Maio de 2017: Kim Jong-un observa o lançamento do míssil Hwasong-12, com um alcance de 4500 km. No ano passado foi lançado o Hwasong-19, capaz de transportar uma ogiva nuclear a 10 mil km de distância.
Maio de 2017: Kim Jong-un observa o lançamento do míssil Hwasong-12, com um alcance de 4500 km. No ano passado foi lançado o Hwasong-19, capaz de transportar uma ogiva nuclear a 10 mil km de distância.KCNA

Como a Coreia do Norte chegou à bomba atómica

O ressentimento e a desconfiança perante os EUA impulsionaram o regime dos Kim em chegar ao estatuto de potência nuclear, através de esquemas e do engano.
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A Coreia do Norte ocultou o seu programa nuclear à comunidade internacional e dessa forma está hoje dotada de um arsenal com capacidade para atingir o Ocidente, com escassas hipóteses de outros países replicarem o que a aviação israelita e norte-americana fizeram às instalações nucleares do Irão.

Em 1958, os Estados Unidos acionaram um plano para poupar dinheiro (125 milhões de dólares anuais à época, o equivalente a 1,3 mil milhões na atualidade) ao devolver à pátria 8000 soldados e ao cortar o número de militares nas fileiras do exército sul-coreano com a introdução de armas nucleares táticas na Coreia do Sul. Ao fazê-lo, porém, estavam a infringir as disposições do armistício assinado em 1953, segundo as quais a introdução de novas armas na península coreana era proibida. À época já o lado norte-coreano nutria pelos norte-americanos sentimentos fortes, e não eram de amizade. As cicatrizes da guerra iniciada há 75 anos estavam muito presentes, em especial o bombardeamento contínuo que, segundo cálculos dos próprios norte-americanos, terá matado 20% da população, destruído cidades, vilas, aldeias e barragens. Os B-29 largaram bombas “em tudo o que se mexia na Coreia do Norte, cada tijolo em cima do outro”, como descreveu Dean Rusk, secretário de Estado entre 1961 e 1969.

Em paralelo, Kim Il-sung, o primeiro da dinastia que se perpetua na República Democrática Popular da Coreia, cedo terá congeminado planos para o país vir a ter poder atómico. Beneficiou do facto de a potência colonizadora até 1945, o Japão, ter formado cientistas no arquipélago, caso de Lee Sung Ki, considerado o pai do programa nuclear norte-coreano. Além disso, o Japão explorou uma mina de urânio no norte da península, uma fonte de rendimento para Pyongyang. “De certa forma, foi a exportação de urânio que financiou o reforço militar que permitiu ao Norte invadir o Sul em 1950”, disse à Newsweek o ex-diplomata russo Alexandre Mansourov. As políticas impostas por Washington a Seul afastaram professores considerados esquerdistas. Pyongyang aproveitou a oportunidade e recrutou 80 cientistas ao Sul.

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É o número de bombas nucleares que a comunidade internacional estima existir no arsenal norte-coreano, além da capacidade para construir dezenas mais.

A segunda fase do programa nuclear dá-se com a construção do reator nuclear de Yongbin, em 1965, com a ajuda da URSS. Mas a relação com Moscovo vai azedar em paralelo à cisão sino-soviética, pelo que nas décadas seguintes o desenvolvimento dá-se à conta da extração de conhecimentos de outras fontes, incluindo da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), através dos diplomatas colocados em Viena. Em 1983, Ronald Reagan decide invadir Granada, tendo alegado que o golpe militar punha em causa a estabilidade das Caraíbas. Kim Il-sung, que tinha armado o pequeno país socialista, vê como o presidente dos EUA não se fica pela retórica contra o comunismo, inclusive nos exercícios militares no sul da península. Essa preocupação foi então transmitida ao líder da República Democrática Alemã, Erich Honecker, o que, segundo alguns analistas, terá sido decisiva para o regime ver a arma nuclear como um seguro de vida.

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Rondas de sanções por parte da ONU devido ao programa nuclear e balístico. EUA, UE, Reino Unido, Japão e Coreia do Sul adotaram sanções próprias.

A duplicidade perante a energia nuclear é jogada até ao fim. Em 1985, a Coreia do Norte ratifica o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), e ao mesmo tempo cria um ministério para a energia atómica. Em 1992, um ano depois de os EUA terem anunciado retirar cem ogivas nucleares do Sul, Pyongyang e Seul acordam que a península deve estar livre de armas nucleares. Enquanto isso, o Norte punha em prática um acordo com Abdul Qadeer Khan, o pai do programa nuclear paquistanês, segundo o qual este forneceu tecnologia para o enriquecimento de urânio e em troca Islamabad obteve planos para a construção de um míssil balístico. Em 1993, os inspetores da AIEA são vedados de entrar e o regime totalitário ameaça abandonar o TNP.

Os EUA envolvem-se, inclusive com a visita do ex-presidente Jimmy Carter, e Kim Il-sung retrocede. Já com o filho Jong-il no poder, Washington assina um acordo segundo o qual o Norte se compromete em parar o programa secreto de armas e a construção de reatores nucleares, em troca de alívio de sanções, petróleo e reatores para uso civil. Em 2002, os serviços de informação dos EUA descobrem o programa de enriquecimento de urânio. George W. Bush junta a Coreia do Norte ao Iraque e ao Irão no “eixo do mal”. Pyongyang expulsa os inspetores da AIEA e abandona o TNP. Mas continua o jogo do engano. Em 2005, de conversações tidas com a China, Rússia, EUA, Japão e Coreia do Sul, o regime comunista compromete-se a abandonar a sua busca por armas nucleares, a cooperar com a AIEA e a respeitar os termos do TNP. Onze meses depois, a Coreia do Norte faz o primeiro teste nuclear. E, apesar do ainda maior isolamento a que foi acometido por força de sanções, o regime declarou em 2022 ter um estatuto nuclear “irreversível”.

Maio de 2017: Kim Jong-un observa o lançamento do míssil Hwasong-12, com um alcance de 4500 km. No ano passado foi lançado o Hwasong-19, capaz de transportar uma ogiva nuclear a 10 mil km de distância.
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Maio de 2017: Kim Jong-un observa o lançamento do míssil Hwasong-12, com um alcance de 4500 km. No ano passado foi lançado o Hwasong-19, capaz de transportar uma ogiva nuclear a 10 mil km de distância.
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