Numa altura em que se discute no Parlamento uma proposta de alteração à lei contra a violência no desporto, há uma inusitada pressão para ser liberalizada a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. O superintendente Luís Elias, que estuda o fenómeno do ponto de vista da segurança e é o responsável máximo das operações da PSP, estranha esta jogada quando há ainda "tantos problemas para resolver". Dá como exemplo o facto de só haver 15 pessoas impedidas de entrar em estádios quando a polícia já identificou "centenas de adeptos de risco"..Porque é que a PSP é contra a venda de álcool dentro dos estádios de futebol?.A posição da PSP é baseada em inúmeras investigações científicas que ligam o consumo excessivo de bebidas alcoólicas à violência. São vários os estudos académicos internacionais (Organização Mundial da Saúde, universidades de Oxford, Liverpool, Chicago, entre outras), nacionais (Escola de Criminologia do Porto), dos governos britânico e norte-americano que analisam o impacto do álcool na violência em locais de diversão noturna, na criminalidade violenta, na violência doméstica e na delinquência juvenil. A análise sobre os efeitos do álcool e o hooliganismo, referidos em muitas dessas investigações, aliada à experiência da PSP sedimentam a nossa convicção de que trazer álcool para dentro dos estádios e dos pavilhões das mais diversas modalidades é potenciar os riscos de violência em ambiente desportivo. Deixo aqui duas recomendações de leitura, o artigo de Eric Dunning "Towards a sociological understanding of football hooliganism as a world phenomenon" e o livro Football Hooliganism, de Steve Frosdick e Peter Marsh. Penso que se deve inverter o ónus da prova, que as entidades que propõem esta liberalização apresentem estudos que comprovem que esta medida não traz riscos acrescidos para a saúde pública, violência e incivilidades. Para concluir, não podemos deixar de manifestar a nossa estranheza por, com tantos problemas para resolver em Portugal e numa fase avançada da discussão das alterações à lei, surgir esta proposta - certamente motivada por interesses económicos - sem qualquer base científica, desgarrada e como se fosse a primeira prioridade..Quer indicar quais são para a PSP esses problemas que mais urge resolver e que constituem os principais fatores de risco?.Sem dúvida a permeabilidade dos grupos organizados de adeptos (GOA) - as claques - a determinados tipos de criminalidade. Falo do tráfico de estupefacientes, do tráfico de artigos pirotécnicos e da contaminação de algumas franjas de adeptos por subculturas como a dos casuals (importada do Reino Unido) e ideologias como a extrema-direita. Muitos adeptos de risco apoiam sobretudo o seu clube, circulando entre diferentes desportos (futebol, futsal, hóquei em patins, andebol, entre outros), assim como entre a I e II Liga, em competições profissionais e não profissionais, facto que nos leva a pensar que temos de fazer uma análise transversal da violência em diversos contextos e em diversos desportos. Algumas modalidades (como o futsal, o andebol e o hóquei) estão a ser contaminadas por adeptos violentos, essencialmente ligados ao futebol..No entanto, existem apenas 15 pessoas proibidas de entrar nos estádios, apesar de a PSP ter identificado mais de 2000 adeptos de risco, isto de acordo com números de 2018..Esse é um ponto essencial - afastar os adeptos de risco do interior dos complexos desportivos, através da aplicação de medidas de interdição para os que cometam atos violentos, de intolerância, xenófobos ou racistas. Essas 15 medidas de interdição foram decretadas pelas autoridades judiciais e nenhuma até hoje foi decretada pela autoridade administrativa competente (antes o Instituto Português do Desporto e da Juventude, IPDJ, e agora a recém-criada Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, ANPCVD). Só para se ter noção, a PSP detém, em média, por época desportiva entre 150 e 200 adeptos que cometem crimes, mais 500 a 600 autos de contraordenação. Não digo que todos eles devessem ser interditados de entrar nos estádios, mas há com toda a certeza, pelo menos, entre duas e três centenas que podiam ser sujeitos a essa proibição..E como se consegue controlar o cumprimento dessa medida?.Ao contrário do que tem sido dito, as forças de segurança têm capacidade para controlar um número muito maior de adeptos aos quais sejam aplicadas medidas de interdição, sobretudo se for decretada (quer pelas entidades judiciais quer pelas administrativas) a obrigação para que esses adeptos se apresentem em esquadras da PSP ou postos da GNR nos dias e horas dos jogos..As claques não registadas são um problema de segurança. Porque é que os clubes o permitem?.Essa questão terá de ser colocada aos clubes em concreto onde isso acontece. No entanto, devo dizer que se verifica uma tendência positiva de registo dos GOA dos principais clubes ou SAD. A PSP tem levantado centenas de autos em relação a essa situação. Infelizmente, este é um exemplo de alguma incapacidade dos organizadores e das autoridades administrativas (antes o IPDJ, agora terá de ser a ANPCVD) para aplicarem sanções aos clubes por incumprimento da lei. Digo que é fundamental uma política transparente de gestão dos apoios dos clubes aos GOA, recusando apoio aos que não cumpram os requisitos legais. Será muito importante a mudança de atitude dos clubes relativamente à instrumentalização dos GOA como meio de pressão. Não podemos reduzir o problema da violência no desporto a um mero problema de polícia (e de mais polícia, por exemplo, nas competições não profissionais e juvenis). Estou a falar de uma ação disciplinar firme, célere e consequente dos organizadores das competições, que corresponsabilize os clubes pelo comportamento dos adeptos. Em resumo, a corresponsabilização de todos os agentes desportivos, autoridades judiciais, policiais e administrativas para, num esforço conjunto, prevenir a violência no desporto..Quanto custa aos contribuintes a segurança dos jogos de futebol?.A título de exemplo, no caso do jogo FC Porto-Benfica, no início de março, os encargos com policiamento em serviço público rondaram entre 27 mil euros e 30 mil euros.