Há pouco mais de uma semana, os dois partidos de centro-direita que governam a Irlanda em coligação há quatro anos - o Fine Gael, do primeiro-ministro, e o Fianna Fáil - pareciam ter tudo controlado para continuar no poder depois das eleições legislativas antecipadas de hoje. Mas um passo em falso dado pelo taoiseach Simon Harris na última sexta-feira causou uma queda de seis pontos na popularidade do seu partido, ao mesmo tempo que o Sinn Féin viu as suas intenções de voto subirem. Isto levou a que as três maiores forças políticas irlandesas chegassem ao dia da votação lado a lado. .Olhando para os resultados de 2020, o provável é que volte a haver um governo de coligação em Dublin, com o Sinn Féin a ser mais uma vez posto de parte, em grande parte devido às suas ligações ao IRA. Mas, desta vez, a liderança do Executivo poderá caber ao Fianna Fáil e não ao Fine Gael, os dois partidos que deram à Irlanda todos os seus primeiros-ministros desde 1922..A possibilidade deste cenário de coligação ficou bem patente no debate entre Simon Harris (Fine Gael), Micheál Martin (Fianna Fáil) e Mary Lou McDonald (Sinn Féin), durante o qual os três evitaram ataques entre si. A única exceção foi quando Martin perdeu a calma ao falar da possibilidade de um acordo pós-eleitoral com McDonald em vez de Harris, caso o Sinn Féin tenha um melhor resultado, como aconteceu há quatro anos, quando ganhou o voto popular. .“Só porque obtém 20% dos votos não lhe dá o direito de estar no Governo. Isso nunca aconteceu”, afirmou o líder do Fianna Fáil, citado pelo Politico. “Não vou entrar agora em assuntos tolos”, respondeu ainda quando questionado se admirava McDonald enquanto líder. “Trata-se de formar um governo”..A sucessora do histórico Gerry Adams à frente do partido - é a primeira a não ter ligações aos conflitos na Irlanda do Norte - respondeu a estas provocações dizendo que “existe vida política para além do Fianna Fáil e do Fine Gael”. “Esta eleição abre a possibilidade de um governo liderado por um partido que não seja o Fianna Fáil ou o Fine Gael, e o partido que o pode fazer é o Sinn Féin. Penso que é uma mudança necessária e oportuna na vida política irlandesa”, afirmou ainda McDonald no debate. .Outro fator a dar força ao cenário de coligação é que nenhum dos três partidos consegue ganhar estas eleições sozinho, pela simples razão que nenhum tem candidatos suficientes a votos para eleger uma maioria de deputados - o Fianna Fáil tem 82 candidatos, o Fine Gael 80 e o Sinn Féin 71, sendo que no novo desenho do Parlamento com 174 assentos, será necessário um mínimo de 88..A grande diferença em relação há quatro anos é que, neste momento, Micheál Martin está mais bem posicionado para ser o novo taoiseach. O partido de Simon Harris era o favorito quando as eleições foram convocadas há três semanas, mas a sua popularidade caiu após um incidente com uma assistente social, cujas queixas sobre a falta de apoio a pessoas com necessidades especiais pareceu ignorar. Desde então já pediu várias vezes desculpas, mas sem reflexo nas sondagens - na segunda-feira, o Irish Times dava o Fianna Fáil com 21% das intenções de voto, seguido do Sinn Féin (20%) e do Fine Gael (19%)..“É quase certo que esta será a terceira eleição geral consecutiva em que nenhum partido emerge como um ‘vencedor’ claro”, defende Eoin Daly, professor na Universidade de Galway, num artigo publicado na plataforma The Conversation. “Parece que o cenário político da Irlanda continuará a ser uma estranha mistura de continuidade e fluxo. Subjacente a uma fachada de relativa estabilidade, tem havido uma tendência a longo prazo para a discórdia e a desintegração, familiar em grande parte do continente europeu”, conclui Daly.