Hitler a passar revista a tropas junto do rio Oder.
Hitler a passar revista a tropas junto do rio Oder.ARQUIVO DN

A polémica sobre o documentário que reforça a teoria do micropénis de Hitler

Documentário que vai ser exibido no Channel 4 britânico fez análise de uma amostra de ADN do ditador e também conclui que Hitler não tinha ascendência judaica, contrariando rumores persistentes.
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A estreia do documentário Hitler’s DNA: Blueprint of a Dictator, (O ADN de Hitler, a impressão digital de um ditador), agendada para o próximo sábado (15 de novembro)  no Channel 4 britânico, reacendeu uma das discussões mais controversas sobre a figura de Adolf Hitler. O programa apresenta o que descreve como a primeira análise completa ao ADN do líder nazi e conclui que ele sofria de síndrome de Kallmann, uma doença genética rara que impede a progressão normal da puberdade e pode causar níveis baixos de testosterona, testículos não descidos e, em alguns casos, um pénis de dimensões reduzidas.

Segundo os produtores da Blink Films, a equipa confirmou a autenticidade de uma amostra de sangue retirada por um soldado americano do sofá onde Hitler se suicidou em 1945, através da comparação com o ADN de familiares reconhecidos. A análise, conduzida pela geneticista britânica Turi King, conhecida por ter identificado os restos mortais de Ricardo III, procurou compreender o impacto da biologia no comportamento de um dos ditadores mais estudados da História.

“Agonizei com esta decisão”, admitiu King, citada pela imprensa britânica. “Mas sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, alguém o iria fazer. Preferi garantir que fosse feito com rigor científico. Não fazê-lo seria colocá-lo num pedestal.”

A investigação, apresentada como um marco de “arqueogenética forense”, também conclui que Hitler não tinha ascendência judaica, contrariando rumores persistentes desde os anos 1930 – ainda recentemente repetidos pelo ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, em 2022, quando tentou justificar o motivo declarado pela Rússia para invadir a Ucrânia - “desnazificar” o país -, um esforço complicado pelo facto de o presidente ucraniano ser judeu. Mas, embora as análises anteriores do ADN de familiares de Hitler sugerissem que ele poderia ter algumas ligações genéticas com grupos que procurava destruir, a nova análise levada a cabo por este documentário, feita com o próprio ADN de Hitler, mostra apenas ascendência austríaca-alemã.

Por outro lado, a análise genética ao ditador alemão sugere predisposições para autismo, esquizofrenia e bipolaridade, embora os cientistas ressalvem que isso não é suficiente para estabelecer diagnósticos.

“Hitler estava no patamar de 1% superior em autismo, no 1% superior em esquizofrenia e no 1% superior em doença bipolar: a sua pontuação está no limite superior das pontuações poligénicas para cada uma destas condições”, revelaram os produtores do documentário, na promoção do Channel 4.

Mas, citado também no documentário, o psicólogo Simon Baron-Cohen (pai do famoso ator Sacha Baron-Cohen), da Universidade de Cambridge, alerta para o perigo de se associar a crueldade de Hitler a doenças mentais, sublinhando a importância de não se estigmatizar pessoas diagnosticadas com essas patologias.O comportamento nunca é 100% genético”, disse. “A vasta maioria das pessoas com estas condições não é violenta nem cruel, muitas são mesmo o oposto.”

O documentário do Channel 4 promete provocar polémica, também, sobre as alegadas características sexuais de Hitler. Histórias da Primeira Guerra Mundial sugeriam que o jovem Adolf sofria de bullying por causa do tamanho dos seus genitais - e a condição genética agora desvendada pela análise ao seu ADN reforça a teoria, atribuindo uma probabilidade de 10% de que o ditador tivesse, de facto, um micropénis e testículos subidos, por ser portador do síndrome de Kallmann. Um exame médico de 1923, descoberto em 2015, já indicara que Hitler tinha também um testículo não descido, dando credibilidade a uma canção depreciativa que lhe dedicavam em tempo de guerra, sobre o facto de ter apenas “um tomate”.

O historiador Alex J. Kay, da Universidade de Potsdam, argumenta que o distúrbio hormonal poderá explicar a ausência de vida íntima de Hitler. “Outros líderes nazis tinham esposas e amantes. Hitler não. Isso pode ajudar a compreender a sua total dedicação à política”, disse no programa.

Ainda assim, num artigo publicado na revista Prospect, o mesmo Kay reconhece que não se pode extrapolar o significado dos resultados genéticos agora conhecidos: “Para que fique claro sobre o que o ADN de Hitler pode dizer-nos e o que não pode: nenhuma tentativa de explicar o homem que ele se tornou e a extrema desumanidade que demonstrou pode ser reduzida a uma questão de genética. Fatores ambientais e sociais desempenharam um papel central”, sublinha, lembrando o contexto pessoal e histórico em que cresceu o ditador. “Nascido na província da Áustria em 1889, ele teve uma infância muito traumática, sofrendo abusos nas mãos do pai e perdendo quatro dos seus cinco irmãos, além de ambos os pais, antes dos 19 anos. Mais tarde, escreveu em Mein Kampf que a morte da sua mãe havia sido "um golpe terrível". Vivenciar tal perda durante os anos de formação teria um efeito duradouro em qualquer pessoa. Esses eventos foram, sem dúvida, tão significativos em sua formação quanto seus genes”, escreve.

"Ciência de entretenimento"

Mas as críticas ao anunciado documentário também não se fizeram esperar entre a comunidade científica. Na revista New Scientist, Michael Le Page assina um texto severo no qual acusa o Channel 4 de sensacionalismo e de “fazer ciência de entretenimento”, acrescentando que a série “não acrescenta nada de útil” ao entendimento histórico do ditador.

“Sequenciar o ADN de Hitler para chamar a atenção é perder completamente o rumo”, escreve. “Implica um determinismo genético perigoso, como se Hitler tivesse sido programado para o mal pelos seus genes. Isso é pseudociência.”

Na mesma análise, Le Page lembra que mesmo entre gémeos idênticos, que partilham o mesmo ADN, as diferenças de personalidade e comportamento são enormes. “A genética não explica o genocídio”, sublinha.

Também a propósito do documentário, lembra Thomas Weber, professor da Universidade de Aberdeen (Escócia): “A composição genética de extremistas e não extremistas é, em média, a mesma. Simplesmente não existe um gene ditador. Nem o DNA de Hitler, ou o DNA de qualquer outro tirano, é o modelo de um ditador.

E acrescenta: “O que precisamos fazer com os resultados da análise de DNA de Hitler é o que nós, como historiadores, fazemos com qualquer fonte: aplicar a crítica de fontes, usá-las com extrema cautela e sobriedade, compará-las com outros relatos e calibrá-las.”

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