Num discurso, em alusão à música de Zeca Afonso Teresa Torga, disse que “mulher na democracia não é biombo de sala”. Numa altura em que todos os partidos têm nas suas agendas o combate à violência doméstica - e as mulheres são a maioria das vítimas -, faria diferença ter uma mulher à frente do Governo? Às vezes usa-se a violência doméstica como a forma de todos os partidos poderem falar sobre mulheres, quando, na verdade, nem todos os partidos têm agendas sobre direitos das mulheres, emancipação das mulheres ou agendas feministas. O combate à violência doméstica faz-se com melhores leis - o Bloco transformou a violência doméstica em crime público e não houve conquista legal para as mulheres nos últimos 20 anos que não tivesse a participação do Bloco de Esquerda -, mas temos que compreender porque é que ela existe e porque é que há uma cultura que promove a violência de género. E quando olhamos hoje para as redes sociais, para a política dita, falada, explícita, mas também para uma política que ainda é feita por homens, maioritariamente, percebemos todo o caminho que temos para fazer, e esse caminho é na violência doméstica, mas é em todas as esferas da vida onde as mulheres estão sub-representadas, tratadas como uma minoria, e há uma extrema-direita que aparece a normalizar os ataques misóginos e os ataques às mulheres e eu acho que isso exige de nós muita atenção e um combate que, mais do que nunca, tem também de ser feminista.Já alertou para ameaças da direita à escola pública. Estende esse alerta a questões relacionadas com mulheres? Há uma coisa que une a direita, que é o ataque à igualdade de género. Foi um esforço que fizeram para tirar questões de igualdade de género das disciplinas de cidadania. A direita está a fazer uma guerra cultural contra os avanços que tivemos na igualdade de género, e é uma batalha. Há algumas estratégias que nós vamos identificando na forma como a direita se organiza e como procura ganhar poder. A maior delas é obviamente dividir a sociedade, e dividir a sociedade quer dizer mesmo isso, dividir, e é por isso que se procura separar os imigrantes do resto das pessoas, separar as pessoas com base na sua pertença étnico-racial, mas também fazer uma divisão entre homens e mulheres. O que a extrema-direita está a fazer é dizer aos jovens homens que as frustrações e os problemas das suas vidas, que na verdade são causados por um sistema económico desigual e incapaz de dar perspetivas de futuro, é por causa dos direitos das mulheres, que são excessivos. Esta ideia dos direitos excessivos como sendo o problema do mundo é uma retórica que foi criada pela extrema-direita e que infelizmente vai contaminando os outros partidos da direita e, no caso das mulheres, nós sabemos que elas são hoje a grande força de resistência à extrema-direita, ao fascismo e ao retrocesso político e social. E o feminismo não é só uma causa das mulheres. O feminismo é uma luta pela igualdade, é uma luta de mulheres, de homens, para caminharmos no sentido de ter direitos iguais na lei, na vida, na cultura, na economia, e estamos muito longe disso. Em pleno século XXI, quer do ponto de vista mais material - os salários -, quer do ponto de vista mais subjetivo e cultural - como a representação política, e as visões que nós temos do que é ser um homem ou ser uma mulher. Identificado o seu antagonista político - a extrema-direita -, e tendo em conta que já pediu várias vezes uma esquerda mais forte, como é que o faria e com que entendimentos? Vamos partir do ponto em que o antagonista é a extrema-direita. Acho que todos queremos derrotar - todos, enfim, os democratas, a esquerda - a extrema-direita. A questão é como. Parece-me que para derrotar a extrema-direita temos que ir à causa dos problemas, à causa de uma sociedade que produz e de uma economia que produz desigualdades, à causa de uma economia que produz ressentimentos, frustrações, que não cria as condições para um sentimento de solidariedade, de comunidade e, portanto, permite criar o espaço onde o egoísmo da extrema-direita faz caminho. É uma questão cultural, mas é também uma questão económica, e é por isso que dizemos que é preciso mobilizar o voto à esquerda, o voto no Bloco de Esquerda, através de propostas muito concretas e que falam da vida das pessoas. E a extrema-direita não tem nenhuma proposta - já agora, a direita - para resolver a crise da habitação. Uma única. Aqui, também o PS não tem. Mas, para resolver a crise do Serviço Nacional de Saúde (SNS), para dar condições de igualdade, para subir os salários, para criar melhores perspetivas de vida, não há esta preocupação. Há narrativas, slogans vazios, ideias pré-feitas sobre baixarmos os impostos e as coisas acontecem por milagre - e há ódio social. O que me parece que é necessário como pressuposto para entendimentos é haver votos à esquerda e votos no Bloco, para que as medidas para esses entendimentos sejam transformadoras e não causadoras de desilusão. Para responder diretamente, sim, estamos cá para conversar, para entendimentos, para criar, para nos juntarmos a outras forças, mas queremos fazê-lo em torno de propostas concretas, e as pessoas quando estão a votar devem saber que o voto no Bloco garante essas medidas concretas, como o teto às rendas ou a proteção do trabalho por turnos. São linhas vermelhas, para si, o teto às rendas e o fim do trabalho por turnos? Nós temos compromissos eleitorais. Dou o exemplo do trabalho por turnos. Nós fizemos uma petição, estivemos à porta de locais de trabalho, de fábricas com essa petição, queremos melhores condições para quem trabalha por turnos, porque é um trabalho muito invisibilizado e muito duro, e queremos acesso à reforma antecipada. Nós assumimos um compromisso com essas pessoas, e é esse compromisso que vamos levar para a Assembleia da República. Esse compromisso será tão forte quanto mais deputados o Bloco de Esquerda tiver. Quem diz o trabalho por turnos diz todas as outras propostas que temos vindo a trazer para esta campanha, e que só são possíveis se houver deputados para as defender e para lutar por elas no Parlamento. E é isso que nós queremos fazer, como já fizemos no passado e provámos que conseguimos quando se achava que era inevitável cortar pensões, ou congelar pensões, e foi possível aumentar as pensões. Hoje é um dado adquirido. Talvez nos lembremos que em 2015 PS e PSD queriam cortar pensões de formas diferentes, e foi o Bloco de Esquerda que desbloqueou esse caminho. ."E é por isso que é preciso medidas para baixar o preço da habitação agora, que têm de ser conjugadas. A principal é impor tetos às rendas.".Na habitação, Pedro Nuno Santos argumenta que só acompanha o PSD na ideia de mais construção. Como é que o Bloco propõe resolver um problema, que, aparentemente, não tem solução imediata? Pedro Nuno Santos e o PS aproximam-se em tudo do PSD, porque o PS criticou a isenção do IMT [Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas], porque diz que aumentou o preço das casas. Criticou a garantia pública, porque diz que aumenta o preço das casas. Mas já disse que vai manter essas medidas. Não serve de muito discordar se, no fim de contas, são exatamente as mesmas medidas. E PS e PSD - aliás, como a Iniciativa Liberal e o Chega - admitem que a única solução que conseguem ver para a habitação é a construção. Eu não tenho nada contra a construção, acho que é preciso construir. Público e privado. Mas não vou mentir às pessoas. A construção demora e não entra um fluxo suficiente para baixar os preços do mercado, porque há um monstro ao lado que está a fazer subir os preços: a especulação imobiliária. E é por isso que é preciso medidas para baixar o preço da habitação agora, que têm de ser conjugadas. A principal é impor tetos às rendas, o que está a ser feito em vários países, porque as rendas simplesmente não são compatíveis com os salários. E eu ouço pessoas a dizer-me: não ponham tetos às rendas porque senão as casas saem do mercado. Não sei se as pessoas têm noção, mas para a maior parte dos portugueses já não há mercado de arrendamento, porque os valores estão estratosféricos. Portanto, tetos às rendas para baixar o valor da habitação, mesmo se tivesse como consequência pôr mais casas no mercado para venda, poderia resolver dois problemas de uma só vez. É claro que isto para funcionar vai precisar também de controlo no Alojamento Local, de controlo na construção de hotéis, para conseguirmos limitar a fuga de casas para esses fins. E, depois, precisam de outras medidas, do lado da banca, que podem participar mais neste esforço do que têm participado, e também do lado da despromoção da especulação imobiliária. Eu acho sempre muito comovente ver partidos que suportaram os vistos ‘gold’ até ontem, e os residentes não habituais - que é um benefício fiscal a não residentes que compram casas em Portugal - virem agora dizer que é uma inevitabilidade termos de lidar com a crise da habitação. Não é - e acho que estão a enganar as pessoas. A IL já propôs um IVA a 6% para a construção. Como é que se garantiria que, por exemplo, não iria promover mais especulação?Não se garante. Há muita desinformação sobre isto. Houve um debate entre todos os partidos, em que notamos que todos os partidos da direita têm sempre a mesma solução para os problemas: É baixar os impostos. Se funcionasse, tudo bem. O problema é que não funciona. Já há um IVA da construção a 6% para custos controlados. Nem mais uma casa a custos controlados foi construída porque o IVA é 6%. Basicamente, o que acontece é que as casas que estão a ser construídas são de luxo e vão continuar a ser de luxo. Mas, em vez de pagarem um IVA a 23% ou a 13%, pagam um IVA a 6%. E, portanto, isso é incorporado no preço e o preço normalmente aumenta para incorporar a descida do IVA. Perde o Estado, porque perde recursos e não se garante construção a custos controlados. Da mesma forma que os impostos que são cobrados em rendimentos prediais e, portanto, pelo aluguer ou arrendamento de casas, já há impostos reduzidos e muito reduzidos para habitação a custos acessíveis, para contratos a longo prazo. Os impostos para arrendamento de imóveis podem chegar a 5%. São 25%. Era 28% e o PS desceu para 25%. Não aumentou o número de casas no mercado com contratos de 5, 10 anos porque houve benefícios fiscais. A ideia de que o problema do mercado são benefícios fiscais é errada. Há um problema de especulação e de sobreaquecimento do mercado. E tem que ser enfrentado, porque daqui a 5 anos vamos estar todos a dizer: Como é que nós não vimos a bolha imobiliária a crescer e a crescer, como é que nós nos deixámos? E não havia ninguém que dissesse que era preciso medidas para controlar isto. Havia e há.Como é que se resolve o problema para quem comprar casa?Na compra de casa, é mais difícil de regular o preço do que no arrendamento. Podemos fazê-lo de várias formas. Podemos fazê-lo controlando as procuras que não são habitacionais. E obviamente estou a falar do turismo em massa, que teve um impacto muito grande. O arrendamento, ao baixar o preço das casas e se colocar casas no mercado, também contribui para baixar o preço das casas. E podemos criar desincentivos aos fundos de investimento imobiliário, que neste momento têm, muitas vezes, casas fechadas para valorização meramente especulativa. E isto é um problema de política pública que pode ser utilizado e que pode contribuir para baixar o preço das casas. Há uma coisa que não contribui e é essa que me preocupa. É óbvio que nós, perante preços altos, temos que apoiar o arrendamento e apoiar a compra de casa. Não estou contra isso. Mas há um efeito perverso destas medidas. É que elas colocam recursos públicos a alimentar uma espiral de crescimento dos preços. A ideia de que Portugal vai passar a ter uma classe média que depende da ajuda ao arrendamento para poder pagar a renda e depende da bondade do Governo para conseguir pagar a renda é uma ideia errada, enquanto política pública e enquanto política de mercado. A ideia de que as pessoas, para comprarem uma casa, têm que ter uma garantia que é pública ou têm que ter uma política bonificada, muito bem, mas a casa continua a custar 500 mil euros. E o problema é a casa custar 500 mil euros e os salários não pagarem casas de 500 mil euros. Nós temos que lidar com o problema diretamente e não encontrar subterfúgios que depois acabam por penalizar o Estado sem ter um efeito a longo prazo..Uma das suas medidas bandeira do Bloco é a taxação dos ricos. Se se concretizasdse, como é que garante que não há uma fuga de ativos para outros países?A riqueza é mais imóvel do que se pensa, até porque hoje em dia uma boa parte da riqueza está em bens imobiliários. Nós temos um bolha imobiliária e os preços sobem porque aquilo que todos nós, a maior parte de nós vê como um custo ou uma impossibilidade para uma minoria é uma fonte de riqueza. Alguém que tem um fundo imobiliário que tenha simplesmente casas vazias ou casas paradas, ou utilizar, não importa, não parou de ter rentabilidade nos últimos anos, e os salários não tiveram uma rentabilidade que acompanhasse. Uma parte da riqueza é menos imóvel do que se pensa. A segunda parte foge e sai porque as leis permitem e incentivam que fuja e que saia. Há formas de controlar e de limitar essa fuga de capitais. E nós não podemos viver permanentemente sob a chantagem que nos diz que se taxarmos os ricos, os ricos fogem e, portanto, vamos taxar os pobres que eles não fogem. Porque isto enviesa todo o sistema e nós temos que encontrar formas de equilibrar a balança dos impostos e é por isso que propomos taxas sobre grandes fortunas, precisamente para poder depois baixar os impostos sobre o consumo, sobre quem trabalha e investir em serviços públicos.Como é que se resolve o problema do acesso à saúde sem intervenção do setor social e do setor privado?A intervenção do setor social e privado não vai resolver o problema. Vai, na verdade, agravá-lo. A intervenção do setor social e privado é o caminho para deixarmos de ter a SNS. E tudo bem, se essa fosse a vontade dos portugueses, o problema é que não parece que seja. Os partidos vão dizendo que defendem o SNS ao mesmo tempo que o vão desmantelando. E toda esta conversa de 'não importa a ideologia, as pessoas não querem saber', isso é conversa de quem quer vender o SNS. Depois, é um ciclo vicioso, mais uma vez. Porque quanto mais o SNS contratualiza serviços com privados, mais fica dependente dos privados, mais o conhecimento técnico é passado aos privados, mais os privados têm conhecimento sobre o funcionamento do SNS para concorrerem com o SNS, mais ficam com os profissionais. Vai haver um dia em que o SNS fica dependente dos privados para fornecer um serviço, uma técnica, ou profissionais, como acontece hoje, e os privados chegam e dizem 'eu cobro o que eu quiser, porque tu dependes de mim'. E nesse dia não há SNS. Não há. Acabou. O Estado deixa de conseguir prestar serviços de saúde porque perdeu o efeito de escala, porque perdeu o efeito de rede que há no SNS. Portanto, esta ideia de o privado é a solução, nem é a solução, nem é mais barato. Porque se o Estado está a contratualizar com o privado, está a pagar aos privados para o fazer, e muitas vezes mais do que se internalizasse. Quem diz que quer o privado, quer o privado porque quer destruir o SNS e quer transformar a saúde no negócio. Acho que não seria melhor se admitissem esse programa. Portanto, não acho que seja uma questão de dinheiro. O SNS gasta muito dinheiro em tarefeiros e em horas extraordinárias porque não quis fazer carreiras. O problema é uma visão de curto prazo sobre o SNS. O problema é que durante anos o PS disse, 'não quero aumentar a despesa estrutural, não quero contratar mais funcionários públicos porque isto fica mal para Bruxelas, não quero investir em carreiras porque isto é despesa de longo prazo, vamos contratar prestadores de serviços. Porque isso é despesa corrente, mas não é despesa em salários, entra nas prestações de serviços'. E, paulatinamente, foram-se substituindo médicos de quadro, enfermeiros de quadro, profissionais de quadro, por prestadores de serviços, por horas extraordinárias e por outsourcing de empresas e contratualização com privados. Isto foi um ponto que esses prestadores de serviços, que são os médicos, os enfermeiros e os profissionais, neste momento chegam ao hospital e dizem: Muito bem, eu trabalho, mas vais pagar-me três vezes o que pagas a um médico de quadro por cada hora o procedimento que eu faço. Eu não trabalho no Natal, não trabalho na passagem de ano, não trabalho no Verão e não trabalho no meu dia de anos.' E isto torna impossível gerir o SNS. Se nós não lidarmos com este problema, com carreiras, com exclusividade, com flexibilidade de horários, tornando o SNS atrativo, não vai ser possível salvar o SNS. É por isso que é tão urgente e tão importante fazê-lo.Como é que se torna o SNS mais atrativo? Com mais investimento? Como é que se faz esse investimento?O SNS vai continuar a absorver mais recursos. Porque o SNS gasta mais dinheiro em tarefeiros do que gastaria-se dessas carreiras aos médicos. É uma questão de escolha de modelo. É preciso investir hoje para nós conseguimos ter sustentabilidade no longo prazo. Quando nós não investimos hoje, no longo prazo os custos aumentam, porque estamos cada vez mais dependentes de prestadores autónomos, que têm muito poder de mercado, digamos assim, para negociar com o Estado. Não há volta a dar. Nós podemos andar às voltas, para tentar dizer que o problema é um problema de gestão. Também é um problema de gestão, é um problema de autonomia nos hospitais, é um problema de centralização das ULS [Unidades Locais de Saúde] nos hospitais, que absorvem recursos dos cuidados primários e da prevenção, que deveria ser o nosso foco. Nunca será o foco do privado, porque o privado prefere tratar do que prevenir a doença. Mas também é uma questão de exclusividade, de incentivos, de salários, de carreiras, não só para médicos, mas para todos os profissionais do SNS, que vão desde os auxiliares, que estão cá em baixo, e que sustentam os hospitais, qualquer pessoa que os frequente sabe, e que ganham muito perto do salário mínimo nacional, ou dos enfermeiros, que têm salários muito baixos.O manifesto do Bloco, muito antes do apagão do dia 28 de abril, propõe a reorganização do setor energético, a aposta na produção renovável descentralizada e a recuperação do controle da infraestrutura energética. Quanto é que custaria, por exemplo, a renacionalização de empresas, como propõe? Seria comportável?Há várias formas de ter controle público sobre empresas estratégicas. No caso da rede elétrica, há duas empresas que são importantes. A REN, que tem a concessão da própria rede elétrica e das suas infraestruturas, e que tem um centro operacional, que é o despacho da REN. O despacho da REN, para comprá-lo, para readquiri-lo para o Estado, seria 50, 60 milhões, não é uma despesa de todo incomportável, em qualquer orçamento do Estado, absorve isso sem nenhum problema. Mas mesmo se nós fizermos as contas, há maior participação na rede, ou seja, para o Estado comprar a preços de mercado, ações em que ficava com uma participação maior do que o maior acionista, que neste momento é o estado Chinês, isso custaria 420 milhões. Na verdade, 460 milhões, para não dizer um erro. 460 milhões. Nós temos sempre que encontrar comparações para as coisas soarem melhor. Mas cada ponto percentual de IRC que se baixa, como o ponto percentual que PS e PSD baixaram no último orçamento, são 366 milhões. Não é muito diferente. Não é muito diferente. É uma questão de escolhas. O IRS Jovem, que foi uma opção do Governo para baixar o IRS aos jovens mais ricos, custa 1000 milhões. São duas participações, duas maiores participações na REN. E mesmo na EDP estamos a falar de 2800 milhões. É óbvio que é um investimento. Mas é um investimento que é menos de dois anos do regime fiscal dos residentes não habituais. Todas as quantidades, as dimensões, têm que ser impostas em comparação. E o que estamos a readquirir é o controle estratégico da nossa rede elétrica, que. percebemos neste apagão, é crucial para a nossa segurança, para a nossa soberania, para a nossa sobrevivência. E acho que isso ficou muito claro.Qual seria o mal menor: negociar com a esquerda uma maioria parlamentar, ou não negociar e ter uma maioria de direita, se se repetir o resultado de 2024? Nós mostrámos sempre que estávamos à altura de exigências dos nossos tempos e, portanto, haver ou não condições para entendimentos da Assembleia da República à esquerda depende da eleição de deputados à esquerda. Isto é claro como a água, e que não haja nenhuma dúvida sobre isto. Mas a eleição de deputados à esquerda implica que as pessoas votem no Bloco de Esquerda. Porque a centralização do voto naquilo a que que chamamos voto útil tem dois problemas. O primeiro é que não muda nada. Pedro Nuno Santos disse em debates que se aproxima do PSD na política da habitação e, portanto, não tem mais nenhuma medida para resolver esse problema, que é provavelmente um dos maiores dramas sociais. Se formos ao fundo da questão na saúde, percebemos que apesar de atirarem as culpas um ao outro, as políticas vão no mesmo sentido. Os instrumentos que o PSD está a usar na saúde são aqueles que o PS criou. Eu compreendo que o PS não goste da forma como o PSD está a usá-los, mas eles estavam lá. A degradação do SNS começa por descaso do PS e por uma opção do PS. É esta alternância sem alternativa que vai degradando as opções da democracia. Além de que, de forma meramente aritmética, se olharmos apenas para quem tem mais um voto, PS ou PSD, estamos sempre a falar de um governo de um apoiado pelo outro. O que é a mesma coisa que dizer alternância sem alternativa. E para romper este ciclo é preciso ter votos à esquerda.O Bloco tem vindo a perder peso parlamentar. Recuperou em 2024 nos votos, mas não em mandatos. Como é que explica esta queda, tendo em conta as bandeiras do Bloco, como o acesso à habitação e à saúde, e o aumento de salários, que aparentam corresponder às necessidades da maioria das pessoas? A justiça das nossas propostas, que fazemos para a maioria, nem sempre corresponde a resultados. Há uma viragem à direita que não podemos ignorar e que se vai expandindo por todo o espectro político, e que é uma viragem política, ideológica, cultural. Podemos falar muito sobre as suas causas. Perante esta viragem tão avassaladora, não podemos ter uma viragem à direita e ao mesmo tempo a esquerda em crescimento. A esquerda está a passar um momento difícil e é bom que assuma isso. Eu discordo é sobre a ideia da responsabilidade da esquerda - estou a falar da esquerda à esquerda do PS. Há neste centro social-liberal, os PS e PSD por toda a Europa, e também nos Estados Unidos, com o Partido Democrata, naquilo que Fernando Rosas diria ser uma traição histórica. Todos estes partidos largaram as promessas do pós-guerra. Continuam a falar de solidariedade, de justiça, de alguns valores de esquerda, mas foram os partidos que privatizaram, que liberalizaram, que introduziram a finança liberalizada nas nossas vidas, que introduziram uma cultura de individualismo, de egoísmo, que vão adotando as políticas xenófobas e de levantamento de muros e de fronteiras, e fazem isto apesar de um discurso com alguns princípios e valores próximos da esquerda. Esta política, do capitalismo, está a gerar vítimas, descontentes, frustração, e é essa política que está a ser aproveitada pelo discurso de ódio e pela ofensiva cultural da extrema-direita, que tem meios económicos e financeiros que nunca um partido de esquerda -, que defende a maioria - terá. Simplesmente porque não defendemos a especulação imobiliária, não defendemos os oligarcas que dominam a economia. É um sistema que quer manter as suas condições de mercantilização da nossa vida. Percebeu que os partidos de centro já não eram capazes de responder e, portanto, cria uma resposta autoritária e os partidos de centro vão resvalando devagarinho. Isso arrasta e torna os momentos muito difíceis, e a esquerda tem de estar à altura destes tempos. Devemos dizer às pessoas o que pensamos sobre o ciclo político. Isto não é só porque dissemos a frase errada ou não encontrámos a tática e estratégia eleitoral certa. O mundo está à nossa volta, é maior do que nós, e era importante que o conseguíssemos ler..“Traidores”: membros da extrema-direita voltam-se contra a PSP