"Dissuasão por negação". NATO prepara reforço permanente no leste europeu

Invasão russa da Ucrânia obriga à criação de uma base da Aliança Atlântica no flanco oriental, diz o seu secretário-geral. NATO poderá acolher Finlândia e Suécia de forma expedita. Kiev aguarda pela ofensiva no Donbass e Zelensky diz que Mariupol é o "coração da guerra".
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A invasão da Ucrânia tornou obsoleto o atual conceito estratégico da Organização do Tratado do Atlântico Norte, reconheceu o seu secretário-geral, Jens Stoltenberg. Em entrevista ao Sunday Telegraph, o dirigente norueguês revelou que os comandantes militares estão a planificar como transformar a presença aliada no flanco leste de forma a evitar a invasão de um exército.

Ao 46.º dia da "operação militar especial" russa, Moscovo continua a atingir de forma indiferenciada alvos estratégicos, como o aeroporto de Dnipro, e zonas residenciais, como aconteceu em Mykolaiv ou em Sievierodonetsk, na região de Lugansk, quando o comando militar ucraniano diz que a Rússia tem vindo a reforçar as suas forças e a tentar penetrar nas defesas ucranianas perto de Izium, a sudeste de Kharkiv, onde imagens de satélite mostram centenas de veículos militares russos a avançar.

O secretário-geral da NATO disse que a Aliança Atlântica está a elaborar planos para estabelecer uma força permanente na Europa de leste capaz de repelir hipotéticas agressões. Stoltenberg descreveu a presença da aliança nas suas fronteiras orientais como uma força relativamente pequena e destinada a simbolizar o compromisso de se defender de qualquer ataque russo, mas tudo mudou.

"Independentemente de quando e como a guerra na Ucrânia terminar, o conflito já provocou consequências a longo prazo para a nossa segurança. A NATO precisa de se adaptar à nova realidade. E é exatamente isso que estamos a fazer", disse Stoltenberg. "A NATO é a aliança mais bem-sucedida da história, por duas razões. Uma, fomos capazes de unir a Europa e a América do Norte. A outra é que temos sido capazes de mudar quando o mundo está a mudar. Agora o mundo está a mudar, e a NATO está a mudar." No flanco oriental, passará de "dissuasão baseada no alerta precoce para algo mais semelhante à dissuasão por negação", disse o secretário-geral, referindo-se a uma força capaz de repelir um ataque de imediato.

Stoltenberg mostrou-se compreensivo perante os apelos de Kiev para que os aliados ocidentais deixem de fazer a distinção entre armas defensivas e ofensivas, como é o caso da Alemanha. "A Ucrânia está agora a defender-se contra uma invasão. Portanto, tudo o que a Ucrânia faz é defensivo", considera.

Na entrevista, o secretário-geral disse que, face à invasão russa, a NATO já aplicou "muitas medidas imediatas" e irá tomar outras até ao final de junho, quando irá decorrer a cimeira de Madrid e os aliados irão acordar o novo conceito estratégico.

A invasão russa e o discurso irredentista do Kremlin não deixaram apenas os aliados preocupados e, por fim, prontos a tomar medidas. Na Finlândia, país que partilha uma fronteira de 1300 quilómetros com a Rússia, e acordou com os soviéticos a neutralidade depois destes terem invadido o país durante a II Guerra Mundial (e tomado partes do território), o ambiente mudou desde 24 de fevereiro. A entrada na NATO é agora uma hipótese bastante forte. "Vamos ter discussões muito ponderadas mas não vamos levar mais tempo do que o necessário", disse a primeira-ministra Sanna Marin na sexta-feira.

Ou seja, a Finlândia poderá tornar-se no trigésimo primeiro país membro da Aliança Atlântica, tendo em conta que o apoio dos cidadãos à adesão duplicou, ao passar de 30% para 60%. Durante esta semana o governo social-democrata vai entregar ao parlamento uma revisão da segurança nacional para os deputados debaterem e aprovarem. Entre os 200 representantes contam-se seis abertamente contra a adesão à NATO. Na semana passada, o governo finlandês aprovou um aumento de 40% nas despesas com a defesa até 2026, num país que, devido à neutralidade, manteve sempre uma política de segurança alicerçada em grande mobilização de tropas e reservas e grande capacidade de artilharia.

Não é de crer que Helsínquia avance para a NATO sem a articulação de Estocolmo, também neutral e igualmente parceiro da aliança militar. Stoltenberg afirmou na semana passada que ambos os países, se oficializarem a candidatura, terão um processo de adesão "bastante rápido". No entanto, e tendo em conta o que aconteceu à Geórgia e à Ucrânia enquanto países com a mesma pretensão, bem como comentários ameaçadores de Moscovo sobre esta possibilidade, Stoltenberg foi menos claro, ao dizer que haverá "formas de dar resposta" à garantia de segurança.

No terreno ucraniano, "o exército russo continua a fazer guerra aos civis devido à falta de vitórias na frente", disse Oleg Sinegubov, governador de Kharkiv, onde pelo menos 10 pessoas foram vítimas de bombardeamentos. O Estado-maior do exército ucraniano disse que a Rússia está a preparar uma operação ofensiva com o objetivo de romper as linhas de defesa do Donbass. O Pentágono, por sua vez, especifica que a grande ofensiva deve ser entre Izium e Dnipro, cujo aeroporto foi atacado duas vezes no domingo.

Em entrevista à Associated Press, o presidente Volodymyr Zelensky reconheceu que as armas e o equipamento militar entregue pelo Ocidente é insuficiente para fazer face aos ataques esperados no leste e no sul do país: "Claro que não chega." O chefe de estado ucraniano disse que a defesa de Mariupol é o "coração da guerra" e que se a cidade portuária for perdida, o país ficará "numa posição mais fraca".

Já em declarações junto do chanceler austríaco Karl Nehammer, Zelensky disse que o país "está pronto para combater e em paralelo tentar acabar com a guerra mediante a diplomacia". O Papa Francisco apelou para uma trégua pascal e alcançar-se a paz "através de uma negociação verdadeira".

Enquanto os chefes da diplomacia europeia discutem uma nova ronda de sanções à Rússia, Nehammer encontra-se hoje com o presidente russo em Moscovo. Um dia depois Putin receberá o bielorrusso Lukashenko em Vostochny, no extremo leste, onde está em construção um cosmódromo.

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