Avião oferecido pelo Qatar: um “palácio no céu” ou um pesadelo para Trump?

Nenhum titular de cargo público “pode, sem consentimento do Congresso, aceitar qualquer presente, emolumento, cargo ou título, de qualquer tipo, de qualquer rei, príncipe ou Estado estrangeiro.” A Constituição dos EUA é clara na secção 9 do artigo 1.º, mas isso não vai impedir o presidente norte-americano, Donald Trump, de aceitar um presente da família real do Qatar. E não é um presente qualquer: é um Boeing 747-8 no valor de 400 milhões de dólares (360 milhões de euros) e tão luxuoso que é descrito como “um palácio no céu”.“Acho que é um grande gesto do Qatar. Agradeço muito. Nunca recusaria este tipo de oferta”, disse Trump ainda antes de partir para o Médio Oriente, numa viagem que hoje o levará ao Qatar. “Quer dizer, eu podia ser uma pessoa estúpida a dizer: ‘Não, não queremos um avião gratuito e muito caro’”, ironizou. Normalmente, os presidentes entregam os presentes que recebem aos Arquivos Nacionais, podendo ficar com eles só se pagarem o valor de mercado que valem..Segundo a estação de televisão ABC, que avançou no domingo que Trump iria aceitar o presente, a ideia é que o presidente possa usar o avião como o novo Air Force One. Mas, depois de deixar a presidência, este se torne no seu avião privado (passando a propriedade para a fundação da biblioteca presidencial). Trump esclareceu contudo que o presente é para o Departamento de Defesa e que não usará o avião depois de sair da Casa Branca.Críticas democratas e não só “Com um valor estimado de 400 milhões, o palácio aéreo seria o presente mais valioso alguma vez oferecido a um presidente por um governo estrangeiro”, indicou o congressista democrata Ritchie Torres, segundo uma carta a que o site Axios teve acesso, antecipando-se já uma investigação.Em causa está, por exemplo, o facto de a própria Trump Organization - nas mãos dos filhos do presidente - ter negócios com o Qatar e este presente estar a ser visto como tentativa de suborno. Ao contrário do que aconteceu no primeiro mandato, quando a empresa se comprometeu a evitar acordos com empresas estrangeiras, no segundo mandato não existe tal compromisso. E, ainda em finais de abril, a Trump Organization anunciou um acordo para a construção de um campo de golfe de luxo no Qatar.A Casa Branca já tinha contudo antecipado as queixas dos democratas e pediu vários pareceres legais - o mesmo terá feito o Qatar, que ainda não confirmou oficialmente que vai dar o avião. E a Administração dos EUA obteve um parecer positivo da procuradora-geral, Pam Bondi, que considera que o avião seria um “donativo” e por isso legal. Mas a própria Bondi está debaixo de fogo, já que trabalhou como lóbista para o Qatar no Congresso.O problema para Trump - que pode tornar-se num pesadelo - é que as críticas não vêm só dos democratas. “O presidente Trump prometeu drenar o pântano. Isto não é drenar o pântano”, disse o comentador conservador Ben Shapiro. Já a ativista política Laura Loomer, fã declarada do presidente, escreveu no X que aceitar um presente “de jihadistas de fato” - chamando a atenção para os laços entre o Qatar e o Hamas - seria “uma mancha”.Problemas de segurançaMas os problemas não são só éticos: são também de segurança. O Air Force One está preparado para ser um centro de comando do presidente em momentos de crise, tendo defesas antimíssil e comunicações capazes de suportar a onda de choque de uma explosão nuclear. Além disso, pode ficar vários dias no ar ao ser reabastecido em pleno voo.Caso se confirme a oferta do avião, o Departamento de Defesa terá que garantir que essas mesmas catacterísticas são colocadas no novo Air Force One - o que representaria mais um custo para os contribuintes norte-americanos. Além de garantir, claro, que não existem problemas básicos, como microfones ou sistemas de localização. O Qatar pode ser um aliado, mas também é um Estado estrangeiro que tem relações com a China e a Rússia.No final do primeiro mandato, Trump chegou a acordo para modernizar dois Boeing 747 para serem usados como novos Air Force One - os atuais estão operacionais desde 1990. Mas o contrato já derrapou mais de dois mil milhões de dólares e está atrasado. Os aviões podem só estar prontos em 2027.

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