Embaixador Francisco Seixas da Costa
Embaixador Francisco Seixas da CostaReinaldo Rodrigues/Global Imagens

“Confesso que sempre achei completamente implausível a entrega do Nobel a Guterres”

O antigo embaixador na ONU considera “ muito significativo” o foco dado ao nuclear este ano, lembrando que este prémio é “sempre político” e “não é incontroverso”.
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Considera que o Prémio Nobel da Paz é bem atribuído?
Não conheço em particular esta associação e o trabalho feito, mas acho que, sob o ponto de vista simbólico, a entrega deste prémio é muito significativa. Esta é uma matéria que está na agenda internacional de uma forma como já não estava desde o final da Guerra Fria, que é a questão nuclear. Durante várias décadas, construiu-se um processo de controlo dos armamentos nucleares, consagrando os países que de facto tinham essa arma, procurando evitar a proliferação pelos que não a tinham e tentando encontrar mecanismos de segurança para esses países e também de proteção àquilo que é a exploração do nuclear civil. Os últimos dois anos trouxeram uma preocupação acrescida.

De que forma?
Em primeiro lugar porque alguns dos membros natos, digamos assim, do Tratado de Não-Proliferação Nuclear apareceram a sugerir a possibilidade de utilização de meios nucleares para fins militares pela primeira vez desde há muitas décadas. Países que têm um nuclear estratégico forte e vital para aquilo que era o equilíbrio global. E depois estão a aparecer as dúvidas sobre se estas ameaças de natureza convencional não podem levar outros países a reverem a sua posição e virem eles próprios a ser tentados a ter nuclear. É muito fácil. A arma nuclear não é nada altamente difícil. Basta que haja vontade e dinheiro. Um país que se fala é a Arábia Saudita, que já indiciou que poderia recorrer à arma nuclear, no fundo para compensar aqueles poderes regionais como Israel, que não diz que a tem mas tem, e o Irão, que está a fazer um esforço para a ter. 

Falamos de uma nova corrida às armas nucleares?
E não se verifica aquilo que havia na anterior, quando havia uma espécie de um consenso no sentido de baixar o nível de risco. Neste momento o consenso está aparentemente afastado. E, mais do que isso, todos os mecanismos de controlo, como nós temos vindo a ver com as dificuldades que a Agência Internacional de Energia Atómica tem, estão a desaparecer e estão a ficar fragilizados. Isto é gravíssimo para a insegurança internacional. 

Havia quem defendesse que no meio de tantas guerras não se deveria entregar o Nobel da Paz este ano. O que é que acha? 
É sempre um prémio político. Não é incontroverso. Mas traduz uma maturação ao longo do ano de um conjunto de políticos noruegueses, normalmente trabalhistas, que procura um relativo equilíbrio e não parecer que é instrumentalizado por determinadas agendas. E portanto o recurso às instituições é, em certos anos, uma maneira de fugir à fulanização e à personalização do Nobel. Ao atribuir o prémio a uma instituição, o Comité protege-se a si próprio. E esta instituição é perfeitamente consensual.

Não seria consensual se fosse a agência da ONU para os palestinianos ou António Guterres...
Seria mais polémico. Devo confessar que sempre achei completamente implausível a entrega do Nobel a Guterres. Num mundo que está relativamente polarizado no contexto das duas guerras, da Ucrânia e da Palestina, a atribuição do prémio ao secretário-geral da ONU confrontaria os poderes que, hoje, no quadro da ONU são críticos relativamente ao papel do secretário-geral. 

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