Celebração de um lado, irritação e indignação de outros. O anúncio surpreendente, por parte do presidente dos Estados Unidos e dos primeiros-ministros da Austrália e Reino Unido, de um novo acordo de segurança na região do Indo-Pacífico deixou o principal visado, a China, desagradado. Mas também a União Europeia e a França, que não foram sequer informadas da iniciativa, quando Bruxelas ia lançar a sua própria estratégia para a região e Paris perde o "contrato do século"..Já em 2018, uma investigação encomendada pelo então primeiro-ministro australiano Malcolm Turnbull revelava uma década de desestabilização do Partido Comunista Chinês junto dos políticos australianos para influenciar as decisões. As relações entre a Austrália e a China degradaram-se de forma dramática desde o momento em que Camberra juntou a sua voz a Washington e em abril do ano passado exigiu uma investigação independente à origem do novo coronavírus. Segundo responsáveis chineses na Austrália, este gesto foi visto como insultuoso..Desde então, Pequim torpedeou as relações comerciais entre ambos, no valor de 150 mil milhões de euros por ano. À exceção do minério de ferro, de que a indústria chinesa depende, o regime liderado por Xi Jinping pôs entraves às importações de cevada, vinho, carne, marisco, algodão, carvão ou cobre. A balança comercial pendia fortemente a favor da Austrália..Cheng Lei, a jornalista por detrás do último capítulo da guerra entre China e Austrália.Além das retaliações com tarifas e bloqueios não assumidos nas alfândegas, juntam-se as prisões arbitrárias dos australianos de ascendência chinesa Yang Hengjun, escritor, em janeiro de 2019, e de Cheng Lei, jornalista, em fevereiro de 2020. O ativista pelos direitos humanos está a ser julgado por espionagem e a pivô do canal chinês CGTN foi acusada de passar segredos de Estado. Além disso, há ainda um ator australiano, Karm Gilespie, condenado à morte por tráfico de metanfetaminas..Como que em resposta, a polícia apreendeu os computadores e telemóveis de quatro jornalistas chineses radicados na Austrália, que mais tarde voltaram para a China. Esta ação policial estava ligada a uma nova investigação sobre a influência chinesa na Austrália..Citaçãocitacao"Trata-se de investir na nossa maior fonte de força, as nossas alianças, e modernizá-las, para melhor respondermos às ameaças de hoje e de amanhã." Joe Biden, presidente dos EUA.As palavras do atual chefe do executivo australiano, Scott Morrison, envelheceram mal. Em novembro de 2018 garantia que o seu país não iria escolher lados entre os Estados Unidos e a China. Com a criação do pacto AUKUS (acrónimo em inglês com as iniciais da Austrália, Reino Unido e Estados Unidos), Camberra fez uma escolha clara..Esta nova aliança para a região do Indo-Pacífico representa uma partilha de informações e projetos nos campos de cibersegurança, inteligência artificial e computação quântica. E vai dotar a Austrália de mísseis de cruzeiro de longo alcance Tomahawk e de pelo menos oito submarinos de propulsão nuclear..O país será o sétimo no mundo, e o primeiro sem armas nucleares, com um submergível com essas capacidades. E será o segundo país, depois do Reino Unido em 1958, a receber tecnologia nuclear norte-americana. "Um submarino nuclear tem enormes capacidades de defesa e, por conseguinte, ramificações para a região. Têm uma capacidade dissuasora realmente poderosa", comentou à BBC Michael Shoebridge, do Instituto Australiano de Estratégia Política..Além da ameaça permanente a Taiwan, Pequim tem levado a cabo uma política agressiva no Mar do Sul da China, construindo ilhas artificiais e reclamando território que outros países dizem ser seu. "O futuro das nossas nações e de facto do mundo depende de um Indo-Pacífico livre e aberto que perdure e floresça nas próximas décadas", disse Joe Biden na apresentação do pacto AUKUS..Citaçãocitacao"A cooperação entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália em matéria de submarinos nucleares compromete seriamente a paz e a estabilidade regionais, intensifica a corrida aos armamentos e compromete os esforços internacionais de não-proliferação nuclear." Zhao Lijian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China.Sem surpresa, a China, que não foi referida diretamente por Biden, Morrison ou Boris Johnson, mostrou a sua indignação, ao qualificar de "extremamente irresponsável" a dotação de submarinos nucleares pela Austrália..A Nova Zelândia, parceira dos três países de língua inglesa no Five Eyes, sistema de partilha de informações, fez saber que não irá permitir a passagem de tais submarinos pelas suas águas territoriais..A conferência dos três dirigentes antecipou-se em horas ao anúncio da nova estratégia da União Europeia para o Indo-Pacífico, na qual o clube de 27 países procura reforçar os laços na região onde diz ser o "principal investidor, o principal parceiro de cooperação para o desenvolvimento e um dos maiores parceiros comerciais"..O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, disse que o AUKUS é a prova da importância de uma estratégia comum europeia e deu voz à frustração europeia sobre o tema. "Lamentamos não termos sido informados, nem termos participado nessas conversações. Compreendo como o governo francês ficará desapontado.".Citaçãocitacao"É realmente uma facada nas costas. Tínhamos estabelecido uma relação de confiança com a Austrália, e essa confiança foi traída. Estou irritado, com muito ressentimento, isto não se faz entre aliados." Jean-Yves Le Drian, ministro dos Negócios Estrangeiros da França.Paris não poupou nas palavras ao saber que a Austrália não vai cumprir o acordo de aquisição de 12 submarinos, um negócio assinado em 2016 por 31 mil milhões de euros, mas que cinco anos depois já estaria fixado em 50 mil milhões. "Trafalgar", "traição", "facada nas costas", foi como os políticos franceses reagiram. Os norte-americanos atiraram combustível ao fogo quando um funcionário da Casa Branca garantiu à AFP que os franceses foram informados do AUKUS. Um porta-voz da embaixada francesa em Washington desmentiu essa versão. "Fomos informados pelas notícias na imprensa.".cesar.avo@dn.pt