Por motivos políticos e económicos, países como a Venezuela e o Líbano têm sofrido interrupções frequentes no abastecimento de eletricidade. Devido às mais variadas causas qualquer país pode ficar às escuras. Em Portugal uma anónima e eletrocutada cegonha ficou célebre por ter provocado, no ano 2000, um dos maiores apagões da história. O embate da ave contra uma linha de alta tensão no concelho da Figueira da Foz deixou o centro e o sul do país às escuras durante mais de duas horas..O governo austríaco mostra-se preocupado com o tema e iniciou uma campanha de sensibilização dos cidadãos para que estes estejam preparados para a "ameaça imediata" de ficarem sem energia em casa por horas ou dias. O diretor do Gabinete de Segurança Nacional de Portugal desdramatiza sobre o cenário de ficarmos à luz das velas: "Nada é 100 por cento seguro, mas também não estamos necessariamente sempre à beira da catástrofe.".Há pouco mais de um mês, a ministra da Defesa da Áustria Klaudia Tanner lançou uma campanha nos meios de comunicação e com cartazes nas ruas a informar o que os cidadãos devem fazer quando não há energia. Em abril, Tanner levantou a questão sobre este "perigo real mas desvalorizado" e disse que a "questão não é saber se haverá um grande apagão, mas quando"..No mês passado a própria respondeu: a Áustria deve estar preparada para um grande apagão no espaço de cinco anos. O aviso surgiu na sequência da publicação do relatório do Ministério da Defesa sobre os riscos, o qual concluiu que o maior é "uma falha generalizada de energia, infraestruturas e abastecimento (grande apagão) que, segundo os peritos, se prevê que venha a ocorrer dentro dos próximos cinco anos" - o que é considerado uma "ameaça imediata" - que também poderá afetar a Europa..Um dos autores do relatório, o general Johannes Frank, disse que o estado da segurança da Áustria e da Europa "está a piorar, enquanto as ameaças continuam a aumentar". Uma outra resposta foi dada em abril, com o projeto de transformação de 12 bases militares em unidades com autossuficiência energética, e capazes de prestar cuidados médicos e outros serviços à população em caso de emergência. Prova de que o alerta do Ministério da Defesa foi levado a sério, há dez dias o estado do Tirol fez o simulacro de um apagão no exercício Energie 21..O alerta causou algum alarmismo e confusão nas redes sociais. Em Espanha, noticia a Reuters, dispararam as vendas de fogões de campismo e de lanternas. De facto, o exército austríaco, através do tenente-coronel Pierre Kugelweis, em declarações à agência EFE, aconselhou as pessoas a terem um fogão portátil, um rádio a pilhas, dinheiro em numerário, além de reservas alimentares e de água para duas semanas..O relatório austríaco salienta que aquele país fica numa posição fragilizada num momento em que se sobrepõe o atraso na manutenção de centrais nucleares devido à pandemia, ao encerramento definitivo de outras, bem como as centrais a carvão, e ao aumento das conexões transfronteiriças elétricas, em curso até 2025..OPI JORGE COSTA OLIVEIRA A interdependência europeia em energia e os Nord Stream.Por outro lado, e num prazo mais imediato, o preço do gás natural aumentou e a oferta diminuiu. Tal deve-se a vários motivos (aumento de consumo devido a primavera fria na Europa e verão quente na Ásia, menor geração de eletricidade devido a secas, menor distribuição do gás russo à Europa) e a suspensão do gasoduto Nordstream 2 entre a Rússia e a Alemanha num momento de grande tensão entre Moscovo e o Ocidente e que incluiu a ameaça do corte do gás que passa pela Bielorrússia por parte do seu líder, Alexander Lukashenko..Nord Stream 2: o gasoduto que liga Rússia à Alemanha mas preocupa muita gente."Os países da Europa central estão muito mais dependentes por causa do gás natural que vem da Rússia", nota o secretário-geral da associação das empresas petrolíferas (APETRO), António Comprido, que dá o exemplo de Portugal, que recebe gás quer pela via marítima (na sua maioria) quer através do gasoduto que liga Argélia a Espanha. "Acho também que a ministra austríaca estava a chamar a atenção para o problema de descarbonizar a economia e a velocidade a que isso se consegue fazer garantindo o abastecimento", acrescenta..Os austríacos não estão sozinhos. Jeremy Weir, administrador executivo da multinacional de distribuição Trafigura, advertiu na semana passada que o próximo inverno pode ser de descontentamento para os europeus. "Sinceramente, não temos gás suficiente neste momento. Não estamos a armazenar para o período de inverno. Por isso, há uma verdadeira preocupação de que se tivermos um inverno frio, poderemos ter interrupções recorrentes na Europa", disse Weir durante uma conferência organizada pelo Financial Times em Singapura..A diretora-geral da Associação de Gás Natural, Suzana Toscano não partilha o tom preocupado de Weir. "Para o bem e para o mal Portugal e Espanha são uma espécie de ilha. Não dependemos dos gasodutos do norte, somos abastecidos com navios de GNL e de diversas proveniências. Não estamos à espera de qualquer falha", comenta, apesar de reconhecer que, como o mercado é global, em caso de falta num país ou região a procura pelo abastecimento marítimo aumentará. E quanto à eletricidade, recorda, há hoje uma fatia muito importante das energias renováveis. "Temos um mix energético bastante robusto.".Para o contra-almirante António Gameiro Marques, diretor do Gabinete de Segurança Nacional, transpor o alerta da ministra austríaca para a nossa realidade e afirmar que Portugal irá sofrer um apagão nos próximos anos é uma conjetura "arriscada". E explica porquê: "Nada é 100 por cento seguro, mas também não estamos necessariamente sempre à beira da catástrofe. Os serviços essenciais ligados à energia elétrica têm alguma sofisticação, fruto da sua importância e nível de exposição, e têm redundâncias que procuram evitar situações desse tipo.".Além de quebras de produção, de distribuição ou de falhas técnicas, uma disrupção energética - cujos efeitos acabam por se estender a todas as atividades à medida que se prolonga no tempo - pode ter origem num ciberataque. "No que à cibersegurança diz respeito, já existe histórico, na Europa e no resto do mundo, relativamente a situações como essa, portanto, as análises de risco realizadas pelas nossas entidades incluem forçosamente possibilidades desse género", assegura..Como o setor da energia é considerado um serviço essencial, o Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS), que faz parte da estrutura do Gabinete de Segurança Nacional, agiria em reação a um eventual ataque malicioso e se necessário criaria um gabinete de crise..Em maio, a Confederação Suíça rompeu em definitivo as negociações de um acordo abrangente com a União Europeia. Berna não aceitou em particular que os cidadãos europeus pudessem beneficiar da livre circulação, temendo os efeitos na imigração, segurança social e salários, nem acedeu a que o Estado deixasse de apoiar os bancos com garantias totais. Uma consequência da ausência de um tratado entre Bruxelas e Berna é que a Suíça vai ficar fora do mercado europeu de eletricidade. Em outubro, o executivo helvético previu que em 2025, ano em que entram em vigor novas regras de distribuição de eletricidade transfronteiriça na UE, a Suíça poderá ficar sem energia durante quase dois dias, no pior cenário possível..cesar.avo@dn.pt