O presidente ucraniano disse na segunda-feira à noite que vai partilhar nesta terça-feira com os Estados Unidos a sua versão revista do plano de paz após encontros com líderes aliados em Londres e em Bruxelas. Na questão fundamental — a cedência de território —, Volodymyr Zelensky não se afastou do que uma e outra vez tem dito: “Não temos qualquer direito legal de o fazer, ao abrigo da lei ucraniana, da nossa Constituição e do direito internacional. E também não temos qualquer direito moral.” No domingo à noite, o presidente dos Estados Unidos mostrou-se de novo agastado com Zelensky. “A Rússia, suponho, preferiria ter o país inteiro [a Ucrânia], se pensarmos bem. Mas a Rússia está, acredito, de acordo [com o plano dos EUA], mas não tenho a certeza se Zelensky está. O seu povo adora [o plano], mas ele ainda não o leu”, disse Donald Trump. Segundo declarações de um alto funcionário europeu ao site Politico, Washington está a pressionar Kiev para aceitar a perda de território, inclusive aquele que a Rússia não conseguiu pela via militar, ou seja, cerca de 30% da região do Donbass. Essa é também uma exigência de Moscovo para se alcançar um acordo de paz. Na semana passada, Vladimir Putin disse que, de “uma maneira ou de outra” iria capturar (ou “libertar” segundo a sua terminologia) a totalidade do Donbass e do que chama de Nova Rússia, o que inclui as regiões de Kherson, Odessa, Dnipropetrovsk e Kharkiv. Se para já se contentasse com o Donbass, a Ucrânia teria de abrir mão não só de Pokrovsk, mas das cidades de Kramatorsk e Sloviansk, postos avançados da defesa do país no leste. “No que diz respeito à questão territorial, os norte-americanos são simples: a Rússia exige que a Ucrânia ceda territórios, e os norte-americanos continuam a pensar em como fazer isso acontecer”, disse ao Politico a referida fonte europeia. “Os americanos insistem que a Ucrânia deve abandonar o Donbass de uma forma ou de outra”, acrescentou.Antes de se encontrar com o primeiro-ministro britânico Keir Starmer, o chanceler alemão Friedrich Merz e o presidente francês Emmanuel Macron, Zelensky reconheceu em entrevista à Bloomberg a existência de dois pontos que tornam o acordo ainda longínquo: a questão territorial e as garantias de segurança dos Estados Unidos. “Existem visões dos EUA, da Rússia e da Ucrânia e não temos uma posição unificada sobre o Donbass,” disse. Além disso insistiu na questão das garantias de segurança. “Há uma questão à qual eu - e todos os ucranianos - queremos obter resposta: se a Rússia voltar a iniciar a guerra, o que farão os nossos parceiros?”..“Estou cético em relação a alguns dos pormenores que estamos a ver nos documentos provenientes do lado dos EUA. Este poderá ser um momento decisivo para todos nós, pelo que prosseguimos no nosso apoio à Ucrânia. O destino deste país é o destino da Europa.”Friedrich Merz.Já em Bruxelas, onde se encontrou com o secretário-geral da NATO e a liderança da UE, voltou ao tema: “As garantias de segurança mais sólidas que podemos obter vêm dos Estados Unidos. Não estamos a falar do Memorando de Budapeste, nem de promessas vazias, mas sim de compromissos juridicamente vinculativos - votados pelo Congresso dos EUA.” Zelensky disse que as garantias de segurança europeias “estão praticamente prontas”, mas voltou a exprimir as suas dúvidas: “O essencial é saber a que estarão dispostos os parceiros em caso de nova agressão russa. Até agora, não recebi resposta a esta questão.” Outro tema que terá estado em cima da mesa é o financiamento da Ucrânia com o recurso a um empréstimo de reparações equivalente ao montante dos ativos russos congelados. No entanto, nada transpareceu sobre o tema no dia em que sete países europeus apelaram para uma rápida aprovação do empréstimo. Costa rejeita interferência dos Estados Unidos.Depois de uma reação diplomática, por parte da alta representante Kaja Kallas, a União Europeia reagiu por fim à nova estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos. E fê-lo através do presidente do Conselho, António Costa, que criticou o documento conhecido na sexta-feira e que deixou a Europa em choque. “Com efeito, esta estratégia [dos EUA] continua a falar da Europa como um aliado. Isso é positivo. Mas se somos aliados, devemos agir como aliados. E os aliados não ameaçam interferir na vida democrática ou nas escolhas políticas internas desses aliados, respeitam a soberania uns dos outros”, disse Costa durante a sua intervenção na conferência anual do Instituto Jacques Delors, em Paris. “Precisamos concentrar-nos em construir uma Europa que compreenda que as relações entre aliados e as alianças pós-Segunda Guerra Mundial mudaram”, prosseguiu. Ao que recusou a passagem do documento na qual se afirma que Washington deve “ajudar a Europa a corrigir a sua trajetória atual”, incluindo através de “cultivar a resistência” em cada um dos países, em particular através da “crescente influência dos partidos europeus patrióticos”, leia-se de extrema-direita, que são um “motivo de grande otimismo.” Continuou o português: “Não podemos aceitar essa ameaça de interferência na vida política da Europa. Os Estados Unidos não podem substituir os cidadãos europeus na decisão de quais são os partidos certos e os partidos errados.” Essa interferência não é uma vaga ameaça: desde fevereiro, quando o vice J.D. Vance se encontrou com a líder da Alternativa para a Alemanha (AfD) em plena campanha eleitoral, membros da administração Trump têm dado apoio claro a dirigentes de partidos extremistas europeus, em linha com os repetidos ataques do bilionário Elon Musk à União Europeia. Sobre este, que disse que a UE devia ser abolida após a sua empresa X (ex-Twitter) ter sido multada em 120 milhões de euros por falta de transparência, Costa disse: “Os EUA não podem substituir a Europa na sua visão da liberdade de expressão. A nossa história ensinou-nos que não há liberdade de expressão sem liberdade de informação. E a liberdade de informação existe onde há respeito pelo pluralismo. Não haverá liberdade de expressão se a liberdade de informação dos cidadãos for sacrificada para defender os oligarcas tecnológicos dos Estados Unidos.”Mudanças na recrutaNo início do ano, durante a audiência de confirmação no Senado, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, alertara para o que considerara ser o verdadeiro problema da Ucrânia: “Não é que falte dinheiro, o que falta são ucranianos.” Enquanto as notícias indicam que a Rússia mobilizou mais de 700 mil soldados no total da linha da frente, tendo agora mais de 120 mil em Stepnohirsk, no sudeste de Zaporíjia, por exemplo, a Ucrânia tem cada vez mais dificuldades em suprir as necessidades para se defender. Na segunda-feira, o chefe das Forças Armadas anunciou mudanças no treino para recrutas. “O inimigo continua a avançar, por isso não temos outra alternativa senão reforçar a nossa defesa e fortalecer o nosso exército para continuar a repelir a agressão em grande escala da Rússia”, escreveu Oleksandr Syrsky no Facebook. O general anunciou que a duração do treino básico dos recrutas será aumentada para 51 dias, enquanto períodos de treino especializado e de adaptação também estão a ser introduzidos. Por outro lado, para melhorar a segurança dos novos soldados, a formação vai ser afastada da linha da frente para locais do centro e do oeste do país. Syrsky disse ainda ter dado instruções para que esses locais tenham abrigos para não se tornarem alvos fáceis do inimigo.Sucessor de YermakO cargo de chefe de gabinete da presidência - que na prática correspondeu a número dois do presidente - continua por ocupar, após a demissão de Andriy Yermak, no final do mês passado. Segundo meios de comunicação ucranianos, Zelensky disse que na lista de possíveis sucessores constam os nomes do ex-primeiro-ministro e atual ministro da Defesa Denys Shmyhal, o ministro da Transformação Digital Mykhailo Fedorov, o chefe do serviço de informações militares ucraniano Kyrylo Budanov, o vice-chefe do gabinete da presidência Pavlo Palisa, e o primeiro vice-ministro dos Negócios Estrangeiros Sergiy Kyslytsya. Yermak apresentou a demissão na sequência de buscas realizadas a sua casa pelas agências anticorrupção, ao que se sabe relacionadas com uma investigação a um esquema de corrupção da agência de energia do país.