As receitas globais do setor do armamento aumentaram acentuadamente em 2024, impulsionadas pela procura gerada pelas guerras na Ucrânia e em Gaza, pelas tensões geopolíticas globais e regionais e pelos gastos militares cada vez maiores. Pela primeira vez desde 2018, todas as cinco maiores empresas do setor registaram um aumento das suas receitas, referem dados divulgados esta segunda-feira, 1 de dezembro, pelo Instituto Internacional de Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI). Um aumento que levou muitas empresas do setor a expandir linhas de produção, a estabelecer novas subsidiárias ou a realizar aquisições.Embora a maior parte do crescimento tenha sido impulsionada por empresas sediadas na Europa e nos Estados Unidos, registaram-se aumentos anuais em todas as regiões do mundo presentes no ranking das 100 maiores, com exceção da Ásia e Oceânia, devido a problemas na indústria chinesa.“No ano passado, as receitas globais com armamento atingiram o nível mais elevado alguma vez registado pelo SIPRI, uma vez que os produtores capitalizaram a elevada procura”, refere Lorenzo Scarazzato, investigador do Programa de Despesas Militares e Produção de Armamento do SIPRI, em comunicado. “Embora as empresas tenham aumentado a sua capacidade de produção, ainda enfrentam uma série de desafios que podem afetar os custos e os prazos de entrega”.EUA com atrasos e derrapagens orçamentaisNo ano passado, as receitas combinadas das empresas norte-americanas no top 100 cresceram 3,8%, atingindo os 334 mil milhões de dólares, com 30 das 39 empresas americanas no ranking a registarem um aumento das suas receitas. Entre elas, grandes produtoras de armas como a Lockheed Martin, a Northrop Grumman e a General Dynamics. No entanto, atrasos e derrapagens orçamentais continuam a afetar o desenvolvimento e a produção de importantes programas liderados pelos EUA, como o F-35, o submarino da classe Columbia e o míssil balístico intercontinental Sentinel. “Os atrasos e o aumento dos custos terão inevitavelmente impacto no planeamento militar e nos gastos militares dos EUA”, nota Xiao Liang, investigador no mesmo programa do SIPRI. “Isto pode ter efeitos indiretos nos esforços do governo norte-americano para cortar nas despesas militares excessivas e melhorar a eficiência orçamental”.De referir ainda que a SpaceX, de Elon Musk, entrou pela primeira vez no top 100, depois de as suas receitas com armamento terem mais do que duplicado em comparação com 2023, atingindo os 1,8 mil milhões de dólares.Rearmamento em curso na EuropaDas 26 empresas de armamento entre as 100 maiores com sede na Europa (excluindo a Rússia), 23 tiveram um aumento das receitas com armamento - 13%, atingindo os 151 mil milhões de dólares - ligado à procura por causa da guerra na Ucrânia e à ameaça da Rússia. Destaque para a empresa checa Czechoslovak Group, que registou o maior aumento percentual de receitas com armamento entre as 100 maiores empresas em 2024: 193%, atingindo os 3,6 mil milhões de dólares, e que é atribuído em grande parte da sua receita à Ucrânia. Já a JSC Ukrainian Defense Industry, da Ucrânia, aumentou as suas receitas em 41%, para 3 mil milhões de dólares.“As empresas europeias de armamento estão a investir em nova capacidade de produção para satisfazer a crescente procura”, afirma Jade Guiberteau Ricard, investigadora do SIPRI. “Mas o fornecimento de materiais pode representar um desafio cada vez maior. Em particular, a dependência de minerais críticos irá provavelmente complicar os planos de rearmamento europeus”.Como exemplo dos riscos desta dependência, a Airbus e a francesa Safran supriram metade das suas necessidades de titânio antes de 2022 com importações russas e tiveram de encontrar novos fornecedores. Além disso, em função das restrições chinesas à exportação de minerais críticos, empresas como a francesa Thales e a alemã Rheinmetall já alertaram para os potenciais elevados custos da reestruturação das suas cadeias de abastecimento.Rússia cresce, apesar das sançõesAs duas maiores empresas de armamento russas, a Rostec e a United Shipbuilding Corporation, aumentaram as suas receitas em 23%, para 31,2 mil milhões de dólares, apesar das sanções internacionais que levaram à escassez de componentes. A procura interna foi suficiente para compensar largamente as perdas de receitas devido à queda das exportações de armas.“Além das sanções, as empresas de armamento russas enfrentam uma escassez de mão-de-obra qualificada. Isto pode abrandar a produção e limitar a inovação”, diz Diego Lopes da Silva, investigador sénior do Programa de Despesas Militares e Produção de Armas do SIPRI. “No entanto, precisamos de ser cautelosos ao fazer tais previsões, uma vez que a indústria de armamento russa se mostrou resiliente durante a guerra na Ucrânia, contrariando as expectativas”.Ásia e Oceânia em quedaEsta foi a única região do mundo a registar uma quebra geral nas receitas com armamento entre as 100 maiores empresas em 2024, caindo para 130 mil milhões de dólares, menos 1,2% do que em 2023, e que se deveu a um declínio de 10% na receita com armamento entre as oito empresas chinesas do setor do top 100, sendo o caso mais notório a quebra de 31% nas receitas com armamento da NORINCO, o principal produtor chinês de sistemas terrestres."Uma série de alegações de corrupção na aquisição de armamento pela China levou ao adiamento ou cancelamento de grandes contratos de armamento em 2024", nota em comunicado Nan Tian, diretor do Programa de Gastos Militares e Produção de Armamento do SIPRI. "Isto aumenta a incerteza em relação ao progresso dos esforços de modernização militar da China e quando novas capacidades se materializarão".Em contraste, as receitas com armamento continuaram a crescer entre as empresas japonesas e sul-coreanas no ranking das 100 maiores, impulsionadas pela forte procura europeia e interna. As cinco empresas japonesas aumentaram as suas receitas combinadas com armamento em 40%, para 13,3 mil milhões de dólares, enquanto as quatro produtoras sul-coreanas aumentaram as suas receitas em 31%, para 14,1 mil milhões de dólares. Recorde no Médio OrientePela primeira vez, nove das 100 maiores empresas de armamento estavam sediadas no Médio Oriente, com receitas de 31 mil milhões de dólares, um crescimento de 14%. De notar ainda que as três empresas israelitas de armamento presentes no ranking aumentaram as suas receitas combinadas em 16%, para 16,2 mil milhões de dólares."A crescente reacção negativa às acções de Israel em Gaza parece ter tido pouco impacto no interesse pelas armas israelitas", nota Zubaida Karim, investigadora do SIPRI. "Muitos países continuaram a fazer novos pedidos a empresas israelitas em 2024"..União Europeia deverá atingir em 2025 novo recorde para gastos com armamento .Armamento. Ucrânia é o maior importador mundial, EUA o maior exportador e vendas russas caem 64%