Sob o olhar do Brasil e do mundo, a primeira de oito sessões do julgamento por golpe de Estado e mais quatro crimes de Jair Bolsonaro, começa esta terça-feira, dia 2 de setembro, às 13 horas, no horário de Lisboa, no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, com a principal questão praticamente respondida: o ex-presidente, assim como os demais sete réus do primeiro núcleo de envolvidos no processo, será condenado, como admite, em privado, o próprio e o seu núcleo mais íntimo. Falta saber quando, como e onde a pena será cumprida. E, por quanto tempo. “Com o ‘líder da oposição’, um ministro de Lula e o advogado dele a decidirem, as cartas estão marcadas”, disse ao DN, sob anonimato, um apoiante próximo de Bolsonaro. O suposto “líder da oposição” é Alexandre de Moraes, juiz relator do processo que a extrema-direita brasileira tomou como maior inimigo, o ministro de Lula da Silva é Flávio Dino, que passou do ministério da Justiça para o STF em fevereiro de 2024, e o advogado do presidente, durante a Operação Lava Jato, é Cristiano Zanin, que comanda o colegiado de cinco magistrados Esses três e a juíza Carmen Lúcia devem, segundo as decisões recentes, votar pela condenação. Só o voto de Luiz Fux pode, eventualmente, impedir um score de 5-0 desfavorável aos réus. Há mais seis juízes na corte, incluindo o atual presidente dela, Luiz Roberto Barroso, mas sem influência neste processo.Em prisão domiciliar desde o início de agosto, quando a Polícia Federal (PF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) identificaram risco de fuga, Bolsonaro, 70 anos, militante do Partido Liberal, presidente brasileiro de 2019 a 2023, está consciente de que será condenado por crime de golpe de Estado - e, provavelmente, de liderança de organização criminosa armada, de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, de dano e ameaça com prejuízo para a vítima e deterioração de património classificado. A PGR aposta em gravações e arquivos digitais e diz que “a organização criminosa documentou quase a totalidade” das ações para o golpe. Do outro lado, a luta dos advogados do ex-presidente, que em público dizem que “a acusação é absurda” e “baseada num golpe imaginado”, é para conter a dosimetria da pena.Na pior das hipóteses, Bolsonaro, somadas as penas máximas de cada crime, poderia ser condenado a 43 anos - a pena máxima efetiva no Brasil, entretanto, é de 30 anos. Na melhor das hipóteses, a 12. Falta também apurar se o regime é fechado, semiaberto e outras variáveis.O cenário de absolvição, praticamente afastado até dos sonhos dos bolsonaristas mais otimistas, seria possível em caso de aprovação de uma amnistia aos envolvidos nos ataques do 8 de janeiro no Congresso Nacional, o que parece politicamente distante. Outra dúvida é quando, então, Bolsonaro será preso. À partida, não antes de novembro, porque a defesa do ex-presidente e dos outros sete réus deve entrar com recursos, que tendem a ser mais demorados caso a decisão não seja unânime. E cogita ainda apelar a tribunais internacionais.Finalmente, da mesma forma que, quando Lula foi preso em abril de 2018, se discutiu em qual local um ex-chefe de estado deveria permanecer, a questão voltará a estar em debate. Em cima da mesa, uma cela na sede da PF, como Lula, em Curitiba, uma instituição militar, como o general Braga Netto, ministro e braço direito de Bolsonaro detido já desde dezembro, ou numa cela especial na Papuda, complexo penitenciário de segurança máxima em Brasília. Pode contribuir para uma decisão o estado de saúde do ex-presidente, considerado precário pelos aliados por culpa de crise de soluços e de vómitos recorrentes. A condição clínica, aliás, definirá também se Bolsonaro vai ou não estar presente no julgamento: segundo os cálculos políticos do círculo íntimo do ex-presidente seria preferível comparecer para mostrar que ele não se intimida, como fez em março, quando surgiu de surpresa na denúncia; de acordo com avaliações médicas, porém, seria mais adequado ver pela TV, ao lado da família, até porque para ir o STF teria de pedir autorização a Moraes por estar obrigado a prisão domiciliar. O citado Braga Netto, por exemplo, requereu acesso virtual às sessões na prisão. Já Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que assinou delação premiada com a justiça, não vai estar presente para evitar o constrangimento de se cruzar com quem denunciou. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, Bolsonaro demonstra tensão em privado por não estar autorizado a reunir-se com aliados políticos - apenas com a família e, nem assim, com o deputado Eduardo Bolsonaro por estarem ambos sob investigação por suposta coação à justiça brasileira, uma vez que o terceiro filho do ex-presidente pressionou as alas mais radicais do entorno de Donald Trump a sancionar Moraes, o relator do processo, Paulo Gonet, o PGR, entre outras autoridades, todos com vistos suspensos para os EUA.Outro dos motivos da tensão de Bolsonaro são os passos dados por supostos aliados, como os governadores Ronaldo Caiado (Goiás), Romeu Zema (Minas Gerais) e, sobretudo, Tarcísio de Freitas (São Paulo), rumo às eleições de 2026, namorando o espólio eleitoral do ex-presidente. Aliás, qualquer que seja o desfecho do julgamento que agora se inicia, estão previstos abalos políticos em larga escala tanto nos corredores de Brasília, dada a força eleitoral de Bolsonaro, como nas ruas, tendo em conta o seu apelo popular. Por isso, a segurança em torno do tribunal foi fortemente reforçada para evitar bombistas solitários e acampamentos.“Nós vivemos um momento tenso, inevitável, por motivo dos julgamentos do 8 de Janeiro e dos julgamentos do que, segundo a denúncia do PGR, teria sido uma tentativa de golpe de Estado. É evidente que esses episódios trazem algum grau de tensão para o país”, admitiu Luís Roberto Barroso, o presidente do STF, em evento da Ordem dos Advogados do Brasil. Além do núcleo desta terça-feira, chamado pela PGR de "crucial", há mais cinco grupos de supostos envolvidos na tentativa de golpe à espera de julgamento. E Bolsonaro é ainda arguido nos casos da carteira vacinal supostamente falsificada e da alegada venda para proveito pessoal de joias oferecidas ao estado brasileiro, além de investigado em mais oito processos. A DINÂMICA DO JULGAMENTO- Oito sessões, desta terça-feira, 2, a partir das 13h de Lisboa, até 12, na sala de sessões da primeira turma do STF (cinco dos 11 juízes da corte), na Praça dos Três Poderes em Brasília- Na sessão desta terça-feira, o juiz Alexandre de Moraes lê o relatório do processo; na sequência, terão a palavra o PGR e os advogados de defesa- Nas sessões seguintes, Moraes vota pela condenação ou absolvição, seguido dos outro quatro juízes- Se três dos cinco votarem a favor da tese da acusação, os réus são condenados -Em seguida, os juízes discutem a dosimetria da eventual pena- Os advogados de defesa entram então com eventuais recursos- Os crimes elencados pela PGR são 1) liderança de organização criminosa armada, 2) tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, 3) golpe de Estado, 4) dano qualificado e 5) grave ameaça e deterioração de património tombado- O STF permitiu a entrada aos interessados - Bolsonaro ainda não decidiu se vai - e a 80 membros da imprensa e do público que se credenciarem - A segurança inclui 40 polícias armados, a dormir em beliches ao lado da sala desde a semana passada e disponíveis 24 horas por dia, restrição de acesso à Praça dos Três Poderes e buscas minuciosas diárias às casas dos cinco juízes PROTAGONISTASOS JUÍZESAlexandre de MoraesRelator do processo, é visto pelos bolsonaristas como inimigo e aclamado à esquerda apesar de ter sido nomeado por Temer. Vai, certamente, votar pela condenaçãoCristiano ZaninEx-advogado pessoal de Lula, preside à segunda turma do STF e deve acompanhar o voto de Moraes Luiz FuxNomeado por Dilma, em 2011, é esperança dos réus num voto pela absolvição Carmen LúciaDecana da segunda turma, prevê-se que acompanhe Moraes Flávio Dino Ex-ministro de Lula, deve votar com MoraesOS RÉUSJair BolsonaroA provável condenação e consequente prisão vão abalar o país Mauro CidHomem de mão de Bolsonaro, assinou acordo de delação premiada fundamental para a acusação Braga NettoGeneral, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice de Bolsonaro em 2022, já está preso desde 2024Augusto HelenoOutro general e braço direito de Bolsonaro, era ministro da Segurança Institucional, espécie de coordenador da inteligência brasileira Paulo Sérgio NogueiraTerceiro general do grupo, sucedeu a Braga Netto na Defesa Anderson TorresMinistro da Justiça de Bolsonaro, comandava a Segurança Pública do Distrito Federal à época do 8 de janeiro. Foi em buscas à casa dele que a polícia encontrou a minuta com o passo a passo do golpe Alexandre RamagemO ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência buscou informações contra rivais de Bolsonaro e juízes do STF; é o único réu que não responde pelos dois crimes contra o património Almir GarnierEx-comandante da Marinha aceitou, segundo Cid, participar no golpe O PGRPaulo GonetEm julho, teve o visto para os EUA suspenso no contexto da pressão exercida pela administração Trump sobre o julgamento. Em resposta, Lula reconduziu-o no cargo até 2025 na semana passada OS ADVOGADOSCelso VilardiO advogado de Bolsonaro defendeu Delúbio Soares, tesoureiro do PT, no Mensalão Cezar BitencourtCriminalista, negociou a delação premiada de Mauro Cid Matheus MilanezO advogado de HelenoOliveira LimaAdvogado de José Dirceu, eminência parda do PT, defende hoje Braga NettoAndrew FariasEspecialista em Justiça Militar, defende NogueiraEumar NovackiO advogado de Anderson TorresCintra PintoHoje defensor de Alexandre Ramagem, atuou nas campanhas eleitorais do PT Demóstenes TorresO advogado de Almir Garnier, um dia chamado em Brasília de “mosqueteiro da ética”, perdeu o mandato de senador em 2012 por ter sido corrompido por um bicheiro (empresário de jogo ilegal)