Diálogo para um cessar-fogo falha e russos estão às portas de Kiev

Chefes da diplomacia da Rússia e Ucrânia saem da Turquia sem resultados. Condenação global ao ataque ao hospital pediátrico de Mariupol, com Moscovo a alegar que tudo foi uma encenação. Bruxelas trava a ideia de que os ucranianos poderão aderir rapidamente à UE.
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Os chefes da diplomacia russo, Sergei Lavrov, e ucraniano, Dmytro Kuleba, estiveram ontem reunidos em Antália, na Turquia, num encontro descrito por ambas as partes como "difícil" e que não trouxe avanços no que diz respeito a um cessar-fogo. Duas semanas após o início da invasão, as forças russas estão às portas de Kiev. De acordo com o autarca local, Vitali Klitschko, metade da população já terá deixado a capital onde "cada rua, cada edifício e cada posto de controlo foi fortificado".

Num dia de condenação global pelo bombardeamento do hospital pediátrico e maternidade de Mariupol, que na véspera causou três mortos (entre eles uma criança) e 17 feridos, Moscovo denunciou o ataque como uma encenação da Ucrânia. "A aviação russa não realizou absolutamente nenhuma missão contra alvos na região de Mariupol", indicou o porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov. Nas redes sociais a própria embaixada russa no Reino Unido alegou que pelo menos uma das grávidas feridas seria uma atriz (é uma bloguer que tem partilhado a sua gravidez com os seguidores).

Mais cedo, Lavrov tinha justificado o bombardeamento, alegando que o edifício servia de base a um grupo extremista e que todos os doentes e funcionários já tinham saído. "Esta maternidade foi tomada há muito tempo pelo grupo Azov e outros radicais", disse o ministro russo, acusando o Ocidente de "russofobia". Segundo as Nações Unidas, esta é a terceira maternidade atacada pela Rússia, depois das de Zhytomyr e de Kharkiv. "Como sempre, eles mentem com confiança", tinha dito o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Em conferência de imprensa após a reunião com Kuleba, Lavrov disse aos jornalistas que o presidente russo, Vladimir Putin, "não rejeita" um encontro com Zelensky. Contudo, não vê o interesse de "reunir só por reunir". Segundo o ministro russo, cabe aos negociadores que se têm encontrado na Bielorrússia - já houve três reuniões - preparar o terreno. "O lado ucraniano tem as nossas propostas muito concretas e prometeu que teríamos respostas muito concretas. Estamos à espera", afirmou Lavrov, que também alegou que a Rússia não atacou a Ucrânia mas respondeu "a ameaças diretas" contra a sua segurança.

As exigências de Moscovo têm passado pelo reconhecimento da soberania russa sobre a Crimeia, assim como a independência das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk. Além disso, a Rússia quer garantias da neutralidade da Ucrânia, o que passa pela sua não entrada na NATO. Este último aspeto "é uma coisa que estamos dispostos a discutir", disse Kuleba aos jornalistas, desde que haja "um sistema de garantias" semelhante que conte com o apoio dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluindo a Rússia, e os países vizinhos. Mas deixou claro que "a Ucrânia não se rendeu, não se rende, nem se renderá".

Kuleba disse que insistiu num cessar-fogo de 24 horas e em procurar uma solução para permitir a retirada dos civis de Mariupol. "Infelizmente, Lavrov veio para falar, não para decidir. Espero que ele passe o pedido da Ucrânia a Moscovo", escreveu Kuleba no Twitter. Na conferência de imprensa tinha descrito as conversações como "não fáceis, mas civilizadas".

A Turquia, anfitriã do encontro de mais alto nível entre Rússia e Ucrânia desde o início da invasão, mostrou-se confiante de que haverá em breve uma cimeira entre os presidentes. "Ninguém esperava um "milagre" com esta primeira reunião", disse o chefe da diplomacia turco, Mevlut Çavusoglu. "Precisávamos de um começo e se continuarmos neste caminho, juntos podemos alcançar um resultado".

No terreno, a situação em Mariupol continua grave, com a Cruz Vermelha na cidade portuária a dizer que não há água nem comida, nem mesmo para as crianças. Segundo o autarca local, pelo menos 1207 corpos foram recolhidos nas ruas nos últimos dias e já foi usada pelo menos uma vala comum porque não é possível retirar os cadáveres da cidade. De acordo com o governo ucraniano, mais de 80 mil pessoas foram retiradas das zonas em redor de Kiev e Sumy nos últimos dois dias. A capital está sob pressão dos russos a partir do noroeste e nordeste, podendo a qualquer momento ficar cercada.

Os líderes europeus, reunidos no Palácio de Versalhes, deixaram claro que não existe uma forma de a Ucrânia aderir rapidamente à União Europeia - o pedido de uma adesão "acelerada" foi feito por Kiev já depois da invasão russa. O primeiro-ministro português, António Costa, considerou que a adesão não é a resposta adequada para "o que a Ucrânia hoje precisa", pois é um processo moroso e imprevisível, e impõe-se agora é uma "resposta urgente e efetiva".

O mesmo tinha defendido o chefe de governo neerlandês, Mark Rutte. "Quero focar-me no que podemos fazer por Zelensky esta noite, amanhã, e a entrada da Ucrânia na UE é algo a pensar no longo termo, se acontecer", afirmou. A Eslováquia, vizinha da Ucrânia, tinha previsto propor na cimeira informal de Versalhes um roteiro para que este país possa aderir ao bloco comunitário em cinco anos.

Na Turquia, o chefe da diplomacia russo avisou os países que estão a fornecer armas à Ucrânia que serão responsabilizados pelas suas ações, que considerou perigosas. "Os colegas estrangeiros, incluindo a UE, agem perigosamente entregando armas mortíferas à Ucrânia", disse Lavrov, falando num "perigo colossal" incluindo para eles próprios. O chefe da diplomacia ficou contudo aquém de ameaçar com retaliações diretas.

Em Moscovo, Putin avisou que as sanções ocidentais contra a Rússia vão desestabilizar o mercado de energia e alimentar, alegando que o seu país encontrará uma forma de se "adaptar" e sairá mais forte da crise. "No final do dia, tudo isto irá levar ao aumento da nossa independência, autonomia e soberania", disse o presidente russo.

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