Guido Tabellini: Sem eurobonds "o projeto do euro poderá desfazer-se"
Guido Tabellini, italiano de 64 anos, é professor de Economia Política na Universidade de Bocconi desde 1994, onde foi reitor, no auge da crise financeira. É um dos mais influentes economistas do presente que, com os seus trabalhos, deu argumentos a muitos dos governantes das últimas décadas. Os seus artigos, em parceria com Alberto Alessina, sobre o papel que a política desempenha no crescimento do défice e na dívida pública influenciaram, por exemplo, Vítor Gaspar, que gosta de citar estes economistas italianos com uma longa carreira académica nos Estados Unidos. Tabellini lecionou em Stanford e na UCLA, nos EUA. É membro honorário estrangeiro da Academia Americana de Artes e Ciências e foi presidente da Associação Económica Europeia.
Na crise passada, o seu nome foi muitas vezes invocado na Europa. Os governos, que seguiam a linha política da "austeridade", justificavam a sua ação com os trabalhos académicos de Tabellini e dos seus colegas professores de Bocconi. Para os economistas que o contestam, Tabellini é um dos responsáveis pelo falhanço da política de contenção, em plena crise, aplicada sobretudo aos países do sul (Portugal, Grécia, Itália, Espanha). Para os governos europeus que exigiram essa austeridade - e o cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento -, Tabellini era uma das vozes a ouvir.
Desta vez, os papéis podem inverter-se. Porque nesta entrevista, que deu por escrito ao Investigate Europe, quando a Europa se mostra, de novo, dividida, Tabellini é muito crítico da posição de países como a Alemanha, a Holanda, a Finlândia e a Áustria.
Para Tabellini, os eurobonds (ou coronabonds), ou seja, a emissão de dívida pública europeia comum, são "o instrumento certo" para lidar com a crise. "Estamos a viver um momento histórico chave. As decisões políticas tomadas agora terão enormes implicações para as gerações futuras, e serão discutidas nos livros de História", começa por advertir. Mais à frente conclui: "Os líderes políticos devem ser guiados pela visão de uma Europa forte e unida, e não por sondagens de opinião semanais."
Nesta fase da crise, qual é a importância de uma resposta financeira europeia comum? E porquê?
É muito importante por várias razões. Os países da zona euro têm diferentes capacidades para pedir emprestadas as quantias muito grandes que serão necessárias. Este tipo de choque é idealmente enfrentado com uma combinação de financiamento monetário e empréstimos em prazos muito longos a taxas de juro muito baixas. Uma resposta financeira comum permitirá que isto aconteça e facilitará também a coordenação das expansões monetárias e fiscais. Se os países tiverem de financiar este choque por conta própria, o peso da dívida pode deixar os Estados membros mais fracos numa depressão prolongada quando a emergência de saúde terminar. Uma reforma financeira comum também seria politicamente importante, pois seria um passo para uma maior integração política e eventualmente para o desenvolvimento de uma capacidade fiscal conjunta para a zona euro. Ambas são os complementos de longo prazo da união monetária, que desde o início foi concebida como um projeto político e não apenas económico. O coronavírus é um acontecimento único na vida, com enormes implicações económicas e políticas. Se a zona euro não conseguir alcançar uma maior integração agora, provavelmente nunca alcançará. Muitos eleitores tirarão as consequências lógicas disto, e todo o projeto do euro poderá desfazer-se.
Qual deveria ser essa resposta comum? A anunciada linha de crédito ou um vínculo comum? Ou um plano gradual, dependendo de como a crise evolui?
Uma obrigação comum é o instrumento certo, o ESM [European Stability Mechanism] foi concebido para outros fins, requer uma análise de sustentabilidade da dívida e condicionalidade.
Se - grande se... - esta crise durar mais tempo e o prejuízo económico crescer até aos dois dígitos do PIB para alguns ou todos os Estados membros, um instrumento de dívida comum europeu é a única solução viável?
Esses não são grandes "ses". As consequências económicas do coronavírus não desaparecerão enquanto não for encontrada uma vacina ou não tivermos alcançado a imunidade, o que poderá levar 18 meses ou mais. E muitos analistas já preveem uma contração da produção nos dois dígitos para alguns países europeus. Existem outras soluções, incluindo grandes compras de dívidas nacionais pelo BCE, mas um instrumento de dívida comum seria institucional e politicamente muito mais sólido.
Qual é a sua sugestão para os Estados membros que estão relutantes até mesmo em falar do crédito do ESM, quanto mais de dívida europeia comum?
Estamos a viver um momento histórico chave. As decisões políticas tomadas agora terão enormes implicações para as gerações futuras, e serão discutidas nos livros de História. Os líderes políticos devem ser guiados pela visão de uma Europa forte e unida, e não por sondagens de opinião semanais.