"Portugal, em particular, desempenha um papel crucial como ponte entre a China e Europa, tornando-se um parceiro estratégico essencial para impulsionar o crescimento conjunto”, afirmou ontem Liu Jiandong. O presidente da Câmara de Comércio da China na União Europeia (CCCEU, na sigla em inglês) falava durante um fórum sob o mote “Nova Era e Novas Oportunidades”, organizado em Lisboa em parceria com a Associação de Sociedades Chinesas em Portugal (ASCP). “Nos últimos anos, os investimentos chineses em Portugal e na Europa têm-se intensificado. Empresas chinesas têm contribuído ativamente para o avanço da energia renovável, da manufatura inteligente, da economia digital e do desenvolvimento sustentável, sempre com o princípio da partilha e beneficio mútuo”, acrescentou Liu, num registo que foi constante de elogio da parceria luso-chinesa e também da importância de China e Europa cooperarem cada vez mais perante as incertezas do cenário internacional. A sessão foi aberta pelo secretário-geral da CCCEU, Fang Dongkui, e coube ao embaixador chinês em Portugal, Zhao Bentang, a primeira das intervenções de fundo. O diplomata começou logo por fazer uma análise do momento geopolítico: “Atualmente, o mundo enfrenta mudanças, ajustes e turbulências constantes, mas o desenvolvimento e a cooperação internacional continuam a ser a corrente principal e o consenso da comunidade internacional”. E disse ainda: “situadas nos extremos leste e oeste do continente euro-asiático, China e Europa não possuem conflitos fundamentais de interesses nem divergências geopolíticas” e “ao longo dos anos, ambas têm sido grandes forças na promoção da multipolaridade, dois importantes mercados que apoiam a globalização e duas grandes civilizações que defendem a diversidade”. Para reforçar, Zhao relembrou que o comércio bilateral entre a China e a Europa atingiu no ano passado 785,8 mil milhões de dólares, e o investimento bidirecional totalizou 260 mil milhões de dólares.Veio de seguida o elogio do embaixador a Portugal, e a importância da relação económica: “a China continua a ser o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia e tornou-se o quarto maior país de origem dos investimentos no país. A cooperação mutuamente benéfica entre a China e Portugal tornou-se um exemplo de cooperação de ganhos compartilhados entre países com sistemas sociais, contextos históricos e dimensões territoriais diferentes”. Esta referência à necessidade de separar política e economia foi reforçada por Zhao em nova referência à geopolítica: “num mundo em constante turbulência, é ainda mais necessário retirar os óculos coloridos da ideologia, eliminar as interferências externas e, tendo em conta os interesses reais dos povos de ambas as partes, aproveitar plenamente o papel das relações económicas e comerciais”.Obviamente que o tema do fórum era a relação entre a China e a Europa, e entre a China e Portugal em especial, e não houve referências diretas nem à nova Administração americana, nem à pressão feita pelos Estados Unidos sobre várias capitais europeias para limitarem as parceiras com Pequim, e isto mesmo ainda antes de Donald Trump substituir Joe Biden na Casa Branca. Ainda em outubro, por exemplo, esteve em Portugal o vice-secretário para Crescimento Económico, Energia e Ambiente, Jose W. Fernandez, para dizer que os americanos estavam contra os investimentos chineses em “setores críticos” da economia portuguesa. Mas essa ausência de referências diretas à forma como Washington procura influenciar o resto do mundo não implica que não tenham uma leitura evidente referências como a sobre “interferências externas”.Perante os ventos protecionistas que sopram de vários quadrantes a Ocidente, Pequim tem feito uma defesa convicta dos méritos da globalização, e a própria iniciativa “Uma faixa, uma rota”, lançada em 2013 pelo presidente Xi Jinping surge nesse contexto. Daí não ser de estranhar os elogios sobre o pioneirismo dos portugueses, primeiros europeus a chegar por mar à China, em 1513.“A Era dos Descobrimentos, iniciada por Portugal e outros países, lançou as bases da liberalização do comércio e a globalização económica, conectando progressivamente o mundo num único sistema orgânico, cujos impactos ainda se fazem sentir hoje”, fez questão também de salientar no seu discurso o presidente da CCCEU, prosseguindo com “tanto a China como Portugal são forças promotoras da abertura e do diálogo, tendo alcançado resultados expressivos na colaboração em setores como infraestruturas, energia, finanças e tecnologia”. A ideia de Portugal como ponte foi desenvolvida por vários intervenientes, como o embaixador Zhao, que disse “esperar que os amigos empresários da China e da Europa, bem como da China e de Portugal, desempenhem um bom papel como ponte e elo nas relações de amizade entre ambas as partes”, ou Guo Zhiyao, presidente da ASCP, que notou ser importante “considerar Portugal como uma porta de entrada para o mercado europeu” e também “como um ponto de partida para os países de língua portuguesa”. Entre os oradores esteve Ricardo Arroja, da AICEP, que relembrou os “cinco séculos de amizade entre os nossos dois países” e os 12 mil milhões de dólares em investimento (Fosun na Fidelidade e BCP, China Three Gorges na EDP, State Grid na REN, etc, etc). O presidente da AICEP referiu ainda como uma vantagem para o investimento chinês o facto de Portugal, além de fazer parte do espaço económico europeu, ter “uma relação privilegiada com uma comunidade de língua portuguesa que abrange 260 milhões de pessoas em África, nas Américas e no continente asiático”. De novo a tal ideia de Portugal como “ponte” neste fórum onde participaram igualmente, entre outras personalidades, o embaixador Martins da Cruz, Luís Neves, CEO da GeSI, Manuel Pinheiro, da Salvador Caetano, Wang Yi, conselheiro na missão da China junto da UE, Li Yong, conselheiro, Zhang Hui, do Automotive Working Group, e Liang Linlin, diretora de pesquisa da CCCEU.