A Casa Branca insiste que os emails do pedófilo Jeffrey Epstein, divulgados na quarta-feira (12 de novembro), “não provam absolutamente nada além de que o presidente Donald Trump não fez nada de errado”. Os cerca de 20 mil documentos não têm uma prova incriminatória incontestável (uma “smoking gun”, em inglês, ou “arma fumegante”). Mas tudo aquilo que deixam entender ou revelam é mais uma dor de cabeça para Trump, que não consegue distanciar-se dos crimes do antigo amigo. E ainda há mais para descobrir.O caso Epstein, cuja morte na prisão em 2019 foi decretada suicídio, voltou às notícias depois de os democratas da Comissão de Supervisão da Câmara dos Representantes terem divulgado três emails do pedófilo que mencionavam diretamente Trump - que nunca foi acusado de nenhum crime neste caso. Os republicanos divulgaram depois mais 20 mil documentos do espólio de Epstein, esperando que os três emails se perdessem no meio do caos, mas acabando por lançar mais achas para a fogueira. Num dos emails iniciais, divulgados pelos democratas, Epstein escreve em 2011 à ex-namorada Ghislaine Maxwell (que foi condenada a 20 anos de prisão por tráfico sexual) a dizer que Trump esteve com uma das vítimas na sua casa. “Quero que percebas que aquele cão que não ladrou é Trump”, escreveu, sugerindo que o agora presidente nunca disse nada. Epstein já enfrentava problemas judiciais.A vítima em causa (cujo nome foi apagado) foi identificada depois como Virginia Giuffre, que tinha apenas 16 anos quando foi abusada sexualmente por Epstein e é mais conhecida por ter denunciado o príncipe André. Giuffre suicidou-se no início do ano, mas no livro de memórias que escreveu não acusou Trump de nada. E em 2016, em tribunal, disse acreditar que ele nunca tinha participado em nada.Noutro email, já em 2015 durante a campanha presidencial, Epstein discute com o jornalista e autor Michael Wolff a relação com Trump - os dois conheciam-se desde a década de 1980, mas tiveram um desentendimento em 2004. Wolff sugere que Epstein deve deixar Trump “enforcar-se” se disser que nunca esteve na sua casa ou viajou no seu avião, alegando que ficaria com uma moeda de troca para poder usar mais tarde.No terceiro email, trocado em 2019 com Wolff (autor de uma biografia de Trump), Epstein diz: “Claro que ele sabia das raparigas, porque pediu a Ghislaine para parar”. A dúvida é saber se Trump sabia dos crimes - ele sempre disse que não sabia de nada - ou se sabia que a ex-namorada estava a “roubar” funcionárias de Mar-a-Lago. Os documentos revelados pelos republicanos mostram que Trump sabia, mas nunca participou. “Trump sabia e veio a minha casa muitas vezes durante esse período”, escreveu Epstein num email para si próprio em fevereiro de 2019. “Nunca recebeu uma massagem”, acrescentou. Os abusos de Epstein ocorriam durante as massagens.Apesar de ter cortado com Trump, Epstein mantinha-se informado sobre ele: “Eu sei quão sujo o Donald é”, escreveu em 2018 a uma advogada que foi conselheira de Barack Obama, em resposta à notícia sobre o dinheiro pago à antiga estrela pornográfica Stormy Daniels para esconder o caso com Trump. “Sou eu que o pode derrotar”, escreve noutro email nesse ano,Numa mensagem de 2015 sugeriu a um jornalista do The New York Times, que escreveu o artigo de 2002 em que o agora presidente dizia que Epstein “gosta de mulheres bonitas tanto como eu, e muitas são jovens”, que podia enviar “fotos do Donald e raparigas em biquíni na minha cozinha”. O jornalista disse que sim, mas as fotos (se é que existem) nunca foram enviadas ou vieram a público.Em junho de 2018, num email trocado com o então presidente do Conselho da Europa, o ex-primeiro-ministro norueguês Thorbjørn Jagland, Epstein sugeriu entrar em contacto com o presidente russo, Vladimir Putin. “Penso que pode sugerir a Putin que Lavrov pode obter informações falando comigo”, escreveu Epstein, falando do chefe da diplomacia Sergey Lavrov e explicando que tinha ajudado o falecido embaixador da Rússia na ONU Vitaly Churkin. “Ele compreendeu Trump depois das nossas conversas. Não é complexo. Ele precisa de achar que conseguiu alguma coisa. É tão simples quanto isso”, indicou. Em julho, Trump e Putin estiveram reunidos na Finlândia.O presidente não é o único mencionado nos emails, mas é tema recorrente. Há trocas de mensagens com um antigo secretário do Tesouro de Bill Clinton que também trabalhou com Obama, Larry Summers, conhecido por comentários controversos sobre mulheres. “Quão culpado é o Donald?”, perguntou. “De ser totalmente desprovido do intelecto e do temperamento necessários para o trabalho, certamente”, disse Epstein.Quanto ao príncipe André, agora apenas André Mountbatten-Windsor, a troca de mensagens remonta a 2011 e é sobre Giuffre. “A única pessoa com quem não teve sexo foi com o Elvis”, escreveu Epstein, dizendo que estava a entrar em contacto por que estava a ser questionado sobre as acusações. “Por favor, certifica-te de que cada declaração ou carta legal deixa claro que não estou envolvido e que não sabia e não sei nada sobre nenhuma destas alegações. Não aguento mais isto da minha parte”, respondeu André. Na mesma troca de mensagens, Epstein escreve: “Estas histórias são pura fantasia. Não conheço Al Gore e nunca o encontrei, Clinton nunca esteve na ilha”. Referia-se ao antigo presidente Bill Clinton e ao seu vice-presidente e a ilha privada que tinha nas Caraíbas e onde ocorriam muitos dos seus crimes. Mais documentos?A dor de cabeça de Trump não acabará tão cedo. Na quarta-feira (12 de novembro), a congressista democrata Adelita Grijalva tomou finalmente posse, 50 dias depois de ser eleita pelo Arizona - um atraso recorde que atribuiu aos esforços da liderança republicana para evitar aquilo que fez assim que tomou posse. Grijalva tornou-se na 218 congressista a assinar a petição que exige um voto para obrigar o Departamento de Justiça a divulgar todos os ficheiros relacionados com o falecido pedófilo. A Casa Branca ainda tentou (sem sucesso) que a congressista republicana Lauren Boebert retirasse o seu nome da petição. A eleita pelo Colorado foi chamada para uma reunião na Situation Room, normalmente usada em emergências, o que mostra a preocupação à volta de Trump. O presidente não estava na sala, com Boebert a dizer que ele nunca lhe pediu para tirar o nome, mas estavam a procuradora-geral, Pam Bondi, e o diretor do FBI, Kash Patel.Depois de lutar contra este voto (alegando sempre querer proteger as mais de mil vítimas do pedófilo), o speaker Mike Johnson já disse que este se realizará para a próxima semana. “Há mais para vir”, afirmou. Mesmo que passe na Câmara dos Representantes, a proposta arrisca não passar pelo Senado (onde também há uma maioria republicana). Mas se passar, ainda tem que ser aprovado por Trump - que provavelmente a irá vetar. Esse gesto arrisca contudo irritar ainda mais aqueles que, fazendo parte da sua base de apoio, exigem que divulgue os documentos - acreditando que implicaria muitos democratas. O presidente prometeu fazê-lo na campanha eleitoral (tal como outros membros da atual Administração). Mas desde que regressou à Casa Branca trata o tema como um “embuste” democrata - com o seu Departamento do Estado e o FBI a dizerem que não há uma lista Epstein (de alegados clientes da rede de tráfico de mulheres). .Este é o desenho que Trump nega ter feito para o livro de aniversário de Epstein.Casa Branca aliviada, mas maioria continua insatisfeita com caso Epstein