O plano da primeira-ministra italiana de enviar imigrantes resgatados no seu país para os dois centros de detenção na Albânia enquanto os seus pedidos de asilo são processados recebeu os elogios da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e foi apontado como um possível exemplo a seguir pelo resto do bloco. Mas a verdade é que o plano de Giorgia Meloni está a ser travado pelos tribunais, o que veio dar mais gás à guerra entre a líder do governo e do partido de extrema-direita Irmãos de Itália e os juízes. .Até ao momento, foram levados 24 imigrantes para a Albânia, os primeiros 16 em meados de outubro e os outros oito já este mês. Nenhum deles ficou lá mais de 48 horas, tendo regressado a Itália por ordem de um tribunal de Roma. A capacidade total anual dos dois centros de detenção é de cerca de três mil imigrantes e a operação terá um custo que ronda os mil milhões de euros em cinco anos..Na segunda-feira, o mesmo tribunal de Roma remeteu para a justiça da União Europeia a situação dos imigrantes, evitando assim um confronto direto com Meloni - embora infligindo mais um revés à sua política migratória -, depois ter decidido, a 18 de outubro, não autorizar a detenção dos imigrantes que faziam parte do primeiro grupo a ser levado para a Albânia..Na altura, o tribunal rejeitou a detenção dos imigrantes com o argumento de que os seus países de origem, Bangladesh e Egito, não podiam ser considerados totalmente seguros, com base numa sentença de 4 de outubro do Tribunal de Justiça da União Europeia. Desde então, o governo italiano aprovou uma medida estabelecendo uma lista de 19 países seguros para o repatriamento, incluindo o Bangladesh e o Egito, a fim de ultrapassar o obstáculo jurídico à aplicação do acordo, argumentando que os tribunais devem decidir com base no decreto e não na sentença do TJUE. O que foi contestado pelos juízes italianos. .“Penso que a decisão dos juízes de Roma é uma decisão preconceituosa, o que é demonstrado pelo facto de alguns desses juízes terem criticado o acordo com a Albânia mesmo antes da sua entrada em vigor”, disse a primeira-ministra italiana, aquando da primeira decisão. “É muito difícil trabalhar e tentar dar respostas a esta nação, quando a oposição também faz parte das instituições que deveriam ajudar a responder aos problemas”. .O Irmãos de Itália foi mais longe dizendo que “a esquerda judicial vem em auxílio da esquerda parlamentar”. “Alguns magistrados politizados decidiram que não existem países de origem seguros: é impossível deter quem entra ilegalmente, é proibido repatriar imigrantes ilegais”, referiram ainda na rede social X, acrescentando que tais magistrados “gostariam de abolir as fronteiras de Itália”, mas isso “não vai ser permitido”..Depois da reação de Meloni, o procurador-adjunto Marco Patarnello enviou um e-mail a colegas pedindo uma união entre os profissionais da justiça, descrevendo os ataques da governante como “perigosos”. Excertos desse e-mail foram publicados no jornal de direita Il Tempo e partilhados por Meloni nas redes sociais, chamando-lhe de “prova” de que parte do sistema judicial italiano estava contra ela..“Esta é uma visão perigosa da relação entre as instituições. Porque se Meloni imagina um poder judicial que colabora com o governo significa que ela imagina um poder judicial que já não é autónomo e independente, mas um poder judicial que serve os objetivos que o governo se propõe”, disse ao Politico o procurador Stefano Musolino, secretário-geral da organização de magistrados Judiciário Democrático..Segundo o The Guardian, na semana passada, Silvia Albano, uma das juízas de imigração do tribunal de Roma envolvida na decisão de 18 de outubro, viu ser aumentada a sua proteção policial por causa das ameaças de morte que tem recebido desde então. O mesmo aconteceu a todos os juízes envolvidos nestes processos. .A questão já tinha sido abordada num relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância, divulgado a 22 de outubro, onde se alerta para as “críticas indevidas dirigidas aos juízes que tratam de casos de migração também colocam a sua independência em risco”..“Cada juiz que trata da imigração hoje, ou que tratará dela amanhã, irá perguntar-se se lhe é conveniente continuar a ser um juiz europeu independente e autónomo ou se é melhor ficar calado e fazer o que o governo quer ”, acrescentou ao Politico Musolino, concordando com o que é dito no relatório europeu.