Hermínio Barradas, presidente da direcção da Associação Sindical de chefias do corpo da guarda profissional, em entrevista ao DN.
Hermínio Barradas, presidente da direcção da Associação Sindical de chefias do corpo da guarda profissional, em entrevista ao DN.Reinaldo Rodrigues

“Já havia sinais de que estavam a entrar estupefacientes e telemóveis em algumas prisões”

Hermínio Barradas, presidente da Associação Sindical de Chefias do Corpo da Guarda Prisional, vê com bons olhos a detenção de dois guardas prisionais suspeitos de integrar esquema de venda de drogas.
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Como é que comenta a operação realizada esta quarta-feira, que teve como alguns dos alvos dois guardas prisionais?

Sim, a justiça tem que fazer o seu trabalho. Se realmente há profissionais do Corpo da Guarda Prisional que andam com atividades ilícitas e ilegais, a justiça tem que atuar. É um bocado triste porque nós temos um grande espírito de missão e uma noção de um forte interesse superior do serviço público. Conseguimos manter o sistema de forma entrópica, com menos de 25% do quadro orgânico e bastante envelhecidos, e depois acontecem estes fenómenos. Mas ficamos contentes, por outro lado, porque acabamos por separar o trigo do joio. Não temos qualquer melindre nem constrangimento por esta operação ter acontecido.

Mas já desconfiavam de alguma coisa? Já havia algum sinal?

Sim, havia sinais, porque foram detetados em alguns estabelecimentos prisionais fluxos de estupefacientes e de telemóveis, principalmente agora que estão proibidas as substâncias para as pessoas que praticam desporto, vulgo esteroides ou anabolizantes. Ainda há coisa de um ano, houve a criação, pela direção-geral, de uma task force, para o estabelecimento prisional junto à Polícia Judiciária de Lisboa. Havia fortes indícios que andavam a entrar coisas que não deveriam entrar, e foram vários chefes e vários guardas de outros estabelecimentos prisionais para esse estabelecimento, para tentar ter um controle mais efetivo nas atividades de portaria, mas revelou-se um flop. Consta que houve um absentismo muito elevado, e possivelmente entre manter o estabelecimento prisional a funcionar, ou ter uma atitude mais firme, foi a primeira opção: mantiveram o estabelecimento a funcionar, e a tal task force retirou-se. E hoje temos este infeliz acontecimento, em que um dos principais estabelecimentos visados é o da Polícia Judiciária de Lisboa.

A entrada de substâncias ilícitas nas prisões, na verdade, não é algo novo, e não é algo exclusivo de Portugal, isso acontece em muitas prisões pelo mundo. Mas, de uma maneira geral, com aquilo que hoje a Guarda Prisional tem para trabalhar, tanto em termos de meios, quanto em termos de pessoas, se tivesse mais, era possível proibir mais essas práticas?

Sim, se tivéssemos o efetivo adequado, haveria de reduzir, quer a própria inibição da tentativa, das pessoas que o fazem, porque nós chegamos a ter portarias em horas críticas, se calhar só com uma pessoa ou duas, é muito difícil fazer os procedimentos de revista, os estabelecimentos estão todos deficitários nos seus quadros, muitos guardas, e guardas, femininas, acabam por prescindir de folgas, terem folgas suprimidas, realizar trabalho suplementar, que é uma praga que está a proliferar agora entre o corpo da Guarda Prisional, apenas para manter o sistema, porque as pessoas têm ali um espírito de missão, que parece que as prisões já fazem parte deles, sentem quando aquilo está a funcionar mal, sentem o dever de dar mais alguma coisa, é claro que da parte da tutela, passam ao lado, não gratificam, não há reconhecimento sobre esta dádiva, digamos assim, dos profissionais do corpo da Guarda. Os episódios sucedem-se, fugas, tentativas de fugas, drones a entregar produtos ilícitos por janelas de estabelecimentos, todos os dias há acontecimentos insólitos e nós não os conseguimos controlar. O mais grave foi o de setembro do ano passado, não é?

Sim, era o que eu ia perguntar. Já se passaram alguns meses da fuga do Vale dos Judeus, olhando para trás, como é que vê este acontecimento?

O que potenciou, no nosso entender, aquele acontecimento foi a capacidade de comunicação que existia do interior do estabelecimento para o exterior. A partir daí, se houver recursos, e permita-me aqui dizer que para nós não foi uma fuga, para nós foi uma tirada de presos, homens armados, competentemente armados, sabiam bem o que iam fazer, e foram retirar presos à cadeia, porque eles é que atiram os instrumentos com os quais eles conseguem evadir-se, e com fuga via automóvel, e nós não temos capacidade, porque decorria as visitas, aquilo foi minucioso, foi estudado, foi planeado, correu-lhes bem, não é? Há muita falta de pessoas. Daquele efetivo que lá estava, pensamos que quatro, cinco não tinham que lá estar, foram trabalhar numa folga, e mesmo assim aquela questão deu-se.

Vamos a eleições muito em breve. Quais acham que devem ser as prioridades do Governo que for eleito?

Enquanto cidadão, consta que vai ser uma Assembleia, um Parlamento semelhante ao atual no sentido de ser espartilhado. Portanto, certamente terão outras preocupações que não as prisões. Enquanto membro associativo, não vejo outra solução que não seja um pacto de regime entre as diversas tendências políticas que assumam que vamos resolver o problema das prisões, custe o que custar. Quanto é que custa? Tanto. Vamos resolver. E não é só os guardas prisionais, volto a referir. Todos os profissionais.

Acha que os partidos que hoje têm assento na Assembleia da República conseguiriam se entender para fazer um pacto de regime nessa matéria?

Quando foi a fuga de Vale dos Judeus houve muita consonância e convergência no que era preciso fazer, mas rapidamente surgem outros assuntos que são mais importantes para uma tendência ou para outra e o que é certo é que nada é resolvido.

Confira a entrevista na íntegra

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