Quem nasceu em 1989, pode ter começado a sua atividade profissional entre 2012 e 2014, precisamente no período em que aconteceu um resgate financeiro, através de um empréstimo internacional em Portugal protagonizado pela Troika - um grupo de decisão composto pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Agora, em 2025, ao atingir os 36 anos, esta geração enfrenta o fim de todos os apoios extraordinários dados aos jovens, desde benefícios fiscais até ajudas públicas para arrendamento e aquisição da primeira casa. É o corolário de uma injustiça geracional..No período da Troika, “não havia empregos. Os poucos que havia eram súper precários, era tudo com recibos verdes. Depois, o Estado lançou, e muito bem, aquele apoio para os jovens conseguirem o primeiro emprego”, lembrou ao DN Juliana Madeira, licenciada em Comunicação e nascida em 1989..“Estava muito, muito mal, e eu pensei: Bom, vou fazer mestrado, a ver se isto, em dois aninhos, acalma, muda alguma coisa, e talvez atribua um bocadinho mais de valor à minha formação.”.Mas não foi o que aconteceu. À distância de mais de uma década, Juliana diz sentir que, na sua área, o mestrado não “faz qualquer tipo de diferença”. Ainda assim, trabalha em comunicação e marketing..Em relação a apoios, tentou o programa Porta 65, para arrendar casa. “Não consegui, porque havia um limite de um valor para as casas, e em Lisboa só conseguiria se fosse viver para dentro de um bairro social”, explicou, acrescentando que, na altura, estava sozinha na capital - nasceu no Algarve - e não se “sentia confortável para ir para uma zona onde não” se sentia segura..Para pagar as contas, chegou a ter quatro empregos em simultâneo. Agora, recém-casada, Juliana já comprou casa, há três anos, mas, apesar de assumir que já tem alguma estabilidade, não conseguiria estar sozinha..“Eu ajudo-o e ele ajuda-me. Se nos separássemos, nem eu nem ele conseguiríamos subsistir. Teríamos de vender a casa, obviamente, porque nenhum dos dois teria condições para a pagar sozinho”, desabafa. .Com tudo isto, conclui: “Sempre que há algum apoio, a minha geração nunca consegue apanhá-lo.”.Juliana Madeira, natural do Algarve, chegou a acumular quatro trabalhos em simultâneo para pagar as contas em Lisboa. Não beneficiou de qualquer apoio extraordinário. FOTO: DR.Os que aguentaram o barco.Também Inês Santos Barros admite que não vai “beneficiar de nada”. “Já tive a primeira casa e, em relação ao IRS, já trabalho há mais de 10 anos.”.O percurso da licenciada em Engenharia Biomédica, nascida em 1989, passou por ficar em Portugal, não trabalhar na área de estudo, casar, ter dois filhos e, no fim, “fazer as pazes com o assunto”..“Se, em 2013, tudo tivesse corrido melhor, se calhar a vida tinha sido um bocadinho diferente, não sei, não faço ideia”, considera, em declarações ao DN..Começou a trabalhar em 2013, mas, na altura, “estava difícil encontrar emprego”..Inês Santos Barros nunca saiu de Portugal para trabalhar, mas, por força da necessidade, acabou por arranjar emprego fora da sua área de formação. Mas já "fez as pazes" com as decisões que tomou. FOTO: DR.“Aqueles que cá ficaram - que agora estão na faixa entre os 35 e os 45 anos - a aguentar o barco não tiveram esse reconhecimento, acho eu. Eu não tenho nada contra as medidas [atuais, como o IRS Jovem]. Acho é que se esqueceram de outra parte da população”, desabafa..Neste momento, Inês Santos Barros é consultora na área de fundos de pensões e gosta do que faz, mas sublinha que é uma “área que não tem nada a ver” com a sua formação inicial e “que acabou por ser fruto também da necessidade”..Enquanto transparece que a ajuda teria sido “bem-vinda”, Inês assume também que não passou dificuldades. Mas poderia ter poupado um valor considerável se, quando começou a trabalhar, houvesse IRS Jovem, admite. Porém, a história da consultora de fundos de pensões, que em 2025 fica excluída de apoios extraordinários, teve um final feliz: “Se eu não tivesse ido para o emprego para que fui, não estava neste momento casada e com dois filhos”, completa..Encontrar estabilidade lá fora.Ana Lopes trabalha na Holanda há um ano, mas saiu de Portugal há seis. Formou-se em 2013, em Biologia, “com mestrado”, esclarece ao DN. “Trabalhei em museus, na parte educativa associada à Ciência. Aí, em Portugal, era sobretudo essa área que eu fazia”, diz..Nasceu em 1989, trabalhou sempre na sua área de formação, mas não foi em Portugal que encontrou o que procurava..“Tive a oportunidade de concorrer àqueles voluntariados europeus financiados, que eram até aos 30”, conta Ana Lopes, que aos 29 anos deixou o seu país natal. O objetivo era explorar as possibilidades da sua carreira e “ir para o exterior”..A Holanda é o país onde vive Ana Lopes. com um mestrado em Biologia, só pensa vir a Portugal para visitar a família, por considerar que em termos profissionais não haveria recompensa. FOTO: DR.“Eu queria experimentar os países nórdicos. Tinha ouvido dizer que a educação era diferente do sul da Europa. Na altura, fui para a Dinamarca.”.Questionada sobre se alguma vez pensa voltar para Portugal, a única coisa que poderia fazê-la mudar de ideias seria a família. A justificação para esta decisão tão cimentada são as condições de trabalho que encontrou. “Comparado com a experiência que eu tinha em Portugal, não posso queixar-me muito do que fazia, mas das condições e dos pagamentos sim”, garante..O que está em causa é o “respeito pelo trabalhador”. Para ilustrar esta ideia, Ana Lopes dá o exemplo do processo de baixa por doença: “Em Portugal, quando ficamos doentes tentamos trabalhar, temos muito essa cultura do trabalho. Aqui, sentem-se um bocadinho mal, ficam em casa e está tudo bem.”.Acima de tudo, não pensa voltar para Portugal, porque sente que não seria “valorizada”e não lhe iria gerar “uma recompensa muito clara”..Corrigir injustiças.O IRS Jovem é uma maneira de tentar corrigir alguma injustiça geracional que eu acho que existe em Portugal”, observou ao DN a economista Susana Peralta, classificando, por outro lado, a medida como “cega”, porque “não se aplica a todos os jovens da mesma maneira”, tendo em conta que “há jovens que estão confortáveis”. Por outro lado, vinca, há “uma categoria etária injustiçada”. “Portanto, toma lá esta prenda”, conclui de forma irónica..O que está em causa são apoios extraordinários como o IRS Jovem (limitado a pessoas que têm até 35 anos) ou o alargamento do programa Porta 65 (para arrendamento de habitação), a garantia pública na compra da 1.ª habitação ou a isenção de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto de Selo..Sobre estes apoios à habitação, Susana Peralta explica que “são sobretudo um efeito do aumento do preço das casas”, ainda que possam traduzir-se num benefício para os jovens..Porém, a economista levanta “uma questão empírica”, que passa por uma referência ao Alojamento Local, para a qual diz não ter resposta: “Há casas que estão fora do segmento da habitação permanente, por causa de utilizações alternativas”. “Será que alguém vai deixar de pôr a casa num Alojamento Local para vender a um jovem, só porque o jovem pode pagar mais através desse incentivo? Acho difícil”, analisa. .Alternativamente, a economista vê os “incentivos à renda” com “mais facilidade”..Apesar de, em 2025, surgir o primeiro grupo de pessoas que, por atingirem os 36 anos ficam de fora dos benefícios fiscais atuais - excetuando aquelas que, por outros motivos, como graus de incapacidade, usufruem de reduções ou isenções nos impostos -, a medida, de qualquer forma, já não chegava aos mais pobres..“Quando a pessoa faz política social via IRS, não está a chegar às pessoas mais frágeis, porque essas não pagam este imposto”, frisa. Para além disto, Susana Peralta alude a “uma injustiça gerada” com estas “borlas fiscais aos jovens”, que surge com a “descontinuidade do limiar” dos 35 anos..Mas a professora de economia também aponta efeitos perniciosos das medidas para os jovens avançadas pelo Governo (em relação ao IRS Jovem, é uma variação da medida do Executivo anterior)..“A ajuda na compra de casa pode ser em parte apropriada por quem vende casa - ou seja, pode levar ao aumento do preço -, isso quer dizer que parte dessa ajuda não vai parar ao jovem, vai parar a quem vende a casa”, observa a economista, estendendo esta teoria ao IRS..“O facto de os jovens terem um IRS mais baixo pode ser apropriado pelos empregadores”, propondo salários mais baixos..Portanto, continua Susana Peralta, o corolário disto tudo passa por não haver “a certeza de que a totalidade desse benefício fiscal vai parar ao bolso das pessoas menores de 35 anos”..No que diz respeito à retenção de jovens em Portugal, a economista diz não saber se quer motivá-los a ficar..“Eu acho sempre muito curioso Portugal estar na União Europeia, mercado único, e agora não querermos que as pessoas emigrem. Isso é o normal.” “Eu não sei se o Alabama tem alguma política de retenção dos jovens para eles não emigrarem para a Califórnia”, aponta..Discriminar pela idade?.Sobre os apoios que em 2025 estarão acessíveis a pessoas que tenham até 35 anos, principalmente os que estão ligados a tributação, o economista Pedro Brinca explica ao DN que “há uma perspetiva política e uma perspetiva económica”..“Eu percebo a bondade [do IRS Jovem], independentemente da implementação, da concretização em termos daquilo que é a letra da lei e da eficácia que elas podiam ter”, afirma ao DN..“Agora, do ponto de vista político, custa-me aceitar uma discriminação desta ordem”, critica, apontando o dedo a uma medida que considera ser penalizadora para quem chega aos 36 anos e fica sem apoios..“A questão é que isto é mau para as pessoas. Eu preferia uma redução toda, de forma transversal”, defende o economista, sem querer “menorizar a medida”..“O que é importante é melhorar o ambiente económico, baixar o esforço fiscal para tornar a economia portuguesa mais atraente”, sustenta, destacando que “há quem quer criar riqueza, há quem quer criar emprego, há quem quer ter uma vida com o seu trabalho e depois estar a dizer que alívios de impostos são demasiado pequenos para que faça a diferença. Eu não acho que os alívios de impostos só por si resolvam tudo”, sublinha Pedro Brinca, que diz que o ideal seria perseguir “políticas que promovam o ambiente económico de forma consistente, estável no tempo.”.Para começar, propõe o economista, “é preciso deixar de discutir política económica e política de crescimento no orçamento do Estado”, porque “parece que tudo o que tem a ver com o crescimento económico em Portugal é política de curto prazo”..Em relação à manutenção de jovens em Portugal, o economista diz que “não há uma medida que vá fazer com que os jovens fiquem cá e deixem de emigrar. Há um conjunto de medidas e algumas delas ainda poderão demorar anos a sortir de efeito.”