Internacional
17 julho 2021 às 05h00

Alemães ainda contam os mortos, mas cheias já marcam pré-campanha

Mais de cem pessoas morreram só na Alemanha, onde políticos já dizem que é preciso acelerar o combate às alterações climáticas. Eleição do sucessor de Merkel é em setembro.

A água subiu rapidamente, trazendo destruição e mortes: pelo menos 103 na Alemanha e 20 na Bélgica. A limpeza durará semanas. "As águas estão a regredir e isso mostrará a verdadeira dimensão da tragédia", disse o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, apelando à "unidade nacional". Os resgates ainda estão a decorrer, havendo mais de 1300 pessoas desaparecidas - a falta de energia e de rede de telemóvel nas zonas mais afetadas não ajudam, com as autoridades a acreditar que há muitos casos de duplicação de nomes.

E a situação ainda não está controlada. Ontem, várias casas colapsaram por causa de um deslizamento de terras na localidade de Erftstadt, a sul de Colónia (a maior cidade do estado da Renânia do Norte-Vestefália). Os socorristas estavam com dificuldades em ajudar os residentes que, apesar dos alertas, tinham voltado às suas casas. "Regressar é correr risco de vida", lembrou um porta-voz do governo distrital de Colónia, apelando às pessoas que não voltem ainda.

Malu Dreyer, chefe do governo da Renânia-Palatinado (o outro estado mais afetado), disse à televisão pública que os danos são inconcebíveis. "O sofrimento não para de crescer. O nosso estado nunca viu nada assim", afirmou a responsável, do Partido Social-Democrata (SPD, parceiro do governo da CDU de Angela Merkel). "As alterações climáticas já não são mais abstratas. Estamos a experienciá-las de perto e dolorosamente", disse, acusando o maior partido da coligação de travar os esforços para uma maior redução dos gases de efeito de estufa na Alemanha.

Em 2002, os media alemães apelidaram as cheias no rio Elba, que causaram a morte a 27 pessoas no leste do país, como algo que acontecia "uma vez num século". Mas menos de duas décadas depois, o cenário é ainda pior, com imagens de localidades inteiras desfeitas, em alguns casos como se um tsunami tivesse passado. O tabloide Bild fala nas "cheias da morte".

Enquanto ainda se procuram os desaparecidos (outros estados que escaparam à tragédia estão a enviar meios e os militares também estão no terreno), se segue de perto a situação das barragens à procura de sinais de ruturas (muitas já transbordaram) e se começam as operações de limpeza, antecipa-se um debate complicado tendo em vista as eleições de 26 de setembro, nas quais se elege o sucessor ou sucessora de Merkel. O tema do combate às alterações climáticas marcará a campanha, com o atual ministro do Interior, Horst Seehofer (da CSU, os aliados bávaros da CDU), a reconhecer que a Alemanha deve "preparar-se muito mais" para lidar com este problema.

Armin Laschet, o atual líder da CDU e candidato a chanceler, é o chefe do governo da Renânia do Norte-Vestefália e também já veio dizer que é preciso "acelerar" os esforços para combater as alterações climáticas. Contudo, tem sido criticado por querer adiar o mais possível a eliminação gradual do carvão - os planos do atual governo são que esta seja concluída até 2038, com os ambientalistas a dizer que será demasiado tarde, sendo que os Verdes, em segundo lugar nas sondagens, querem que seja até 2030. "Peço desculpa, só por causa de um dia como hoje, não mudamos a política", disse Laschet na televisão, quando foi questionado sobre o tema. Para a emissora alemã Deutsche Welle, esta é uma resposta que poderá deixar marca.

O próprio presidente Steinmeier lançou um apelo: Só se nos comprometermos de forma decisiva na luta contra as alterações climáticas poderemos controlar as condições meteorológicas extremas como as que vivemos atualmente."

O primeiro-ministro belga, Alexander De Croos, disse que estas inundações são as "mais catastróficas" a atingir o país, falando de um "desastre sem precedentes". E anunciou um dia de luto nacional - 20 de julho. Na Bélgica, já tinham ontem sido contabilizados 20 mortos. Bruxelas pediu ajuda aos parceiros da União Europeia, ao abrigo do Mecanismo Europeu de Proteção Civil, tendo França, Áustria e Itália enviado meios e equipas para ajudar nas buscas nas zonas afetadas.

A chuva forte também causou danos na Suíça, no Luxemburgo e nos Países Baixos, sendo que o primeiro-ministro nerrlandês, Mark Rutte, declarou a província de Limburgo, no sul, "zona de desastre", por causa do aumento dos caudais dos rios Mosa e Rur. Cerca de dez mil habitantes da cidade de Venlo receberam ordens para deixar as suas casas, com os militares neerlandeses a ajudarem na evacuação.

susana.f.salvador@dn.pt