No ano passado, 551 pessoas procuraram o escritório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) para se inscreverem no programa de retorno voluntário, o ARVoRe IX. Destas, 161 pessoas foram atendidas pelo programa, que suporta as despesas para o regresso ao país de origem. Os dados representam uma descida na procura, quando comparados com 2023, quando 1017 pessoas fizeram esta solicitação. Mas há um detalhe importante: apenas em julho os apoios ao regresso começaram, porque houve um atraso no protocolo que garante a execução do programa.Quer nos cidadãos que procuram apoio, quer nos que o recebem efetivamente, os brasileiros são a maioria, situação que se mantêm inalterada desde o início do programa. Desde 1997, quando o projeto começou, os brasileiros sempre foram os cidadãos que mais requerem esta ajuda. Porém, é preciso olhar com atenção para todos os fatores envolvidos nesta dinâmica e as razões que estão por trás da frieza dos números.Quem sabe de todos os pormenores é Vasco Malta, chefe de missão da OIM em Portugal. Ao DN, revela detalhes que ajudam a entender o cenário do programa e das razões que levam os imigrantes a procurá-lo. Segundo o chefe de missão, são três os principais motivos apontados pelos cidadãos quando chegam à OIM com o desejo de voltar para o país onde nasceram.Um deles é a dificuldade financeira que enfrentam no país, sobretudo em Lisboa e outros grandes centros urbanos. “É inegável que entre 2016 e 2024, um dos fatores que tem influenciado [os pedidos de ajuda] está relacionado, concretamente, com o custo de vida em Portugal. Num curto espaço de tempo, estamos a falar de menos de 10 anos, houve um custo exponencial do custo de vida das pessoas”, começa por dizer Vasco Malta.É certo que o impacto do aumento do custo de vida é sentido por toda a população, no entanto, pode ser mais grave para os cidadãos imigrantes, nem sempre dotados de uma rede de apoio. “Portanto, a partir do momento em que há esse aumento exponencial de custo de vida, isso provoca, provavelmente, mais dificuldades por parte de quem faz o seu percurso migratório para Portugal em conseguir, digamos assim, ter um rendimento considerado minimamente realizável para o seu trabalho”, analisa.Ainda de acordo com o dirigente, os custos com habitação é um dos mais pesados. “É um exercício que pode ser frustrante, porque a pessoa pode pensar que vai receber, vamos imaginar, 1000 euros, e, no entanto, em Lisboa, por exemplo, pode não ter habitação digna por valores muito abaixo desses”, ressalta.O segundo ponto está ligado ao primeiro: o mercado de trabalho português. “Efetivamente, os imigrantes têm dificuldade no acesso ao mercado de trabalho, não só do ponto de vista salarial, mas também porque, muitas vezes, não vai ao encontro do que a pessoa esperava”, argumenta..Se não fossem os imigrantes, Portugal já estava a destruir emprego.Neste aspeto, Vasco Malta sente essa questão particularmente entre brasileiros, que, mesmo altamente qualificados profissionalmente, não conseguem colocar-se nas suas áreas de trabalho. “A falta de reconhecimento das qualificações é bastante visível. É um tema complexo, muitas vezes nem o Estado consegue resolver - existem as ordens profissionais e isso provoca, entre os imigrantes, muita frustração”, frisa.Para o chefe de missão da OIM, existem “muitas áreas em Portugal” com necessidade de mão-de-obra qualificada. “Há claramente falta de profissionais para dar conta das necessidades que o mercado nacional tem demonstrado. Era muito, muito importante, efetivamente, que essas qualificações fossem aproveitadas e não são”, contextualiza.O terceiro ponto, que começa a ser o mais recente, se comparado com anos anteriores, é a dificuldade em obter a regularização no país, principalmente por causa da demora nos processos. “Esta dificuldade foi bastante reportada por quem nos procurou. Precisamos garantir que as pessoas que procuram Portugal para viver, para trabalhar, para montar os seus negócios, tenham os seus documentos, os seus direitos, como está assegurado na Constituição Portuguesa”, explica..Tempo de volta cada vez mais curtoAlém de a demora documental se ter tornado um fator relevante nos motivos que levam um imigrante a querer regressar ao seu país, Vasco Malta chama a atenção para outra situação: o tempo de procura do programa é cada vez menor, se comparado com anos anteriores.“Os pedidos para voltar ao país de origem surgem cada vez mais cedo. Antigamente, o percurso migratório destas pessoas era de três, quatro anos. Depois, as coisas provavelmente não funcionavam e voltavam para o seu país de origem, mas, neste preciso momento, o que nós temos sentido é que o pedido de ajuda para voltar ao país de origem é uma questão de meses”, conta Malta.Outra mudança está no perfil migratório, e, consequentemente, de quem quer regressar ao país de origem. No ano passado, das 161 pessoas apoiadas no retorno, 53 eram crianças, ou seja, há um aumento de famílias migrantes, dado apresentado por Vasco Malta em exclusividade ao DN. “Se olharmos provavelmente para até 2016, o perfil de um migrante em Portugal era muito mais masculino, sozinho. Aquilo que nós temos sentido é que esse perfil mudou e passaram muitas vezes a incluir famílias. Isso é particularmente visível na comunidade brasileira, que cada vez vem mais em família do que propriamente só o elemento masculino da família”, explica o chefe de missão. Ao mesmo tempo, a equipa da OIM observa que chegam casos de vulnerabilidade mais extrema. “Aquilo que nós percebemos é que muitas das pessoas que estão a pedir o apoio à OIM para voltar ao seu país de origem são cada vez mais casos de extrema vulnerabilidade. E muitos deles, efetivamente, são pessoas sem abrigo”, revela..Crime violento: Em 15 anos rácio de estrangeiros detidos caiu para metade.De acordo com Vasco Malta, esse perfil começou a ser maior em 2023 e em 2024. “Estamos a falar de pessoas que também foram vítimas de violência doméstica, que foram vítimas de tráfico de seres humanos, e a que a OIM dá resposta, através deste projeto, de apoio a estas pessoas, para que, de forma segura e humana, regressem”, diz. No entanto, afirma que é importante deixar claro que não são a maioria das pessoas atendidas que estão em máxima vulnerabilidade. “É preocupante esse número ter crescido, de pessoas de extrema vulnerabilidade, mas é preciso também deixar bem claro que não é a maioria dos casos que nos procuram. Nesse aspeto é uma boa notícia”, analisa.PlaneamentoVasco Malta reforça ao DN que a falta de planeamento migratório também está na raiz da questão, o que leva a OIM a abordar, com mais frequência, a importância de esta informação ser disseminada. “Quero reforçar a importância do que tenho dito publicamente: a OIM tem dito isto nos vários fóruns, inclusive até nos vários países de origem das pessoas migrantes - a importância de planear o percurso migratório”, alerta.A OIM está a realizar reuniões e participações em eventos para disseminar esta ideia, além de apresentar o programa de retorno em consulados e embaixadas, por exemplo. Na semana passada, Vasco Malta participou de reunião virtual com os cônsules do Brasil em Faro, Lisboa e Porto. Alessandro Candeas, cônsul-geral na capital portuguesa foi o organizador da reunião. “O objetivo foi conhecer mais profundamente o programa de retorno voluntário de imigrantes ao Brasil, com todo o apoio necessário, oferecido por aquele organismo internacional”, disse ao DN.Depois do encontro, foram divulgados nos canais oficiais do consulado os detalhes do programa. Com o protocolo assinado no verão passado, a iniciativa está assegurada até 2026.O programa inclui informação e aconselhamento, apoio psicossocial, assistência logística e administrativa na preparação da viagem, bem como assistência operacional no aeroporto até ao embarque, o pagamento do bilhete e 70 euros em dinheiro para despesas na viagem ou chegada ao país. Mais detalhes sobre o programa estão disponíveis no site da OIM.amanda.lima@dn.pt.AIMA cria novo portal para quem tem manifestação de interesse e não foi chamado