Quando tomar posse como presidente dos EUA, a 20 de janeiro, o mundo que Donald Trump vai herdar é muito mais confuso do que aquele que herdou em 2017, quando chegou pela primeira vez à Casa Branca. A queda de Bashar al-Assad na Síria é apenas o último episódio a vir trazer incerteza ao Médio Oriente, a Rússia prossegue a guerra na Ucrânia, a China está a intensificar a pressão sobre Taiwan, a Coreia do Norte vai aumentando o seu arsenal nuclear e o Irão acelera os preparativos para se juntar ao clube. A menos de um mês do início do seu segundo mandato, o republicano vai repetindo que mal se sente na Sala Oval já tem uma longa lista de prioridades, entre elas acabar com a guerra na Ucrânia. Mas o primeiro desafio que tem pela frente pode mesmo ser o de encontrar alguma coerência ideológica numa equipa de Política Externa muito diversificada..Um dos mais vocais até agora na equipa de Trump para os negócios estrangeiros tem sido Mike Waltz. O futuro conselheiro para a Segurança Nacional já garantiu que é preciso pôr um “fim permanente” ao conflito na Ucrânia. O congressista da Florida, um antigo militar (foi o primeiro Boina Verde eleito para o Congresso) que serviu no Afeganistão, no Médio Oriente e em África, foi diretor para a Política de Defesa na Administração Bush filho e conselheiro em Contraterrorismo do vice-presidente Dick Cheney. Muito experiente, Waltz é um conhecido crítico da China e já deixou claro que os EUA devem estar preparados para um possível conflito na Ásia-Pacífico..Com uma posição forte também em relação ao Irão, o futuro conselheiro de Segurança Nacional defende o regresso da pressão máxima sobre Teerão. “Temos de restringir o seu dinheiro. Temos de restringir o seu petróleo. Temos de voltar à pressão máxima, número um, que estava a funcionar durante a primeira Administração Trump”, afirmou há dias na FOX News..Já sobre a Ucrânia, Waltz, de 50 anos, garante que os EUA não podem passar “cheques em branco” aos ucranianos e que a defesa de Kiev deve ser assegurada pelos países ricos europeus.Claro que tudo vai depender de como a situação internacional evoluir. E Trump até pode surpreender os seus críticos ao obter avanços em alguns dos impasses que se vivem neste momento, sobretudo se as circunstâncias certas se alinharem. Afinal, a pressão crescente sobre a economia russa pode incentivar o presidente Vladimir Putin a querer negociar uma saída para o conflito na Ucrânia. .Confrontado com a queda do aliado Assad na Síria, e perante os ataques de Israel, o Irão pode ver o seu Eixo da Resistência ameaçado e virar-se para a diplomacia. A China pode adotar uma posição mais prudente perante um Trump claramente mais imprevisível do que Biden. E até Kim Jong-un, na Coreia do Norte, pode estar mais disposto a voltar a falar com Trump do que estava com uma Administração democrata.Mas seja qual for o futuro cenário geopolítico, a política externa americana vai depender muito das capacidades de outro homem: Marco Rubio, a escolha de Trump para secretário de Estado..Ora o senador da Florida, que foi rival de Trump nas Primárias Republicanas de 2016 e chegou a ser falado para seu vice antes de a escolha recair sobre J.D. Vance, tem mantido o silêncio desde que foi nomeado por Trump para chefiar a diplomacia norte-americana. Isto não significa, no entanto, que as suas ideias sobre os principais desafios para os EUA em termos de política externa sejam desconhecidas..Considerado como um “falcão”, Rubio tem vindo a suavizar os seus ímpetos mais intervencionistas para se adaptar melhor à visão de Trump do papel dos EUA no mundo. Sobre a guerra na Ucrânia, Rubio tem defendido a necessidade de pôr fim ao conflito, alertando que tal não se fará sem “escolhas difíceis”. O senador, que - se for confirmado pelo Senado - será o primeiro latino a dirigir o Departamento de Estado, votou contra o pacote de seis mil milhões de ajuda militar à Ucrânia e, apesar de elogiar a bravura dos ucranianos, afirmou que, ao financiar o seu esforço de guerra, os EUA estão a alimentar um conflito que pode fazer a Ucrânia “recuar 100 anos no tempo.” .Mas é sobre a China que Rubio tem sido mais duro. “Os responsáveis políticos dos EUA não se podem dar ao luxo de ser complacentes em relação ao maior e mais avançado adversário que a América alguma vez enfrentou”, escreveu num artigo de opinião publicado em setembro no jornal The Washington Post..Quanto a Taiwan, o senador não esconde defender a independência da ilha que Pequim vê como província rebelde. “A China comunista não é, e nunca será, amiga das nações democráticas”, escreveu Rubio na rede social X, durante o verão. “A comunidade internacional deve continuar a apoiar Taiwan na defesa da sua soberania e liberdade.”.O outro grande inimigo para Rubio é o Irão, que define como sendo um “regime terrorista”. E já expressou o seu apoio a Israel, quando este atacou o regime iraniano e os seus aliados na Região. Quanto a Gaza, o futuro secretário de Estado não defende um cessar-fogo, preferindo ver o Exército israelita destruir por completo o grupo terrorista Hamas, responsável pelo ataque de 7 de outubro de 2023 em Israel, que fez mais de 1000 mortos e mais de 200 reféns, dando início a um conflito no pequeno território palestiniano onde terão morrido mais de 45 mil pessoas, segundo dados do governo do Hamas..Falado como uma das hipóteses para secretário de Estado, Richard Grenell também vai integrar a equipa de Política Externa de Trump, mas como enviado para as Missões Especiais. O antigo embaixador na Alemanha terá de lidar com algumas das questões mais delicadas nesta área. Um papel para o qual já treinou no passado, quando, na primeira Administração Trump, foi enviado especial do presidente para as negociações de paz entre a Sérvia e o Kosovo..“O Ric vai trabalhar em alguns dos pontos mais quentes do mundo, incluindo a Venezuela e a Coreia do Norte”, escreveu Trump numa publicação na sua plataforma de redes sociais, Truth Social, a anunciar a nomeação..Com a reputação de não hesitar em usar uma abordagem diplomática menos convencional, Grenell foi um dos conselheiros em Política Externa de Trump, mesmo depois de deixar a Casa Branca. Por exemplo, esteve presente no encontro entre Trump e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em setembro. Sobre a guerra naquele país, Grenell defende um acordo de paz que preserve ao máximo o território ucraniano, mas sem excluir a existência de “regiões autónomas”, onde a Rússia manteria o controlo..E, tal como Trump, é contra o alargamento da NATO até que todos os membros da Aliança atinjam os 2% do PIB em gastos com Defesa..Diplomacia paralela.Além de figuras como Steve Witkoff, o empresário do imobiliário que Trump nomeou enviado especial para o Médio Oriente e que já esteve nos Emirados Árabes Unidos e na Arábia Saudita para apresentar a política do novo presidente americano, ou de Tulsi Gabbard, a antiga congressista do Havai que, em 2020, foi candidata à nomeação democrata para as Presidenciais e agora é a escolha de Trump para diretora da Inteligência Nacional dos EUA, é de esperar que outras personalidades próximas de Trump também tenham uma palavra a dizer na sua política externa. A começar por Elon Musk..O bilionário que Trump nomeou para chefiar o novo Departamento de Eficiência Governamental já mostrou que pretende ser muito mais do que o responsável - ao lado do ex-candidato presidencial Vivek Ramaswamy - por reduzir a burocracia e fazer cortes na despesa pública. Logo a 8 de novembro, três dias após a vitória de Trump, o fundador da Tesla e dono do X esteve com o presidente-eleito numa conversa telefónica com Zelensky. E há dias acompanhou Trump até Paris para a reabertura da Catedral de Notre-Dame, à margem da qual o presidente-eleito se reuniu presencialmente com o líder ucraniano. Além de ter estado presentes noutros encontros de Trump com líderes como o argentino Javier Milei ou a italiana Giorgia Meloni..Ora a política externa de um país, sobretudo da única superpotência mundial, devia ter mais a ver com os seus interesses e os do resto do mundo do que com os negócios dos homens que a exercem. Mas, com Musk a puxar os cordelinhos, nada é menos certo - sobretudo se pensarmos na admiração que o bilionário tem por Putin, com o Wall Street Journal a já ter noticiado que o presidente russo o terá pressionado para não disponibilizar os serviços dos seus satélites Space X a Taiwan, a pedido da China, ou como as tarifas de 60% que Trump promete aplicar aos produtos chineses podem comprometer a megafábrica da Tesla em Xangai. Ou ainda como a Arábia Saudita é agora um dos grandes investidores no X..Resta saber qual o peso que esta diplomacia paralela e personalizada vai ter a partir de 20 de janeiro. E como é que o mundo vai saber lidar com esta nova era Trump.