Apesar de este ser muito mais do que um livro de memórias da carreira do embaixador Luís Filipe Castro Mendes, comecemos pelos Países Estrangeiros que lhe dão título. O seu primeiro posto como diplomata foi em Angola, em 1977. Mas não era a sua primeira vez em Luanda… Estive em Luanda em 1975. Eu era secretário do coronel Melo Antunes e foi uma missão, um pequeno grupo de militares e diplomatas que foi tentar fazer uma ponte entre o MPLA e a UNITA. Os Acordos de Alvor estavam a ser violados. A posição portuguesa era muito difícil, todos os dias sabíamos que havia enfrentamentos. A África do Sul já estava a começar a invadir. Os portugueses a fugir. Era tudo contra o que se tinha combinado em Alvor. Estava, no entanto, ainda, o governo de transição. Essa é a minha primeira viagem a Angola.Volta em 1977, como diplomata.Vou em posto. Em 77, há um encontro do ministro José Eduardo dos Santos com o ministro Medeiros Ferreira e reabrem-se as relações diplomáticas. Mas a chancelaria estava em construção e a residência estava em obras. Portanto, fomos para um hotel chamado Panorama, que ficava na ilha em frente da cidade. Estávamos lá quando, no dia 27 de maio, começámos a ouvir tiros. Era a cidade toda aos tiros. A rádio tinha sido ocupada pelos Nitistas e estava a dar proclamações revolucionárias de mudanças no MPLA, que o MPLA estava a trair o povo. Não era para derrubar o MPLA, porque era uma fação contra outra, mas era para purificar, para regenerar o MPLA. Portanto, rádio revoltosa, tiros na cidade e os hóspedes do hotel diziam para não irmos para a cidade. Telefonei para a embaixada, atendeu uma secretária. As funcionárias eram todas da Administração portuguesa e tinham ficado. Pergunto à Julieta se foram trabalhar. E ela: “Viemos sim, senhor doutor, sabe, nós estamos habituados, já vivemos as confrontações há muito tempo, já tivemos muitas vezes de dormir debaixo da cama porque os tiros entram pelas janelas. Mas os senhores é melhor ficarem no hotel.” Eu fui ao embaixador e disse “Temos de ir.” Metemo-nos no carro, avançámos pela cidade até que aparece a tropa. “Quem são? Para onde vão?” E nós: “Portugal.” Levávamos a bandeira. E eles: “Portugal. Ah, esse já está resolvido, pode passar, camarada.” Depois fomos parados por um tipo de metralhadora que veio atrás de nós e pensámos que estávamos feitos. Mas ele disse: “Camarada, não viu o sinal vermelho?” E nós: “Bom, estamos num momento revolucionário, nós…” Mas ele insistia: “É preciso respeitar o sinal vermelho.” Não havia nenhum carro, a não ser carros militares e tropas em confronto, mas é preciso respeitar o sinal vermelho. Quando chegámos à embaixada, fechámo-nos lá e depois veio o recolher obrigatório. Ficámos numa casa, à espera. Foi horrível. Primeiro houve os mortos do lado governamental. Mas depois de as tropas cubanas intervirem e defenderem o Agostinho Neto, aí começa uma fase horrível de repressão, violenta e descontrolada. Perseguiam toda a gente. Mas quem ganhou com aquilo foram os soviéticos, porque Agostinho Neto diria “sob o olhar silencioso de Lenine, fundámos um partido do trabalho”. Ganhou a linha soviética, porque dentro do MPLA, havia também uma linha mais neutralista. O MPLA tinha muitas divisões, eles antes sacrificaram a Revolta Ativa, de Mário Pinto de Andrade, um dos fundadores, mas tiveram também a Revolta do Leste, de Daniel Chipenda. A acusação que a Sita Valles e o Nito Alves faziam à direção do MPLA era que estavam a caminhar para a social-democracia. A Rússia manteve-se neutra e quem deu o passo decisivo para salvar Agostinho Neto foi Fidel Castro. A verdade é que eles se tornaram os fiéis aliados e apaniguados do bloco soviético. Assistir a isto foi… Como é que esse primeiro posto tão complicado marcou um jovem diplomata?Foi um primeiro posto muito difícil. Eu cheguei a levar pessoas para o aeroporto, porque no carro diplomático iam mais protegidas. Elas choravam, porque não queriam sair de Angola. Agostinho Neto disse que “todos os portugueses que estavam metidos no golpe, ou apanham já o avião para Lisboa e nunca mais podem voltar, ou são presos. Mas houve muitos a quem não foi dada essa opção. O [António] Costa Silva por exemplo. E ele não era Nitista, ele era maoísta. E mataram pessoas, mataram o irmão da Sita Valles, que não se metia em nada, e a própria Sita Valles, que era uma líder do movimento. A embaixada procurou defender e salvar os portugueses, mas houve casos que não nos chegaram. São coisas terríveis. Há quem diga que não se fala suficientemente, mas aquilo é muito duro, muitos protagonistas ainda estão vivos. Há muita tensão no ar.De um golpe para outro. Depois de Luanda esteve em posto em Madrid e estava na Embaixada de Portugal naquele 23 de fevereiro de 1981 e viu a tentativa de golpe na televisão. Isso é que é interessante. Quando cheguei a Madrid, estava-se na transição democrática. A Constituição já tinha sido aprovada e a grande questão era a legalização do Partido Comunista, que criou reações nas Forças Armadas mais franquistas. Quando eu cheguei lá, havia um governo de uma direita democrática, de Adolfo Suárez, que depois foi muito maltratado. Ele fez a transição com o rei Juan Carlos. Na embaixada, estávamos a acompanhar a posse do governo de Leopoldo Calvo-Sotelo, que vinha substituir o Suárez, quando o tenente-coronel Tejero entra por ali com os seus homens. O rei passou a noite a falar com os militares - e ele tinha feito a Academia Militar com eles, soube acalmar as coisas. Naquela noite ele falou a dois chefes de Estado, Giscard d’Estaing e Ramalho Eanes. E pediu para não tornaram aquilo público mas que se resolvia. Nós, que não sabíamos, estávamos numa angústia e em contacto com o gabinete do primeiro-ministro Francisco Balsemão. Estávamos na embaixada e há aquela história do Raúl Morodo vir perguntar se a Embaixada de Portugal teria disponibilidade para alojar refugiados políticos. Portugal, juridicamente, não reconhecia o asilo político. De qualquer modo, telefonou-se a Balsemão. Aliás, estávamos constantemente em linha com Lisboa.Essa foi uma das suas funções, manter a linha ocupada…Sim, manter a linha. Mas há uma altura em que eu digo ao meu colega do lado de cá: “Oiça, já não tenho nada para dizer.” E ele sugere ler Os Lusíadas. Então chamei uma funcionária que começou a ler: “As armas e os barões assinalados.” E do outro lado “Que da Ocidental praia lusitana.” Para manter a linha. Mas enfim, Raúl Morodo fez a pergunta e nós tivemos a alegria de ouvir o primeiro-ministro dizer que todos os democratas espanhóis que batessem à porta da embaixada para pedir asilo, teriam asilo. A embaixatriz começou logo a pensar nas camas, colchões, lençóis.Felizmente, o golpe falhou...O rei, à 1h00 da manhã, veio falar na televisão, fardado, dizendo que a intentona fora desmontada, que os culpados iam ser presos. Portanto, eu vivi o 27 de maio em Luanda. E o 23 de fevereiro em Madrid. Quando fui colocado em Paris, até pensei que se calhar era a vez de a França ter um golpe. Portanto, eu de Madrid fui vim trabalhar com o general Ramalho Eanes, na Presidência da República. Depois fui para Paris. Tivemos a Conferência de Paris, no fim da Guerra Fria. De repente, o mundo parecia idílico. O James Baker prometeu que a NATO não ia alargar. Nessa altura casei-me, com a Margarida. Já tinha tido um primeiro casamento, mas a minha primeira mulher morreu. Deixou-me uma filha, que veio viver connosco. A Margarida também tem uma filha do primeiro casamento. Depois nasceram os gémeos. E a fratria constituiu-se e funcionou muito bem..E como foi chegar a essa Paris, que, como homem de cultura francesa, já conhecia bem, mas que passava a ser a sua casa?Paris é uma maravilha. Sou louco por Paris. Mas, trabalhar em Paris é muito diferente de passear em Paris. Trabalhar em Paris é duro, porque a cidade é muito cansativa. E nós, eu, a minha mulher e as quatro crianças, estávamos, com pouco dinheiro, nesse tempo ganhava em dólares e o dólar descia em relação ao franco.Ganhavam em dólares?Sim. Não havia euros. O franco francês subia em relação ao dólar. Nós recebíamos uns adiantamentos do cofre consular e, quando chegava o momento de pagar, tínhamos sempre de pagar mais do que o que tínhamos recebido. Vivíamos com alguma dificuldade, mas não deixámos de comprar livros. O embaixador, na altura, tinha uma conceção um bocadinho hierárquica das coisas e era eu que recebia o secretário de Estado, que era o Durão Barroso. Cheguei a oferecer-lhe jantares. Aliás, tínhamos e temos uma boa relação, mesmo se, politicamente, não tenho nada a ver com ele. Quando saí de Paris, fui para Estrasburgo, para o Conselho da Europa. Gostei do posto e até o fui repetir no fim da carreira. É um posto interessantíssimo. Era a época das democratizações dos Países de Leste e da transição para a integração europeia. O Conselho da Europa era uma espécie de antecâmara, onde eles vinham aprender a ser democratas. Eu tinha um embaixador excelente. Tínhamos uma casinha numa aldeia alsaciana. E gostávamos muito. De Estrasburgo vim para Lisboa, para o Ministério, e depois de Lisboa para o Rio de Janeiro, aí já como cônsul-geral… O Brasil foi uma experiência extraordinária.Como escreve no livro, do Rio trouxe uma “leveza a que o Brasil nos convida”? Mário Soares disse-me isso uma vez. “Você era um tipo um bocado fechado. Eu agora acho-o mais solto.” E tinha razão, porque realmente o Brasil solta. E a relação com as pessoas do Brasil é muito carinhosa. Podemos ter opiniões diferentes sobre a colonização portuguesa, mas o Rio de Janeiro está muito habituado aos portugueses. Temos uma presença portuguesa forte lá. E depois, é realmente um mundo de simpatia, gentileza e amigos que ficam para a vida. Temos de entender que o Brasil é outra coisa. Não é uma emanação de Portugal. É completamente diferente. Temos de perceber que apesar de falarmos a mesma língua, somos diferentes. Claro, hoje, há o problema da segurança. Na altura, na favela havia criminalidade, mas não havia estas redes terríveis que há agora, do Comando Vermelho, do Primeiro Comando da Capital. Hoje está muito mais violento. O Estado também tem tomado atitudes muito mais violentas, como aquela operação que fez 130 mortos. No nosso tempo, o jardim dava diretamente para a favela. E não tinha cerca. Uma vez foram lá uns miúdos que roubaram umas coisas. O líder da favela veio ao consulado e restituiu tudo, porque “o nosso princípio é que não assaltamos os vizinhos”. Era uma lógica de boa vizinhança. Acabou. O nosso próprio cônsul foi sequestrado. E atualmente tem uma cerca, tem guardas. Apesar de tudo eram outros tempos. E acho que no Rio consegui fazer uma ação cultural interessante. Correu bem nesse aspeto. Do Rio, passou para Budapeste...Budapeste era extraordinária. Venho do Rio de Janeiro com 40 graus e chego a um país que está com 4 graus negativos. Quando saímos, a primeira coisa foi escorregarmos no gelo e cairmos. As nossas filhas mais velhas já não foram connosco, vieram para Portugal para a Universidade. Mas os mais pequenos foram para o Liceu Francês de Budapeste. E acabaram por fazer o seu grupo de amigos. Mas havia um ódio generalizado aos estrangeiros. De Budapeste ia à Polónia, à Croácia. Íamos todos os fins de semana a Viena. Fomos a Veneza também. Foi um bom tempo. Para a escrita, é que é curioso: eu escrevo muito nos anos 90. O meu primeiro livro, Recados, de 1983, eu acho que era fraquinho. O de 85, Seis Elegias, já tinha alguma densidade. E A Ilha dos Mortos, que considero quase como o meu primeiro livro. É um livro que reflete o enviuvar e voltar a casar-me. Esses poemas acho que eram bons. Escrevi uma série de livros nos anos 90. E tinham uma receção muito boa, boas críticas, entrevistas, prémios. Termino o meu tempo no Brasil com um livro que também não é dos meus melhores, que é Os Dias Inventados. Vou para a Hungria e aí deixei de escrever e publicar poesia. Isto durou 10 anos.E por que acha que aconteceu esta pausa na escrita?Eu acho que não teve a ver com a Hungria. Teve a ver com um processo meu de reconhecer que o que tinha escrito, até então, estava-se a repetir. Havia que mudar. Depois surgiu o desafio para escrever um livro sobre a Índia. Eu cheguei lá e percebi que escrever um livro sobre a Índia implica saber muito. O que é que eu fiz? Fiz poemas. Fiz as Lendas da Índia, porque a Índia tocou-me muito. Obrigou-me a descentrar-me da minha cultura, a perceber a cultura do outro. E o outro são muitos outros. São os sikhs, são os hindus, são os muçulmanos, os cristãos, de Goa e não só.A sua forma de lidar com esse “excesso” foi voltar à poesia?A poesia era uma resposta que eu dava àquele mundo extraordinário que me interpelava, tão desconhecido, profundo. Eu lia muito sobre a Índia. Quanto mais lia, mais via que aquilo é um mundo plural. A ideia [do atual primeiro-ministro Narendra] Modi de uma nação hindu seria a morte da Índia. Já o Paquistão foi uma ideia dos ingleses de separar muçulmanos de hindus. Continua a haver muçulmanos na Índia, mas os hindus saíram do Paquistão. Houve massacres horríveis.Como explica então o sucesso político de Modi?Tem a maioria hindu e tem a economia a favor. Os empresários estão satisfeitos. Os muçulmanos não estão satisfeitos. Os cristãos também não. Não têm sido bem tratados. Mas provavelmente Modi terá moderado a sua linha. Uma coisa que é óbvia é que aquele país não funciona se não se entenderem todos. Tem uma diversidade de religiões, de culturas, que é inesgotável. E depois tem todas as coisas da modernidade também. Embora as coisas da modernidade coexistam com os maiores arcaísmos. E com a maior miséria, porque eles não ocultam a miséria. Socialmente, as mulheres só em teoria têm os mesmos direitos. Há embaixadoras, há ministras, até têm uma presidente. Portanto, numa certa camada social há igualdade. Aí entram as castas. Constitucionalmente, não há castas, mas na realidade elas existem. Isso é muito estranho, porque a casta não tem a ver com o poder económico. Pode-se ser riquíssimo e ser de uma casta inferior. Ou ser brâmane e ser um pobre professor de liceu. É qualquer coisa que está na sombra, que está atrás, mas que move as pessoas. .À Índia segue-se Paris e a UNESCO e depois o regresso a Estrasburgo. Aí também vai viver acontecimentos que viriam a marcar o mundo… Foram, como escreve, “anos atravessados pela História”. Nessa altura percebemos os sinais de que a Europa não estava a salvo da guerra, como se achou depois da II Guerra Mundial, ou só vemos isso em 2022, com a invasão russa da Ucrânia?Eu vi lá a discussão entre a Ucrânia e a Rússia, a Rússia a ser progressivamente afastada. Sobretudo a Assembleia Parlamentar era muito viva na crítica à Rússia. Primeiro foi a Geórgia, com os russos a ocuparem a Ossétia do Sul e a Abecásia. Depois da Geórgia, há a ocupação da Crimeia. E do Donbass na Ucrânia. E aí a Europa fez por se manter equidistante de maneira a conseguir um processo de paz, que deu origem aos Acordos de Minsk. Não podemos esquecer uma coisa: a Rússia tem o problema dos russos que continuam a viver nesses territórios. Ora, depois de Maidan, a Ucrânia decide abolir a língua russa, que deixa de ser língua oficial. A Igreja Ortodoxa também se separa da Igreja Ortodoxa russa. Há um corte. A Ucrânia Ocidental nunca foi russa até 1945, quando os soviéticos ocupam tudo. Hungria e a Eslováquia têm lá minorias. Em 1945, Estaline ocupa Estónia, Letónia e Lituânia, bem como a zona ocidental da atual Ucrânia. Ora, Ucrânia e Bielorrússia [sendo repúblicas soviéticas] estavam na ONU com votos separados. Quando acaba a URSS, em 1991, chega Yeltsin que foi muito mau para a causa da democracia porque fez identificar na mente dos russos democracia com banditismo e insegurança, apropriação das grandes fábricas pelos seus burocratas diretores. Havia mais liberdade, mas o povo vivia mal. Quando vem Putin, com autoritarismo, o nível de vida começa a subir, a segurança melhora, e, portanto, ele é popular. É popular e é ditador. Portanto, a ditadura tornou-se mais popular na Rússia. Putin assume o poder absoluto. Mas a Rússia é membro do Conselho da Europa e estava sujeita ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Nós achávamos que fazia bem a um possível futuro democrático da Rússia continuar no Conselho da Europa. No fundo, houve sempre esta dúvida, se seria possível termos uma Rússia democrática como nós. Fomos percebendo que não. Em 2022, a Rússia invade um país que não lhe tinha declarado guerra, com intenção de derrubar o governo, depois recua e fixa-se nas regiões que tinha reivindicado em 2014. A partir dessa altura tinha havido sempre guerra. Eu assisti ao processo até à entrada dos russos na Crimeia. De repente um dia telefona o António Costa e diz-me “Queres vir para ministro da Cultura?” Eu disse: “Bom, tens aí imensas pessoas com qualidade para serem ministro da Cultura.” Mas ele insistiu: “Queres ou não queres. E tens de dizer até amanhã à noite.” Eu pensei e a minha mulher disse: “Se tu disseres que não, vais sempre pensar: ‘E se eu tivesse dito que sim.’” Além de que António Costa não gosta muito que lhe digam que não. Aceitei e pronto. Mas faço questão de não falar do meu tempo de ministro.Vamos terminar com a poesia, porque este livro é muito mais do que só sobre os países por onde passou como diplomata. Fale-me também desse lado. Como é ser o “homem das duas cabeças”?Diplomatas poetas há muitos: Neruda, Saint-John Perse. Nós tivemos o Feijó, o Patrício, o Eça de Queiroz, que era cônsul. Eu já escrevo poesia desde os 13, 14 anos. Comecei a mandar para o Diário de Lisboa Juvenil, onde gostaram. Depois fui escrevendo, com fases, com influências diferentes. Faço aquela série de livros dos anos 90. Depois, a partir de 2001 estive calado. Mas, quando cheguei à Índia, em 2007, comecei a escrever poesia. Porque era a resposta às coisas. E o livro Lendas da Índia até teve um prémio. E isso incitou-me a escrever mais. Escrevi A Misericórdia dos Mercados, em resposta à troika. Entretanto escrevo Outro Ulisses Regressa a Casa, porque começa a perfilar-se o meu regresso a Portugal. E aí, comparo-me a Ulisses, porque lá vou eu para Ítaca outra vez. Depois de sair de ministro, escrevi Voltar e depois As Manhãs Que Não Conheces. É evidente que as condições do meio literário são diferentes, há menos atenção à poesia. Portanto, eu compreendo a tendência de me arrumarem como um poeta dos anos 90, que foi quando eu escrevi mais...Mas voltou a escrever depois.Voltei a escrever.Depois de Países Estrangeiros - Memórias e Viagens em prosa, espera-se o regresso à poesia?Espera-se. Mas sabe que a forma crónica, eu comecei a escrever crónicas para o DN já há uns quatro anos, acho que me formatou. A minha escrita ficou formatada nos 3300 caracteres. Porque se ler este livro, não são crónicas, mas o formato está para os 3300 caracteres. E eu sou sintético, por preguiça ou espírito de síntese. A poesia também é muito sintética. Portanto, eu neste momento atingi a jubilação. E a minha relação com a poesia foi sempre um pouco... Eu não me sinto poeta. É-se poeta quando se escrevem poemas e quando os poemas valem alguma coisa e quando encontram eco no coração dos leitores. Nessa altura, pronto, sou poeta, mas somos poetas às vezes. É o leitor que faz o poeta. Depois é a crítica e os pares, os companheiros que fazem ou desfazem o poeta. E agora, que me habituei muito a este formato de crónica, espero conseguir voltar ao formato de poesia. Mas gostei de escrever este livro, porque conta um bocadinho o que sou.."A Índia foi o grande posto de embaixador da minha vida, um posto de descoberta"