Bombas em Kiev durante a visita de Guterres que admitiu falhas a Zelensky

Secretário-geral das Nações Unidas disse ao presidente ucraniano que o Conselho de Segurança não fez tudo o que estava ao seu alcance para prevenir e acabar com a guerra, alegando numa visita a Borodianka que "uma guerra no século XXI é um absurdo".
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Kiev voltou esta quinta-feira a ficar debaixo de fogo russo, naquele que foi o primeiro bombardeamento na capital desde meados de abril. Um ataque que coincidiu com a visita do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que admitiu falhas do Conselho de Segurança no seu encontro com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e reiterou a necessidade de criar corredores humanitários para retirar os civis de Mariupol.

"Deixe-me ser bem claro: o Conselho de Segurança falhou em fazer tudo o que estava ao seu alcance para prevenir e acabar com esta guerra. Esta é uma fonte de grande deceção, frustração e raiva", disse Guterres a Zelensky. "Mas os homens e mulheres das Nações Unidas estão a trabalhar todos os dias para o povo da Ucrânia, lado a lado com tantas corajosas organizações ucranianas", referiu, lembrando que foi a Moscovo e Kiev para focar nas necessidades do terreno.

O secretário-geral descreveu a situação em Mariupol como "uma crise dentro de uma crise", dizendo estar a fazer "todo o possível" para retirar as pessoas do complexo fabril de Azovstal. A coordenadora humanitária da ONU para a Ucrânia, Osnat Lurbani, anunciou que estava a caminho de Zaporizhzhia para preparar uma tentativa de evacuação de Mariupol. A Zelensky, Guterres reiterou existirem "discussões intensas" para tornar essa proposta realidade.

O encontro entre o secretário-geral e o presidente ucraniano foi ao final do dia, tendo Guterres visitado de manhã várias localidades nos arredores de Kiev - Bucha, Borodianka e Irpin - onde a Ucrânia alega que a Rússia massacrou civis. "Quando vemos este lugar horrível, vemos como é importante ter uma investigação completa e estabelecer responsabilidades", disse Guterres em Bucha, apelando à Rússia para que coopere com o Tribunal Penal Internacional que está a investigar os crimes de guerra.

Os procuradores ucranianos disseram estar a investigar dez soldados russos da 64.ª Brigada de Infantaria Motorizada por alegados crimes de guerra em Bucha. Mas, no total, segundo a procuradora-geral Iryna Venediktova, já estão a ser investigado 8600 crimes de guerra e mais de quatro mil relacionados. Numa entrevista à emissora alemã Deutsche Welle, disse que os alegados crimes de guerra documentados incluem "a morte de civis, o bombardeamento de infraestruturas civis, tortura" e "crimes sexuais", indicou. No terreno estão oito mil investigadores a reunir provas, referiu.

Já em Borodianka, Guterres tornou as coisas pessoais. "Imagino a minha família numa destas casas destruídas e escurecidas. Vejo as minhas netas a correr em pânico", disse junto a edifícios em ruínas. "Uma guerra no século XXI é um absurdo, nenhuma guerra é aceitável no século XXI", afirmou, lembrando que "o pior dos crimes é a própria guerra". No seu Twitter, o secretário-geral partilhou uma foto sua nesta localidade, com a simples indicação "a guerra é maligna".

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A visita de Guterres, dois dias após ter estado em Moscovo com o presidente russo, Vladimir Putin, ficou marcada pelo bombardeamento a uma zona residencial na parte ocidental da cidade. "A Rússia atingiu Kiev com mísseis de cruzeiro precisamente quando o secretário-geral da ONU e o primeiro-ministro búlgaro, Kiril Petkov, visitam a nossa capital. Com este ato hediondo de barbárie, a Rússia demonstra mais uma vez a sua atitude em relação à Ucrânia, à Europa e ao mundo", escreveu o chefe da diplomacia ucraniano, Dmitro Kuleba, no Twitter. Segundo as autoridades locais, pelo menos três pessoas ficaram feridas no ataque.

Numa altura em que os países ocidentais continuam a enviar armas para a Ucrânia - o parlamento alemão, por exemplo, aprovou o envio de armamento pesado para Kiev, numa mudança total de política -, Moscovo voltou a lançar ameaças. "Esta tendência para inundar a Ucrânia com armas, especialmente armas pesadas, é um ato que ameaça a segurança do continente e causa instabilidade", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. Na véspera, o próprio Putin tinha ameaçado com uma reposta "relâmpago" se houver ingerência ocidental na Ucrânia.

O presidente norte-americano, Joe Biden, considerou "irresponsáveis" as ameaças de Putin de usar armas nucleares, alegando que estas afirmações mostram "o sentimento de desespero" de Moscovo na Ucrânia. "Ninguém deve fazer comentários vazios sobre o uso de armas nucleares ou sobre a possibilidade de usá-las. Isso é uma irresponsabilidade. Isso mostra o sentimento de desespero que a Rússia sente perante o seu miserável fracasso em alcançar os objetivos iniciais", disse Biden.

O presidente norte-americano pediu ao Congresso mais 33 mil milhões de dólares para ajudar a Ucrânia - um pacote que inclui mais de 20 mil milhões em assistência militar a Kiev. E reiterou: "Não estamos a atacar a Rússia. Estamos a ajudar a Ucrânia a defender-se contra a agressão russa." Biden quer ainda usar os bens apreendidos aos oligarcas russos para compensar Kiev pelos prejuízos causados pela guerra, numa tentativa de apertar ainda mais o cerco económico ao Kremlin.

Os EUA prometem ainda não deixar os aliados europeus reféns da energia russa, depois da Rússia ter cortado o gás à Polónia e à Bulgária e ameaçar alargar a medida a outros países. "Não permitiremos que usem as reservas de petróleo ou de gás para evitar as consequências da agressão. Estamos a trabalhar com outros países, como Japão, Coreia do Sul ou Qatar para ajudar os nossos aliados europeus, ameaçados por essas chantagens", prometeu Biden.

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