Os pais chamaram-no de Richard Bruce, mas o mundo inteiro conheceu-o como Dick Cheney, o político que se moveu nos círculos do poder em Washington durante décadas e teve como auge a vice-presidência de George W. Bush. Morreu na segunda-feira, 3 de novembro, aos 84 anos, anunciou esta terça-feira, 4, a família.Segundo o comunicado, a morte deveu-se a complicações de uma pneumonia e de doenças cardíacas e vasculares."Dick Cheney foi um homem grande e bom que ensinou aos seus filhos e netos a amar o nosso país e a viver vidas de coragem, honra, amor, bondade e pesca com mosca. Estamos imensamente gratos por tudo o que Dick Cheney fez pelo nosso país. E somos imensamente abençoados por termos amado e sido amados por este homem, nobre gigante."Aos elogios fúnebres, comuns entre os familiares e próximos, contrapõe-se um currículo com uma ação política contestada, em especial aos excessos da resposta aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001: meios de vigilância intrusivos, métodos de detenção e interrogatório em contravenção aos direitos mais básicos, como seja a prisão em Guantánamo ou a técnica de afogamento simulada (waterboarding); e a invasão do Iraque sob o falso pretexto de ter armas de destruição maciça.A sua vida pode ser associada às guerras: nasceu em Lincoln, a capital do Nebraska, em 1941, no ano em que os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra. Apoiante da guerra do Vietname, recebeu sucessivos adiamentos para a conscrição militar, abrindo caminho para a sua entrada na política. Enquanto secretário da Defesa de George Bush, liderou a resposta à invasão do Koweit pelo Iraque, na Guerra do Golfo, em 1990; e, como vice-presidente, o já referido papel de advogado da invasão do Iraque, em 2003, tendo chegado a afirmar que as tropas norte-americanas seriam recebidas como “libertadoras”.Filho de um funcionário do Departamento da Agricultura, aos 13 anos mudou-se com os pais e os dois irmãos para Casper, no Wyoming. Nessa pequena e conservadora cidade, Cheney destacou-se no secundário como capitão da equipa de futebol americano da escola. Foi também aí que conheceu a mulher da sua vida, Lynne Vincent, com quem se casaria em 1964. Os anos seguintes não foram fáceis. Com más notas, desistiu da universidade de Yale. Trabalhou na instalação de cabos elétricos para uma empresa de energia, altura em que por duas vezes foi apanhado a conduzir alcoolizado. Mas acabaria por assentar ao regressar a Wyoming, onde se formou com um mestrado em Ciência Política. Um estágio no Capitólio daquele estado abriu portas a outro, desta vez no gabinete do governador.Em 1968, muda-se para Washington, para trabalhar no gabinete do único representante do Wyoming, republicano como ele. Na capital, o jovem Cheney progride de forma rápida. Donald Rumsfeld, então representante, convida-o para trabalhar consigo em 1969, quando foi nomeado por Richard Nixon para chefiar o Gabinete das Oportunidades Económicas. A longa relação entre ambos vai continuar, e terá capítulo final na presidência de W. Bush, com Cheney na vice-presidência e Rumsfeld na chefia da Defesa, mas nos anos 70 era Cheney, mais jovem, no papel de número dois. Foi assim que, em 1975, o vice-chefe de gabinete da Casa Branca ascende a chefe depois de Rumsfeld ser nomeado secretário da Defesa de Gerald Ford.Com 34 anos, Dick Cheney ficou para a história como o mais jovem chefe de gabinete da presidência dos EUA. Nos anos pós-Watergate e guerra do Vietname, o Congresso limitou e escrutinou mais os poderes presidenciais, algo com que Cheney nunca concordou. Em 1978, concorreu pela primeira vez à Câmara dos Representantes numa campanha marcada pelo seu primeiro ataque cardíaco: foi eleito tantas vezes quantos ataques sobreviveu, cinco.Em 1989 torna-se secretário da Defesa de George Bush (e seu conselheiro), orquestrando intervenções no Panamá, Haiti, Somália, além da Guerra do Golfo. Com o fim da Guerra Fria, deu ordens para cortar a fundo nas forças armadas. Mas quando regressou a Washington para assumir o cargo de vice-presidente, em 2001, então com 59 anos, iria defender um papel intervencionista dos EUA e expansionista das forças militares e de segurança, uma das suas imagens de marca.A outra foi tornar a vice-presidência tão ou mais poderosa do que a presidência. George W. Bush, sem experiência política na capital, havia pedido conselho a Cheney para este encontrar um candidato para número dois, e acabou por selecioná-lo. Ainda antes de ter tomado posse já tinha mostrado que era ele quem, de facto, tinha a iniciativa, ao chefiar a equipa de transição presidencial antes de o resultado final ser conhecido – as eleições de 2000 ficaram dependentes de recontagens e de ações nos tribunais. Durante o primeiro mandato, redefiniu o âmbito de ação da vice-presidência ao ponto de ser comparado a Maquiavel e a Darth Vader. A sua estrela caiu com o atoleiro em que se transformou o Iraque para as forças estrangeiras. Mas Cheney nunca admitiu os seus erros de análise ou os excessos da “luta contra o terror”, nem sequer no seu livro de memórias.Cheney, que também ficou famoso por ter acertado num amigo durante uma caçada durante a vice-presidência – e sobretudo por demorar dias a admitir o que aconteceu –, manteve-se combativo politicamente durante a presidência de Barack Obama. Em 2024, classificou Donald Trump como a “maior ameaça à república” e, para choque de muitos, declarou que iria votar na democrata Kamala Harris. Um apoio explicável à luz da ostracização a que foi votada a sua filha Liz, uma republicana da ala dura como o pai que, ao contrário da maioria dos colegas de partido, votou ao lado dos democratas para a destituição de Trump..Morreu Dick Cheney, antigo vice-presidente dos EUA