Em meados de dezembro de 1989, o então presidente norte-americano George H.W. Bush ordenou a invasão do Panamá, depois de declarar que o líder de facto Manuel Noriega (um antigo informante da CIA e aliado de Washington) tinha convertido o país num narcoestado e representava uma ameaça para os interesses dos EUA. Mais de 25 anos depois, Donald Trump não ordenou a invasão da Venezuela, mas oito dos seus navios de guerra e um submarino nuclear estão na região das Caraíbas e, na terça-feira (2 de setembro), destruíram um barco que diziam estar carregado de drogas do Tren de Aragua, com alegadas ligações ao cartel que acusam Nicolás Maduro de liderar. Menos de 15 dias depois da invasão do Panamá, Noriega (que se tinha refugiado na nunciatura apostólica da Santa Sé) entregou-se. Transferido para os EUA seria julgado e condenado a 40 anos de prisão por narcotráfico. Acabaria por morrer em 2017, já de volta ao Panamá, onde tinha sido condenado à revelia a 60 anos de prisão pelos crimes cometidos durante a ditadura (1983-1989). Maduro está no poder desde 2013, tendo sucedido ao falecido presidente Hugo Chávez. Nas eleições do ano passado, proclamou a vitória para um terceiro mandato (sem apresentar as atas eleitorais com os resultados), mas a oposição liderada por María Corina Machado e Edmundo González contesta os resultados e a comunidade internacional não o reconhece oficialmente como presidente. No mês passado, os EUA duplicaram para 50 milhões de dólares (cerca de 42,8 milhões de euros) a recompensa por informações que possam levar à sua captura (é o mesmo valor que tinha o líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden). A procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, alega que Maduro é “um dos maiores narcotraficantes do mundo” e lidera o Cartel de los Soles, que foi designado “terrorista” por Washington - tal como o grupo criminoso Tren de Aragua. O regime de Maduro nega todas as acusações contra o presidente. Navios de guerra na regiãoEm plena luta contra o narcotráfico, Trump enviou oito navios de guerra para as Caraíbas - com mais de 4500 homens a bordo. Na terça-feira, na Sala Oval, o presidente anunciou que estes tinham destruído um barco que tinha saído da Venezuela carregado de droga (sem dar mais pormenores). O vídeo do momento parece mostrar um míssil a destruir a embarcação, com Trump a dizer que os 11 “terroristas” a bordo morreram. “Que isto sirva de aviso a qualquer pessoa que esteja a pensar trazer drogas para os EUA”, escreveu na Truth Social. .Mas o recado é também para o próprio Maduro, apesar de a ideia de invadir a Venezuela não parecer fazer parte dos planos de Trump - que se opõe ao envolvimento dos militares norte-americanos nos conflitos de outros países. Além disso, a Venezuela é 12 vezes maior do que o Panamá e, apesar da crise económica, é um país rico em petróleo. Mais: as Forças Armadas venezuelanas têm permanecido até agora leais a Maduro - que diante da ameaça dos EUA, elevou o nível de alerta e convocou 4,5 milhões de membros da Milícia Nacional Bolivariana. .Com navios dos EUA a caminho, Maduro convoca milicianos.Maduro, que não reagi u diretamente ao ataque ao barco, acusou contudo os EUA de quererem as “riquezas da Venezuela” - o país tem as maiores reservas de petróleo do mundo. Membros do seu regime chegaram até a dizer que o vídeo do ataque teria sido feito com recurso a Inteligência Artificial (IA). O secretário da Defesa dos EUA, Pete Hegseth, garantiu esta quarta-feira (3 de setembro) que “definitivamente não é IA” e que haverá mais ataques do género - apesar das dúvidas quanto à legalidade desta ação militar ao abrigo da lei internacional.Na partida para uma visita ao México e ao Equador, onde a questão da segurança e do narcotráfico deve também fazer parte da agenda, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, não respondeu diretamente à pergunta sobre se Trump levaria a cabo operações militares na Venezuela. “Vamos enfrentar os cartéis de droga onde quer que estejam e onde quer que estejam a operar contra os interesses dos EUA”, disse, indicando que o barco teria como destino provável Trindade e Tobago. A primeira-ministra deste país, Kamla Persad-Bissessar, elogiou a operação militar dos EUA, tal como a líder opositora venezuelana. “Cada dia que passa, fecha-se o cerco contra o cartel narcoterrorista que ainda está em Miraflores”, disse María Corina Machado, referindo-se ao palácio presidencial. Mas a esquerda latino-americana foi crítica. “Se isto é verdade, é um assassinato em qualquer parte do mundo”, escreveu no X o presidente da Colômbia, Gustavo Petro. Já o líder da Nicarágua, Daniel Ortega, questiona como é que os EUA sabiam que eram narcotraficantes que seguiam a bordo e alega que o ataque “é só uma forma de mostrarem que são duros”.“Pátio das traseiras”A invasão que levou à queda de Noriega (e que foi condenada pelas Nações Unidas como ilegal), não foi a primeira operação militar dos EUA no seu “pátio das traseiras” (termo que designava a área de influência de Washington na América Latina). No início do século XX, houve as chamadas “Guerras das Bananas”, quando os EUA atuaram em vários países e ocuparam alguns - como Cuba ou Nicarágua - para proteger os seus interesses económicos.Na Guerra Fria, Washington agiu também na sombra no apoio a vários golpes de Estado para potenciar mudanças de regime na região, então numa luta contra o “comunismo”. Mas nem sempre foi bem sucedida: o maior falhanço terá sido em Cuba, em 1961, quando apoiou a falhada invasão da Baía dos Porcos, travada pelas forças de Fidel Castro. Em 1986, veio a público o caso Irão-Contras, que mostrou como os EUA facilitaram o tráfico de armas para o Irão (havia um embargo), de forma a ajudar a armar os contrarrevolucionários da Nicarágua que tentavam derrubar o governo sandinista.