O Tribunal Constitucional recusou o recurso da TAP no processo colocado por centenas de tripulantes que a companhia aérea dispensou durante a pandemia, não renovando os seus contratos de trabalho a termo. A TAP tem ainda um prazo de dez dias para reclamar da decisão, mas arrisca-se a ter de indemnizar mais de 700 tripulantes."No âmbito do processo de uniformização de jurisprudência, que tinha sido objeto de recurso por parte da TAP para o Tribunal Constitucional, tivemos conhecimento de que o recurso foi indeferido pelo Tribunal", referiu o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) numa nota enviada esta tarde aos seus associados.Tal como o DN noticiou a 17 de dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu uma decisão final a respeito do braço-de-ferro que há vários anos se arrastava entre a companhia aérea e dezenas de tripulantes que a TAP dispensou em 2020/2021, não renovando os seus contratos de trabalho a termo. O Tribunal concluiu, numa decisão unificadora, a que o DN teve acesso, que os contratos a prazo na TAP estavam mal fundamentados e que os trabalhadores em causa deveriam estar integrados no quadro de pessoal como efetivos, desde o primeiro dia, pelo que lhes é devido o pagamento de retroativos. Mais: a decisão abre a porta a que cerca de dois mil tripulantes admitidos na TAP com contratos a prazo, desde 2006, possam fazer a mesma exigência.O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) considera que a decisão obriga a TAP a indemnizar não só os tripulantes dispensados em 2020/2021, como também largas centenas de pessoas que foram admitidas na empresa, com contratos a termo, desde 2006. A soma dessas indemnizações ascenderá a várias centenas de milhões de euros.“Estamos a falar, seguramente, de entre 200 a 300 milhões de euros”, disse ao DN o presidente do SNPVAC, Ricardo Penarróias, em dezembro. O dirigente acrescentou que lamenta a “visão de curto prazo” das sucessivas administrações da TAP, que preferiram “ignorar o assunto e empurrar com a barriga”. “A história da TAP está cheia destes episódios em que a visão de curto prazo prevalece e os interesses da companhia e dos seus funcionários são prejudicados”, defendeu na ocasião.Na origem do problema está a forma como a TAP justificou o recurso a contratos de trabalho a termo para reforçar as suas tripulações de cabine. Entre 2006 e 2018, a prática corrente na companhia consistia em os novos tripulantes serem recrutados com contratos a termo por um período máximo de três anos. No entanto, era dado como adquirido que a empresa passava essas pessoas para os quadros - para a categoria “CAB1” - ainda antes do final do prazo de três anos, assim que existisse necessidade de reforçar algumas rotas para as quais é necessário pertencer à referida categoria. Por outro lado, facto significativo, ao passar para “CAB1” os tripulantes têm direito a receber um valor diário adicional, sempre que voam. E que, na prática, duplica o seu vencimento mensal.Este estado de coisas mudou em 2018, quando a administração liderada por Antonoaldo Neves - nomeado pelo então acionista privado David Neeleman - decidiu obrigar os tripulantes a permanecerem com contratos a termo durante o prazo máximo de três anos, recusando-se a fazer a sua passagem para “CAB1” e a pagar o valor per diam respetivo. Na altura, o sindicato ameaçou com uma greve e, com mediação da Direção do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT), a administração da TAP acabou por ceder, mas nenhuma das partes abdicou das respetivas posições sobre o assunto. A questão regressou no ano seguinte, em 2019, com a administração da TAP a recusar fazer essa passagem para os quadros antes do final dos três anos.O “pecado original” dos contratos a prazo na TAPNa altura, a equipa jurídica do SNPVAC chegou à conclusão que existia um pecado original na argumentação da companhia aérea, que consistia na forma como os contratos a prazo estavam justificados. A lei estabelece que a contratação a termo só é possível se existir uma razão de natureza provisória que a justifique, como por exemplo um acréscimo de atividade em determinado período. E, além disso, o contrato tem de fazer essa ligação entre o motivo e o prazo, de forma muito específica.“Descobrimos que todos os contratos de trabalho a termo que a TAP celebrou com os tripulantes desde 2006 tinham essa falha, o que significa que, à luz da lei portuguesa, essas pessoas deviam ter sido integradas nos quadros da empresa desde o primeiro dia de trabalho”, disse ao DN a advogada Irís Batista, do departamento jurídico do SNPVAC, em dezembro. “Tal como muitas outras empresas, a TAP serviu-se do instrumento dos contratos a termo como se fosse um período experimental e para contratar pessoas a custos mais baixos, quando a lei determina que essa possibilidade apenas é permitida em determinadas situações”, acrescentou.“A TAP andou anos a anunciar um crescimento fantástico, com novas rotas e mais aviões, mas isso foi conseguido à custa dos tripulantes”, argumentou, por sua vez, Ricardo Penarróias, lembrando que “muitas empresas fazem o mesmo com os contratos a prazo” e que espera que a decisão do Supremo no caso da companhia aérea possa servir de “exemplo” para todos os empregadores. “Esta decisão é um marco na contratação coletiva em Portugal”, defendeu.A situação complicou-se em 2020, quando a companhia, devido à pandemia, decidiu rescindir os contratos de trabalho com cerca de 1200 tripulantes. Muitos recorreram à Justiça, exigindo ser reintegrados e indemnizados, tendo surgido decisões contraditórias. Até que foi pedida uma decisão unificadora ao Supremo, que agora será aplicada a todos os processos pendentes. Por uma questão de necessidade, com a reabertura do tráfego aéreo após a pandemia, a TAP foi obrigada a reintegrar cerca de mil desses tripulantes com quem rescindira. Nos seus contratos, foi colocada uma cláusula onde se prevê que, se o Supremo desse razão aos tripulantes na questão dos retroativos, a companhia teria de os indemnizar. Pelos cálculos do Sindicato, nesta situação estarão entre 600 a 1000 pessoas. No entanto, a decisão do Supremo, que faz jurisprudência, também poderá ser aplicada nos casos que ainda estão em Tribunal. Por outro lado, também poderá ser invocada por outros 1000 tripulantes que foram admitidos desde 2006 e que poderão agora contestar na Justiça o facto de terem sido admitidos com contratos a prazo que o Supremo considerou inválidos.