"A casa dos albaneses pertence a Deus e aos convidados.” A frase faz parte daquela que pode ser considerada a primeira constituição da Albânia, que remonta aos tempos da Idade Média, mas continua muito presente hoje, num país que se orgulha de receber de portas abertas. E foi lembrada pelo primeiro-ministro albanês, Edi Rama, para falar de como nas suas fronteiras acolheu milhares de iranianos ou de afegãos que fugiram à guerra nos seus países. Contudo, quando se trata de falar do acordo com o governo italiano para acolher os polémicos centros de migrantes, é principalmente à “relação especial” entre Albânia e Itália que o responsável faz referência..“Temos muito boas relações com muitos países, mas com a Itália é diferente. É uma relação muito próxima do ponto de vista histórico, mas também na atualidade, que se materializou no enorme apoio que a Itália deu à Albânia”, referiu Edi Rama, num encontro com jornalistas portugueses em Tirana. A viagem, a convite da Representação da Comissão Europeia em Portugal, tinha como foco o processo de alargamento europeu, mas o primeiro-ministro não recusou responder a outras perguntas. .A Itália, referiu Edi Rama, “foi sempre a primeira a ajudar-nos em situações muito dramáticas que tivemos durante o período de transição”. E deu o exemplo da crise dos esquemas de pirâmide de 1997, “que corria o risco de destruir o país” ou os terramotos como o de 2019. “Itália esteve sempre lá para nós e uma parte importante da nossa população vive em Itália”, contou, falando deste país como uma espécie de “terra de sonho de reserva” para os albaneses. “Quando a Itália nos pede algo, e não pede muitas vezes, temos que ajudar”, disse, lembrando também que não há disponibilidade para fazer o mesmo com outros países europeus. .A deputada opositora Jorida Tabaku, cujo partido é mais próximo do Força Itália e dos Irmãos de Itália de Giorgia Meloni do que em teoria os socialistas de Edi Rama, referiu-se a Itália como um “parceiro estratégico”, insistindo que é “diferente de outros países”. Mas não disse claramente se teria feito diferente ou se também teria dito sim a Meloni, explicando que agora é tarde para isso e que o acordo já existe. .Tabaku explicou aos jornalistas portugueses que a oposição tentou lidar com o tema de forma a não alienar os albaneses em Itália e garantir que não fossem usados politicamente, apesar de ter questionado o acordo junto do Tribunal Constitucional. A deputada opositora questiona que o primeiro-ministro tenha, na prática, entregado a soberania de um pedaço de terra aos italianos sem maior discussão política..O governo de Giorgia Meloni criou na Albânia dois centros para o acolhimento dos migrantes ilegais apanhados no Mediterrâneo, que tinham como objetivo permitir fazer uma triagem entre aqueles que tinham direito a entrar em Itália e os que tinham que ser devolvidos aos respetivos países. Ao abrigo do acordo, que custará 670 milhões de euros aos italianos até 2029, até três mil migrantes por mês podem ser acolhidos na Albânia e ficar nos centros totalmente geridos pelas autoridades de Roma..Mas, até agora, os centros - que até a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse serem um modelo a equacionar - não estão a funcionar. Desde que abriram, a 11 de outubro, só 24 requerentes de asilo foram enviados para a Albânia. Mas todos acabaram transferidos de volta para Itália, porque os juízes italianos consideraram que a medida não é legal. Uma decisão de recurso é esperada a 4 de dezembro, sendo que o tema também será discutido no Tribunal da Justiça da União Europeia. Ontem, o site Euroactiv revelava que a maioria do pessoal das forças de segurança italianos já tinha voltado a Itália, assim como os assistentes sociais da organização que gere os centros, a Medihospes. .Edi Rama insistiu que não queria “dar lições” à UE, explicando que não cabia à Albânia recusar algo que já tinha luz verde do bloco - fazer a triagem dos migrantes e reenviá-los para os seus países de origem, se for esse o caso. Mas criticou a política migratória europeia, lembrando que o fenómeno da imigração “é muito maior do que qualquer outra coisa” e não pode ser enfrentado se for usado “como combustível nas disputas políticas de todos os países”. Até porque, no final, “a chamada direita e a chamada esquerda no governo não fazem coisas muito diferentes”. .Edi Rama lembra as previsões catastróficas em matéria de demografia, insistindo que não é viável abrir as portas a todos, mas também não é viável construir muros. O primeiro-ministro albanês defende uma maior cooperação com os países de origem, explicando contudo que isso é difícil quando a Europa perdeu terreno para outros atores internacionais em África, por exemplo. .A deputada opositora também defende que os centros não são a solução para a União Europeia. “Acredito que a solução para o problema da migração é o que Meloni disse quando estava na oposição. A imigração não pode ser combatida em campos. A imigração não pode ser combatida com muros. A imigração tem que ser combatida na origem. E espero não mudar a minha opinião quando estivermos no poder, como Meloni fez. Mas a solução do campo não é uma solução a longo prazo”, insistiu Tabaku. .Aleks Vangjelofski nasceu há 30 anos no leste da Albânia, foi viver aos sete para Itália, estudou em França e trabalhou na Alemanha e na Suíça. Agora é um dos alunos do primeiro curso do Colégio da Europa em Tirana, que reúne estudantes de várias nacionalidades interessados em ver por dentro como funciona o processo de integração e, se tudo correr bem, um dia trabalharem nas instituições europeias ou nos respetivos governos em temas europeus. .“A Itália e a Albânia são amigas há muitos anos”, disse à margem do encontro com os jornalistas, respondendo a uma pergunta do Expresso. “Meloni usou a abertura dos centros como forma de avançar na sua política, mas não é muito útil, se formos ver os custos e benefícios”, explicou Vangjelofski - os primeiros oito migrantes a chegar custaram, cada um, mais de 31 mil euros e ficaram na Albânia menos de 24 horas. “Mas só com uns poucos ela pode dizer publicamente, ‘vejam, eles não estão a vir para Itália’”, referiu. .Por outro lado, da parte da Albânia, Vangjelofski diz que Edi Rama jogou com a carta da “amizade” porque Itália é um dos países fundadores da União Europeia e uma das suas maiores economias. “E na Albânia não muda nada, porque é a Itália que paga tudo”, insistiu, dizendo que para os albaneses esta questão não tem importância..Centro Nacional.A manhã está chuvosa e o pátio do Centro Nacional para a Receção de Refugiados, em Babrru, nos arredores de Tirana, está vazio. Não havia sinal das 22 pessoas que estavam na altura centro, que tem capacidade para 220 e nada tem a ver com o italiano (onde os migrantes ficam alojados em contentores, a avaliar pelas fotos do local)..É para este centro que os estrangeiros que chegam à fronteira albanesa e pedem asilo são levados - por lei as autoridades têm entre seis e 21 meses para decidir. Mas a Albânia tem a noção que é um país de trânsito, de quem quer ir principalmente para a UE. Quem ali passa não está preso, tem autorização para sair entre as 9.00 e as 22.00, segundo o diretor do centro, Ermir Alicka..O edifício principal está vazio e cheira a mofo de estar fechado. Os quartos têm três beliches, seis camas no total, mas os atuais residentes estão nas casas térreas ao lado do pátio e não no edifício novo, construído em 2017 com dinheiro da União Europeia. À saída, sinal de vida. Duas crianças iranianas brincam no parque infantil, indiferentes ao grupo de portugueses que por ali passa..A jornalista viajou a convite da Representação da Comissão Europeia em Portugal