Análise. O dilema do Irão: retaliar contra Trump com que força?
Ainda a guerra com Israel mal tinha começado, e o Irão tinha já ameaçado os países ocidentais de retaliação se viessem em auxílio do inimigo. Depois, quando começou a haver séria hipótese de os Estados Unidos atacarem também, o líder supremo do Irão, Ali Khamenei, ameaçou os americanos com “danos irreparáveis” se Donald Trump desse a ordem de bombardear o Irão. Agora que três instalações nucleares foram efetivamente atacadas, é o ministro dos Negócios Estrangeiros, Abbas Araghchi, a garantir que a ação americana terá “consequências duradouras”. Dificilmente o Irão não retaliará, pois, com a dúvida a ser sobretudo com que força e com que objetivo. E quando?
Donald Trump anunciou o ataque, teve palavras contundentes contra o Irão, que classificou como “o rufia do Médio Oriente”, e exigiu que aceitasse negociar a paz. Deu também a entender, que a intervenção americana ficaria por aqui se o regime dos ayatollahs procurasse a paz. Um ultimato.
Do historial da relação de Trump com o Irão sobressai a sua oposição ao acordo nuclear negociado pelo seu antecessor na Casa Branca, Barack Obama, e também a ordem, durante o primeiro mandato, de matar o general Qassem Soleimani, uma alta figura dos Guardas da Revolução, envolvido no apoio às milícias xiitas no Iraque, que atacaram bases americanas. O ataque foi feito em janeiro de 2020 com drones durante uma visita do militar iraniano a Bagdad. O Irão prometeu de imediato vingança, dizendo que estava a estudar vários cenários de retaliação, e no dia seguinte lançou mísseis contra duas bases americanas no Iraque, mas sem causar baixas. O entendimento na época foi de que a resposta iraniana quis evitar uma escalada.
Se Israel é “o pequeno satã” para o Irão pós-Revolução Islâmica de 1979, os Estados Unidos são “o grande satã”. Americanos e iranianos eram aliados durante os tempos da monarquia, mas depois do derrube do xá Reza Pahlavi tornaram-se inimigos figadais, com o episódio dos reféns da embaixada dos Estados Unidos em Teerão a marcar uma desconfiança quase total que dura até hoje. Não há sequer relações diplomáticas. Mas as negociações durante a administração Obama, para vigiar o programa nuclear iraniano e garantir que era civil e não nuclear, mostram que houve sempre canais de comunicação. E há mesmo o bizarro episódio Irão-Contras, quando Ronald Reagan era presidente dos Estados Unidos e o ayatollah Khomeini o líder do Irão, a envolver a venda de armas aos iranianos, em guerra com o Iraque, em troca da libertação de reféns americanos nas mãos do Hezbollah no Líbano. Pelo meio, o dinheiro de Teerão serviria para Washington financiar os rebeldes que combatiam o regime comunista na Nicarágua.
Também houve momentos ocasionais de coincidência de interesses entre os Estados Unidos e o Irão quando se tratou de contrariar o jihadismo sunita, seja da Al-Qaeda após o 11 de Setembro, seja mais recentemente com a ameaça do Estado Islâmico, que chegou a controlar territórios no Iraque e na Síria, e tinha como alvos o Ocidente e Israel, mas também o xiismo, o ramo do islão que é maioritário no Irão.
Para uma eventual retaliação, o Irão terá, tal como em 2020, as bases americanas no Médio Oriente como alvo prioritário. Também pode aproveitar a oferta de ataque a navios americanos no mar Vermelho feita pelos seus aliados no Iémen, os Houthis. E certamente haverá mais cenários em cima da mesa, como bloquear o estreito de Ormuz e criar uma crise petrolífera, mas isso poria meio mundo contra o Irão e afetaria mais alguns dos seus aliados, como a China, dos que os próprios Estados Unidos.
Mas se retaliar é vital para a imagem do regime (tem recursos para isso, depois de dez dias de guerra com Israel?), também uma estratégia para evitar uma guerra total com os Estados Unidos tem de estar a ser debatida, e certamente é defendida por alguns nos círculos de poder em Teerão, que não é monolítico e também joga a sobrevivência. Para isso, devem estar também a tentar perceber qual a determinação de Trump, presidente que sempre se disse avesso a envolver-se em guerras e que tem uma substancial parte da sua base de apoio no eleitorado americano contrária a um conflito com o Irão, por muito que seja solidária com Israel.
Israel também é um fator a ter em conta. Considerará que o objetivo prioritário de eliminar a ameaça nuclear iraniana foi conseguido depois dos ataques americanos? Se sim, haverá mais margem para Trump tentar que a diplomacia se siga aos bombardeamentos. A pressão está toda agora sobre os líderes iranianos.