O Governo do Reino Unido voltou a adiar a decisão sobre a autorização da construção de uma superembaixada da China em Londres, em plena polémica sobre se interferiu ou não para deixar cair um processo judicial contra dois alegados espiões britânicos que terão passado informação aos chineses. Uma dor de cabeça para o primeiro-ministro Keir Starmer, acusado de ceder a Pequim - apesar das ameaças para a segurança nacional - para não prejudicar as relações económicas.A decisão sobre a superembaixada (que a avançar será a maior da China na Europa) estava inicialmente prevista para 9 de setembro, depois de o Governo ter retirado o dossier das mãos das autoridades locais que vetaram o projeto em 2022 por questões de segurança. Adiada para 21 de outubro, foi novamente prorrogada na semana passada para 10 de dezembro, no meio da polémica sobre o processo de espionagem. Pequim ameaça com “consequências” devido aos atrasos.A China comprou o terreno perto da Torre de Londres em 2018 por 255 milhões de libras (cerca de 293 milhões de euros ao câmbio atual). E prevê construir ali um complexo diplomático de 20 mil metros quadrados - o tamanho de uma das torres das Amoreiras, em Lisboa. O problema prende-se com a localização, próximo dos cabos de fibra ótica que fazem a ligação à City (o centro financeiro da capital britânica), suspeitando-se que os chineses possam aproveitar para ter acesso à informação. E depois há os dissidentes de Hong Kong, muitos exilados no Reino Unido, que se sentem inseguros e temem o aumento das ações de vigilância e intimidação. Na quinta-feira, o chefe da secreta interna britânica (o MI5), Ken McCallum, disse que “atores estatais chineses” representam uma ameaça “diária” à segurança nacional do Reino Unido. Isto no meio da polémica de espionagem, que é uma dor de cabeça para Starmer e já está a ser alvo de inquérito parlamentar.Os alegados espiõesO caso contra o antigo assistente parlamentar Christopher Cash e o académico Christopher Berry veio a público em abril de 2024, quando foram acusados de recolher e fornecer informações prejudiciais à segurança e aos interesses do Estado. A espionagem a favor da China terá ocorrido entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2023. Ambos negaram as acusações e, no início deste mês, a procuradoria deixou cair o caso, com o diretor do Ministério Público, Stephen Parkinson, a alegar que o Governo (apesar de vários pedidos ao longo de meses) não forneceu provas de que a China representa uma ameaça para a segurança nacional. Parkinson alegou que, embora houvesse provas suficientes quando as acusações foram inicialmente feitas em abril de 2024, um precedente estabelecido por outro caso de espionagem no início de 2024 (seis búlgaros condenados por espiar para a Rússia) significava que a China precisava de ter sido rotulada como uma “ameaça à segurança nacional” na altura dos alegados crimes.O Governo disse ter ficado desapontado com esta decisão e Starmer apontou culpas aos conservadores, no poder na altura dos factos. O primeiro-ministro disse ainda que nenhum membro do Executivo esteve envolvido, apesar de acusações de alegadas reuniões do conselheiro de Segurança Nacional, Jonathan Powell, que defende o aproximar da relação com Pequim. Na quarta-feira, o Governo acabou por revelar as declarações enviadas à procuradoria pelo vice-conselheiro de Segurança Nacional, o funcionário de carreira Matthew Collins, reiterando que não houve interferência do Governo. Mas em vez de acabar com a polémica, os testemunhos (um deles quando os conservadores ainda estavam no poder e dois já com os trabalhistas em Downing Street) levantaram mais dúvidas.Collins deixa claro que a China é “a maior ameaça estatal à segurança económica do Reino Unido” e que os serviços de informação chineses “conduzem operações de espionagem em grande escala contra o Reino Unido”. Mas, na última declaração, acrescenta: “A posição do Governo é que cooperaremos onde pudermos; competiremos onde for necessário; e desafiaremos onde for necessário, incluindo em questões de segurança nacional.” Uma frase retirada do manifesto eleitoral do Labour.No meio de toda a polémica, a embaixada chinesa emitiu um comunicado a dizer que estes testemunhos contêm “acusações infundadas, puramente fabricadas”. O porta-voz da embaixada instou ainda o Reino Unido “a deixar de criar problemas com a China, a parar de se envolver em propaganda anti-China e a parar de minar as relações”.“Bajular Pequim”?A líder da oposição, Kemi Badenoch, acusa o Governo de deixar cair o processo de propósito porque Starmer “quer bajular Pequim”. Tudo por causa de interesses económicos, com Londres a enfrentar um cenário complicado a nível das contas públicas e a querer atrair investimento. Mas será que vale a pena tentar melhorar os laços com os chineses?A China é o quinto maior parceiro comercial do Reino Unido, representando 5,5% das trocas comerciais. Mas as exportações britânicas para a China caíram 12% no ano que acabou em março, a segunda maior queda entre os 20 maiores parceiros comerciais do Reino Unido desde que os trabalhistas estão no poder. Além disso, a China representou apenas 0,2% do total do investimento estrangeiro recebido. A aposta britânica tem sido a exportação de serviços, o que aumentou 12% num ano, para 13,2 mil milhões de libras (15 mil milhões de euros).