Internacional
22 janeiro 2022 às 07h00

Com saída dos militares russos e limpeza dos aliados de Nazarbayev, Tokayev sai reforçado da crise

Presidente levantou o estado de emergência e demitiu o ministro da Defesa, alegando que este mostrou "falta de liderança" na violência, que o levou a pedir ajuda a Moscovo.

Duas semanas depois de terem entrado no Cazaquistão para ajudar a conter os protestos contra o regime, os mais de dois mil militares russos deixaram o país. A sua missão estava cumprida: travaram a violência que o presidente cazaque Kassym-Jomart Tokayev atribuiu a "terroristas" com laços internacionais, acusando e prendendo vários antigos aliados do ex-presidente Nursultan Nazarbayev por tentativa de golpe. Com a saída dos russos e a limpeza que fez aos próximos do antecessor, Tokayev sai reforçado da crise.

No início do ano, as manifestações contra o aumento do gás de petróleo liquefeito nesta antiga república soviética transformaram-se num protesto violento contra o regime, que resultou na morte de pelo menos 225 pessoas - incluindo 19 membros das forças de segurança. Este é o balanço oficial, mas as organizações de defesa dos direitos humanos alegam que são mais, dizendo que há muitos desaparecidos. A violência levou o presidente a pedir ajuda a Moscovo e à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), que enviou pela primeira vez uma missão de manutenção de paz, com as tropas russas e de outras ex-repúblicas soviéticas a entrar no dia 6 de janeiro.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, tinha alertado Tokayev que "por vezes era difícil" fazer com os russos saíssem, depois de terem sido convidados a entrar. Desde a independência em 1991, que o Cazaquistão sempre manteve uma política de relativa independência em relação à Rússia, à China e aos EUA, três potências com quem mantém boas relações muito por ser um país rico em petróleo. O facto de ter pedido ajuda a Moscovo fez tombar a balança de poderes ligeiramente para o lado da Rússia. O Kremlin deixou contudo claro na quarta-feira que não iria interferir nos "assuntos internos" cazaques e que o presidente Vladimir Putin mantém "relações cordiais" tanto com Tokayev como com Nazarbayev.

O ex-presidente de 81 anos, que esteve quase 30 à frente dos destinos do país e escolheu a dedo o sucessor, quebrou esta semana o silêncio, vindo a público negar um conflito com Tokayev. Dizendo ser só um "pensionista" e que o presidente tem o "controlo total", considerou a violência como "uma lição para todos". Durante os protestos, grande parte da revolta foi dirigida a Nazarbayev, cuja família mantinha cargos importantes no governo e em empresas, com Tokayev a afastá-lo do último posto de poder que detinha (o de líder do Conselho de Segurança Nacional). Na quarta-feira a demissão, e consequente nomeação de Tokayev para lhe suceder também aí, foi apoiada pelo Parlamento cazaque.

Numa série de medidas económicas apresentadas ontem, o presidente prometeu enfrentar os oligarcas, defendendo o fim dos "monopólios artificiais". Tokayev disse ainda que quer reduzir o papel do Estado na economia e uma nova política fiscal, que passa por aumentar os impostos às grandes empresas.

A saída das últimas tropas russas coincidiu com o fim do estado de emergência - mas as operações antiterroristas irão continuar - e com a demissão do ministro da Defesa. Murat Bektanov foi acusado por Tokayev de "falta de liderança" e de não ter sido capaz de responder à violência, obrigando a pedir ajuda à OTSC (que Moscovo sempre comparou à NATO). O facto de esta ter sido destacada pela primeira vez para lidar com uma alegada ameaça a um regime abre entretanto um precedente e deixa aberta a porta a missões futuras.

susana.f.salvador@dn.pt