Ainda antes de entrar para o Conselho Europeu sobre a ajuda à Ucrânia para 2026 e 2017 Donald Tusk deixou o primeiro alerta: “A escolha é simples: dinheiro hoje ou sangue amanhã. E não estou só a falar da Ucrânia, estou a falar da Europa”. Horas mais tarde, o primeiro-ministro polaco voltaria a falar com os jornalistas do seu país para deixar um segundo alerta: “A independência da Polónia ficaria ameaçada se, em consequência de más decisões ou da falta de ação da Europa, a Ucrânia fosse forçada a render-se.” As palavras do líder polaco refletiam as dificuldades dos 27 para chegarem a um entendimento sobre os 90 mil milhões de euros de assistência financeira e militar a Kiev para os próximos dois anos. Em cima da mesa estão duas opções principais. A primeira é uma proposta para canalizar os ativos imobilizados do Banco Central Russo para um empréstimo de reparação sem juros à Ucrânia, que o país só teria de reembolsar depois de Moscovo pagar reparações pelos danos causados pela invasão. A segunda é um empréstimo comum nos mercados financeiros, tal como a Comissão fez em nome de todos os Estados-membros durante a pandemia.Ora a primeira conta com a oposição da Bélgica, principal guardiã dos ativos russos. O primeiro-ministro belga, Bart De Wever, disse ontem estar aberto a “compromissos”, mas insistiu que não poderia haver “flexibilidade” em relação à estabilidade financeira do seu país. A segunda hipótese, que exige a unanimidade dos 27, já foi rejeitada pela Hungria. A cimeira de Bruxelas, que está prevista terminar hoje, surge num momento crucial da guerra na Ucrânia e quando a Rússia intentou uma ação judicial num tribunal de Moscovo contra a Euroclear, a organização sediada na Bélgica e que detém a maior parte dos 210 mil milhões de euros em ativos russos na UE, numa tentativa de recuperar o seu dinheiro. Também à chegada ao Conselho Europeu, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, sublinhou que Kiev precisa do dinheiro, seja para apoiar as suas forças armadas, se a guerra que dura há quase quatro anos se prolongar, seja para financiar a reconstrução. Zelensky afirmou ainda que Kiev enfrentará definitivamente um défice de 45 a 50 mil milhões de euros no próximo ano.O impasse em Bruxelas era tal que António Costa, o presidente do Conselho Europeu, decidiu mudar a ordem dos trabalhos, deixando a Ucrânia para o fim. Portanto, primeiro os 27 discutiram o futuro alargamento da União e orçamento plurianual para 2028-2034, antes de fazerem um intervalo, a meio da tarde. Os trabalhos retomaram depois com a situação no Médio Oriente em cima da mesa, ficando o apoio a Kiev para último.E se dúvidas houvesse sobre as dificuldades para chegar a um entendimento, basta olhar para o post de do primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, no X. “Estamos a entrar na reta final: decidir sobre um empréstimo militar para a Ucrânia”, escreveu, acompanhado por fotos da reunião. E continuou: “Conhecem a minha opinião, por isso cruzem os dedos para que eu não seja defenestrado por manter uma posição soberana e diferente. Fico afirmou repetidamente que se opõe a qualquer nova ajuda militar à Ucrânia, apesar de ser mais favorável à ajuda à reconstrução e à adesão de Kiev à UE..“Devemos ter medo que a Europa se torne fraca”Com os EUA a pressionarem para que Kiev e Moscovo cheguem a um acordo - estão previstas mais negociações em Miami entre ucranianos e americanos durante o fim de semana - Zelensky aproveitou ainda a presença em Bruxelas para lembrar aos líderes europeus que será o povo da Ucrânia a pagar com o seu sacrifício se os 27 não chegarem a acordo sobre o apoio financeiro a Kiev em 2026 e 2027. “Sei que a Rússia está a ameaçar diferentes países por causa desta decisão. Mas não devemos ter medo dessas ameaças - devemos ter medo que a Europa se torne fraca”, afirmou o chefe do Estado ucraniano.Para Zelensky, não há dúvidas: “Se nenhuma decisão for tomada agora, os russos - e não só eles - sentirão que a Europa pode ser derrotada. A derrota não é, definitivamente, o que os europeus precisam. Eles precisam que a Europa não recue perante os agressores. Nenhuma recompensa para o agressor - este é o princípio básico da paz que deve ser reafirmado.”Na conferência de imprensa que deu à margem do Conselho Europeu, o presidente ucraniano também abordou as negociações de paz em curso. No início da semana, os líderes europeus delinearam seis garantias de segurança que estão dispostos a fornecer, com o apoio dos EUA, como parte de um acordo de paz. Uma delas é uma força multinacional estacionada em pontos estratégicos em solo ucraniano, algo que Moscovo tem repetidamente descartado. Nesta matéria, “não acreditamos que a Europa deva substituir os EUA”, disse Zelensky aos jornalistas. Mas admitiu que “independentemente dos sinais que a Rússia transmite, entendemos que eles querem excluir a presença dos europeus. Isso não pode acontecer.” Quanto à adesão à NATO, o presidente ucraniano lembrou que está inscrita na Constituição do país e garantiu que não tenciona alterar por exigência da Rússia. “Temos na Constituição a adesão à NATO e queremo-la, essas são verdadeiras garantias de segurança”, afirmou. “A política dos EUA é que não nos vê na NATO, por agora. Mas tudo na política é por agora, a política muda e podem chegar à conclusão que a Ucrânia reforça a NATO”, prosseguiu Zelensky, acrescentando: “Só os membros da NATO podem dizer quem querem lá”. E concluiu: “A nossa posição mantém-se e o nosso desejo de entrar na NATO também”.Gás lacrimogéneo vs canhões de batatas em Bruxelas.Enquanto no interior os líderes dos 27 prosseguiam as conversações, no exterior crescia o protesto dos agricultores contra a assinatura de um acordo com o Mercosul, prevista para este sábado, dia 20, que estes consideram ser-lhes prejudicial. Na Place du Luxembourg, mais de mil tratores foram-se amontoando e o protesto ficando cada vez mais violento. A polícia recorreu a gás lacrimogéneo e canhões de água para dispersar os milhares de agricultores que se juntaram no centro de Bruxelas, enquanto estes bloqueavam estradas e incendiavam pneus. Os manifestantes recorreram ao que o The Guardian descreveu como um “canhão de batatas manual”, atirando os tubérculos e ovos às forças de segurança. “O que pedimos é poder viver do nosso trabalho, e somos contra o Mercosul porque, se importarmos carne e produtos do estrangeiro, onde não respeitam as mesmas regras, isso não é normal”, disse um agricultor à Euronews. E acrescentou: “Temos muitas regras a respeitar e eles não as estão a respeitar, mas mesmo assim a UE está disposta a importar mais.”O acordo, que eliminaria as tarifas sobre quase todos os produtos comercializados entre a UE e países do Mercosul - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai- ao longo de 15 anos, enfrenta uma resistência crescente. Os seus defensores garantem que o acordo, que tem este acordo, que começou a ser negociado há mais de um quarto de século, oferece uma alternativa aos controlos de exportação de Pequim e às políticas tarifárias de Washington. Os críticos alertam que enfraqueceria as regulamentações ambientais e prejudicaria o setor agrícola da UE.À entrada para o Conselho Europeu, Ursula von der Leyen reafirmou ser “de enorme importância alcançar a ‘luz verde’” dos 27 para concluir o acordo do Mercosul. Para a presidente da Comissão Europeia, só assim vai ser possível acabar com as “dependências problemáticas” à competitividade. Mas também à chegada a Bruxelas, o presidente francês, Emmanuel Macron, insistiu que o acordo “não pode ser assinado”. “Quero dizer aos nossos agricultores que manifestam a clareza da posição da França desde o início: em relação ao Mercosul, consideramos que não está tudo certo e que este acordo não pode ser assinado”, afirmou o chefe de Estado francês.À antiga resistência francesa juntou-se agora também Itália. Mas depois de na quarta-feira ter dito ser “prematuro” assinar o acordo, ontem a primeira-ministra Giorgia Meloni disse que afinal o seu governo está pronto para assinar, não avançando contudo, uma data. A mudança de opinião surgiu depois de Meloni ter recebido uma chamada telefónica do presidente brasileiro, Lula da Silva na qual a líder italiana negou opor-se ao acordo mas reafirmou serem necessárias mais garantias e só depois o documento poderá ser ratificado.Uma das dúvidas ontem era se neste cenário de impasse von der Leyen, que devia deslocar-se ao Brasil no sábado para assinar o acordo iria ou não viajar. Uma vez ratificado, este abrangeria um mercado de 780 milhões de pessoas e países que valem juntos um quarto do PIB global..P&R. Negociação entre UE e Mercosul começou há 26 anos e espera-se que esteja perto do fim