudar o que aconteceu, mas podemos assumir a responsabilidade e criar as condições para a reconciliação com o passado", disse a primeira-ministra Mette Frederiksen na segunda-feira. O pedido de desculpas, disse, abrange igualmente a discriminação sistemática e outros maus-tratos aos gronelandeses por parte da Dinamarca só "porque eram gronelandeses". Ao renovado pedido de desculpas, a governante disse também que vai avançar com um fundo de reconciliação para compensar financeiramente as vítimas. No ano passado, 143 mulheres avançaram com um processo contra o Ministério da Saúde da Dinamarca. Alegaram que os direitos humanos foram violados e pediram uma indemnização de 43 milhões de coroas (5,7 milhões de euros). .O primeiro-ministro da Gronelândia, Jens-Frederik Nielsen, também pediu desculpas porque ainda se registaram casos já sob a autoridade de Nuuk. "Peço desculpa a todos vós que foram expostos e que viveram com as consequências de intervenções que não pediram nem controlaram", declarou.Uma investigação independente levada a cabo por universidades da Dinamarca e da Gronelândia concluiu que pelo menos 4070 mulheres e crianças foram alvo de uma política de controlo do crescimento da população até ao final dos anos 1970, o que correspondia a cerca de metade da população fértil. A prática, iniciada na década anterior, consistia na inserção de dispositivos intrauterinos (DIU) em mulheres e meninas a partir dos 12 anos, quase sempre sem informar e muito menos pedir autorização. O referido estudo abordou em pormenor os casos de 410 jovens e mulheres inuit. Destas, 349 tiveram complicações de saúde.Uma vítima recordou que foi chamada para o procedimento quando tinha 12 anos. "O diretor da escola apareceu e disse-nos que tínhamos de ir ao hospital", contou aos investigadores. "Não nos foi dada qualquer explicação, muito menos informações sobre do que se tratava." Outra, Katrine Petersen, disse que depois de ter engravidado aos 13 anos, os médicos interromperam a gravidez e inseriram um DIU. "Devido à minha idade, não sabia o que fazer. Mantive-o dentro de mim e nunca falei sobre o assunto", disse à Associated Press. Petersen relaciona esse trauma com a raiva, depressão e abuso de álcool. Só 30 anos depois foi capaz de falar sobre o assunto. "Claro que penso em todas as mulheres que foram tratadas como eu. Sinto-me solidária neste episódio das nossas vidas", considerou.O tratamento reservado aos inuit pelos dinamarqueses no passado tem outra frente de escândalo. Em 2020, Frederiksen pedira desculpa pelo chamado Projeto Crianças da Gronelândia, uma experiência social realizada em 1951 em que mais de duas dezenas de crianças gronelandesas foram retiradas das respetivas famílias e levadas para a Dinamarca para terem uma "vida melhor". As crianças acabaram por regressar para Nuuk, mas para um orfanato e vários não voltaram a ver a família.Ao pedir desculpa, a primeira-ministra social-democrata rompeu com uma tradição governamental de não reconhecer qualquer erro quanto à política em relação à Gronelândia. "É a pressão externa, especialmente dos Estados Unidos, que está a obrigar a Dinamarca a aumentar os seus esforços" para melhorar as relações com os autóctones, comentou à AFP Aaja Chemnitz, deputada que representa a Gronelândia no parlamento de Copenhaga. "Sou deputada há 10 anos e nunca vi tanto empenho como agora." .O que faz da Gronelândia um objeto de desejo de presidentes dos EUA? .Dinamarca acusa EUA de operações de interferência política na Gronelândia