Donald Trump
Donald TrumpEPA / AL DRAGO / POOL

Democratas temem ingerência de Trump nas próximas eleições

O campo do Partido Democrata está cada vez mais preocupado com as declarações do presidente norte-americano sobre as eleições e há quem tema que estas venham a ser controladas ou canceladas.
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Depois de os republicanos do Texas terem mexido nos círculos eleitorais para sua previsível vantagem de forma a poder eleger mais cinco representantes em Washington nas eleições intercalares do próximo ano, o presidente norte-americano tem vindo a alimentar a ideia de que vai intervir no processo eleitoral. Os democratas estão assustados.

Dois governadores democratas — e com pretensões a concorrer em 2028 — saíram recentemente a terreiro para expressar a sua apreensão. Para o governador de Illinois, enviar tropas para cidades como Chicago faz parte do plano de minar a democracia. "Ele gostaria de impedir as eleições em 2026 ou, francamente, assumir o controlo dessas eleições», disse J.B. Pritzker à CBS. "Irá simplesmente alegar algum problema com a eleição e, então, terá tropas no terreno que poderão assumir o controlo", disse o governador, traçando um paralelo com Hitler. "Posso dizer que o plano é o mesmo. É impedir a comunicação social. É criar o caos que requer a intervenção militar. Essas são coisas que acontecem ao longo da história, e Donald Trump está apenas a seguir a cartilha."

Já o californiano Gavin Newsom atirou em vários sentidos. Num evento organizado pelo Politico, repetiu a mensagem de que os cidadãos têm de acordar para a realidade. Disse que "o estado de direito está a ser substituído pelo estado do Don" ao referir-se à instrumentalização de agências federais como as responsáveis pelas fronteiras e imigração, e previu que estes agentes venham a ser enviados para as assembleias de voto em futuras eleições. Disse que os norte-americanos estão a ser ingénuos quanto à questão de Trump poder vir a tentar um terceiro mandato e contou que, quando esteve na Sala Oval, o presidente apontou para o retrato de Franklin Roosevelt, o único presidente eleito quatro vezes. A 22.ª emenda, aprovada após a sua morte, impede outros de quebrar o que era apenas uma tradição e passou a ser letra de lei, ao limitar a presidência a dois mandatos. Ao pintar um quadro negro, Newson questionou inclusive se haveria eleições. "Acho que Donald Trump não quer outra eleição", afirmou.

Desacreditar o sistema

A relação de Donald Trump com a democracia é complexa. Ao longo de anos elogiou autocratas e ditadores e não poupou líderes democráticos de países aliados. Logo na primeira vez que se apresentou a votos, nas primárias republicanas de 2016, ao perder no Iowa e no Colorado acusou Ted Cruz de fraude. Uma vez escolhido candidato republicano fez uma campanha de descrédito do sistema eleitoral e afirmou que só aceitaria o resultado se fosse o vencedor. Assim foi, mas não digeriu o facto de Hillary Clinton ter recebido mais votos, tendo inclusive criado uma comissão para investigar as suas alegações de fraude. Sem surpresa, nada foi encontrado que corroborasse o seu discurso. Tal como em assembleia de voto alguma, durante as recontagens, ou nos tribunais, tenha sido provado a fraude eleitoral que denunciou ao perder, em 2020, para Joe Biden.

Não aceitar a derrota

A transferência democrática de poder esteve em risco: pressionou o secretário de Estado da Geórgia para este "encontrar" votos e dessa forma certificar a vitória como sua. Além disso, republicanos de sete estados em que Trump perdeu enviaram falsos certificados em que se declararam eleitores dos respetivos estados (isto é, a pessoa que transmite ao Senado, ao secretário de Estado local e aos Arquivos Nacionais a declaração de quem venceu a eleição) e afirmaram que Trump havia vencido. Depois, no dia da certificação, Trump e aliados pressionaram o vice-presidente Mike Pence, a quem cabia presidir a cerimónia, para aceitar estes eleitores falsos. Pelo meio, instigados pela retórica do presidente derrotado, milícias de extrema-direita e apoiantes invadiram o Capitólio, interrompendo os trabalhos e testando os limites do regime.

Moldar o sistema eleitoral

Novos sinais de alarme surgiram ainda antes do regresso de Trump à Casa Branca. O homem que deixa no ar a hipótese de um (ilegal) terceiro mandato, durante a campanha, ao dirigir-se aos cristãos, afirmou: "Saiam e votem, só desta vez. Daqui a quatro anos não terão de votar novamente. Vamos resolver tudo tão bem que não terão de votar." O então candidato foi questionado na Fox News sobre o que queria dizer e manteve a ambiguidade. Uma vez de volta ao poder, assinou em março uma ordem executiva com o objetivo de exercer controlo, ainda que parcial, sobre os diversos sistemas eleitorais. Para lá da questão de estar a tentar exercer um poder que pertence ao Congresso — há vários processos em tribunal a contestar o decreto —, geraram especial controvérsia dois aspetos. Um deles é instruir a Comissão de Assistência Eleitoral, agência independente, para exigir aos eleitores que apresentem um documento de identidade quando se registarem para votar. Segundo uma estimativa do instituto Brennan Center, esta medida poderia impedir o direito de voto de até 21 milhões de eleitores. O outro é o de impedir que as máquinas de voto eletrónico existentes possam servir nos próximos atos eleitorais, ao ordenar à referida comissão que revogue as certificações em vigor.

Para que as suas políticas sejam fielmente aplicadas, Trump escolheu para cargos-chave figuras que se distinguiram por não reconhecer a vitória de Joe Biden. São exemplo disso o diretor do FBI Kash Patel, a procuradora-geral Pam Bondi ou a vice-procuradora Harmeet Dhillon. Antes de iniciar funções, o primeiro ameaçou "perseguir" todos aqueles que na sua opinião mentiram na comunicação social e "ajudaram Joe Biden a manipular as eleições presidenciais". A vice-procuradora anunciou em maio uma "mudança de paradigma" no Departamento de Justiça, que passa por deixar de ter como responsabilidade a proteção do direito de voto.

A isto juntam-se recentes declarações do presidente dos EUA. Depois do encontro no Alasca com Vladimir Putin, revelou que o líder russo é de opinião que os votos por correio colocam em risco a integridade das eleições. "Vladimir Putin, um tipo inteligente, disse que não é possível ter eleições honestas com o voto por correio", disse à Fox News. "Ele disse que não há nenhum país no mundo que utilize esse sistema atualmente." Há dezenas de países que oferecem ao eleitor a possibilidade do voto postal. Quase 30% dos eleitores norte-americanos votaram à distância em 2024, e para tal terá contribuído o apelo de Trump nesse sentido. O próprio já votou desta forma em várias ocasiões.

Depois, ao receber o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky teve de explicar o porquê de permanecer no cargo uma vez que o seu mandato expirou no ano passado. Ao que Trump concluiu, entre risos: "Está a dizer-me que durante a guerra não se pode realizar eleições. Então, se daqui a três anos e meio estivermos em guerra, não haverá eleições? Oh, isso é ótimo." Voltou entretanto ao tema discutido com Putin: "Vamos começar com uma ordem executiva que está a ser redigida neste momento pelos melhores advogados do país para acabar com os votos por correspondência, porque são corruptos." No entanto, especialistas afirmam que essa medida, se avançar, cairá na justiça porque, mais uma vez, não cabe ao presidente legislar sobre como cada um dos estados organiza as eleições.

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