Jair Bolsonaro, que já estava inelegível até 2030, foi condenado na quinta-feira 11 de setembro por golpe de estado e mais quatro crimes a 27 anos de cadeia. É o fim político do ex-presidente? E da extrema-direita que ele lidera? Cientistas políticos ouvidos pelo DN concordam que a sentença do Supremo Tribunal Federal (STF) fere. Mas ainda não mata. Primeiro, porque o bolsonarismo é um movimento social forte, com, pelo menos, um presidenciável em boa posição nas sondagens, Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, e apoio explícito do governo dos EUA liderado por Donald Trump. Depois, porque a extrema-direita ainda acredita numa amnistia aos condenados votada e aprovada no Congresso. “O julgamento resultou na criminalização do bolsonarismo, disse que não há espaço para golpistas na democracia, logo o bolsonarismo sai claramente enfraquecido, apesar da tentativa dos deputados radicais de votar agora uma amnistia…”, diz Paulo Ramírez, professor da Fundação Escola de Sociologia e História. “Porém, essa amnistia deve acabar avaliada pelo mesmo STF que já deu indicação de que amnistiar golpistas é inconstitucional”. “Com Bolsonaro, as elites políticas territoriais que controlam os respectivos estados há muito tempo sem projeto político nacional ideológico, embora sejam ligadas ao conservadorismo, deslocaram-se para a direita, mas não vêem práticas disruptivas, como a tentativa de golpe e a amnistia, como interessantes, principalmente em época eleitoral, logo não vejo que essa amnistia possa prosperar”, acrescenta Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro.“Por outro lado”, diz a pesquisadora, “não parece que Bolsonaro tenha força e saúde para voltar a ser alternativa eleitoral depois de mais quatro anos sem cargo público, logo é necessário que alguém pegue no bolsonarismo como símbolo e não com o uso da pessoa física em si”.“Os governadores de direita que já se posicionam como presidenciáveis”, como os pré-candidatos declarados Ronaldo Caiado e Romeu Zema e o pré-candidato mais forte nas sondagens Tarcísio de Freitas, “vão tentar herdar os 49 milhões de votos de Bolsonaro”, diz Ramirez. “Mas já estão sofrendo ataques da família de Bolsonaro, e isso também enfraquece o bolsonarismo porque o fragmenta”.Porém, para Vinícius Vieira, professor de Ciência Política da Fundação Armando Álvares Penteado, “é ilusório pensar que um julgamento vá derrotar uma transformação social como o bolsonarismo que reúne forças relevantes como os saudosos da ditadura e o chamado ‘penta B’”. Bala, Boi, Bíblia, Brancos e BoçalO ‘penta B’, explica o politólogo, “vem de ‘Bala’, os polícias, militares e não só que defendem ‘bandido bom é bandido morto’, de ‘Boi’, ou seja o agronegócio que pode estar zangado com as tarifas do Trump mas não migra jamais para a esquerda, de ‘Bíblia’, os evangélicos que na maioria votam à direita e vêm Bolsonaro como um ungido e mártir, de ‘Brancos’, os que defendem a valorização da agenda do sul mais europeu sobre a do norte, mais diverso e supostamente sustentado pelo sul, e do sertanejo, por ser tipo country brasileiro, sobre o samba, e de ‘Boçal’, porque defendem terra plana e outras coisas”.“Além disso, a direita continuará a controlar o Congresso e já se fala até em nova Constituição, menos laica, logo a força da lei nada pode se a força social continuar do lado do Bolsonaro, o desafio do Brasil é fazer do bolsonarismo raiz uma franja de uns 10% e não os 20% atuais”, conclui.Esse bolsonarismo pode, como dito acima, ser representado por Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo. “Mesmo que haja uma amnistia geral, com Bolsonaro incluído, Tarcísio quer apresentar-se como salvador do bolsonarismo”, diz Ramírez. “Tanto que neste momento o acordo geral que se prepara à direita é amnistiar Bolsonaro sem que ele volte a fazer parte de eleições, é torná-lo apenas um ‘garoto propaganda’ de Tarcísio, mas isso irrita os bolsonaristas radicais porque o moderado governador de São Paulo é visto por eles como alguém só interessado no espólio eleitoral de Bolsonaro”. “Tarcísio sabe que os temas amnistia e golpe não são temas com apelo para o eleitor médio e moderado, que é quem vai decidir a eleição”, acrescenta Goulart. “E ele ganha força porque a expectativa de poder, tanto dos bolsonaristas como dos moderados do centrão, convergem para ele, assim como o mercado, que o vê como alguém do sistema”, diz Vinícius Vieira.Para o pesquisador, “a extrema-direita e Bolsonaro não estão, portanto, feridos de morte porque mesmo aqueles que não gostam tanto de Bolsonaro vão votar no candidato de direita e todos os possíveis candidatos de direita já disseram que vão indultar Bolsonaro”.O fator TrumpE ainda há o fator Trump. “O Trump e [o secretário de estado americano] Marco Rubio disseram que não estavam descartadas novas sanções económicas e uma porta-voz da Casa Branca disse mesmo que pode haver intervenção, além de económica, ou seja, embora pareça distante a possibilidade de intervenção militar, também é verdade que Trump é imprevisível e que ele pode financiar a extrema-direita por receio de que o Brasil sirva de guia para outros países, até porque as sanções económicas não têm resultado como se esperava porque a China tende a ocupar o vácuo comercial que se gerou”, lembra Ramírez. “A questão”, afirma Goulart, “é ver até onde Trump está a disposto a ir porque intervenções internacionais têm pouco impacto no eleitorado americano”. Vinícius Vieira vê Trump “aumentar sanções principalmente aos juízes que votaram contra Bolsonaro, além de Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e de Gilmar Mendes, o decano da corte”, depois de ter atacado antes Alexandre de Moraes, relator do processo de golpe, com a Lei Magnitsky, que sanciona estrangeiros. “E, em paralelo, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente que vai fazendo lóbi nos EUA pelo pai, já falou da hipótese de Trump enviar caças para o Brasil…”. .Bolsonaro condenado. O que acontece agora? .Bolsonaro condenado a 27 anos de prisão