Na história do cinema coreano, 2019 ficará como o ano em que, pela primeira vez, um realizador desta nacionalidade venceu a Palma de Ouro em Cannes. Com Parasitas, delirante e engenhoso retrato contemporâneo da luta de classes em Seul, Bong Joon Ho conseguiu a proeza que nem Hong Sang-soo (Noutro País) nem Park Chan-Wook (Oldboy - Velho Amigo) ou Lee Chang-dong (Poesia) conseguiram, apesar de serem eles os nomes mais conceituados e regulares desse certame, com outros prémios alcançados..É um indicador forte de que esta cinematografia vai ganhando prestígio, mas sobretudo de que os seus autores vão firmando presença, nomeadamente no panorama europeu. Não por acaso, também neste ano vimos chegar às nossas salas Em Chamas, uma notável adaptação de um conto enigmático de Murakami, por um dos referidos ilustres cineastas, Lee Chang-dong, que se contou entre os títulos mais badalados de 2018, tido como a Palma de Ouro da crítica em Cannes. E a juntar-se ao próspero cenário, por estes dias - ainda com Parasitas em cartaz - há mais filmes coreanos para descobrir em Lisboa..Organizada pela Embaixada da República da Coreia em Portugal, a Semana da Cultura Coreana encerra os seus eventos neste sábado com uma pequena mostra de cinema, acolhida pela Culturgest. Há três filmes, de géneros distintos, para ver: Little Forest (14.00), de Sunrye Im, o drama de uma jovem mulher que decide deixar a vida na cidade para regressar à aldeia da sua infância; The Throne (17.00), de Joonik Lee, uma narrativa de época centrada no reinado de Yeongjo e no seu conflito com o filho herdeiro; e Assassination (20.00), de Dong-hoon Choi, uma trama de ação e espionagem ambientada nos anos 1930..As variações de Hong Sang-soo.Por sua vez, o mês de dezembro na Cinemateca é sinónimo de Hong Sang-soo (n. 1960). Uma retrospetiva integral da sua obra (23 longas-metragens) vai finalmente colmatar a descontinuidade da distribuição comercial dos seus filmes por cá - recorde-se que o último a estrear-se nas nossas salas foi O Dia Seguinte (2017), e os dois que realizou depois desse não chegaram ao circuito. Esta é, por isso, uma oportunidade raríssima para conhecer na totalidade, e por ordem cronológica, a filmografia de um dos mais singulares cineastas contemporâneos, com impacto internacional, que tem no nosso país um público muito fiel e cada vez mais apreciadores..Conhecido pela criação de "pequenos" enredos dramáticos semelhantes entre si - daí o adequado título da retrospetiva, "As variações de Hong Sang-soo" -, que exploram as relações humanas, entre o desejo e a frustração, quase sempre à mesa de um restaurante ou café, este é um cineasta que se distingue pela combinação inteligente do experimentalismo formal com motivos quotidianos que se transfiguram em deliciosos diálogos. Daí que seja particularmente interessante observar o seu trabalho no conjunto, porque a beleza e o génio de cada um dos filmes integra um verdadeiro jogo de temas, gestos e ações que se repetem, entre cigarros, chávenas de café e soju (bebida tradicional coreana)..Um dos exemplos perfeitos dessa lógica de repetição interna - cuja liberdade depende de produções de baixo orçamento, que nascem de um certo improviso e cumplicidade com os atores - é o seu filme de 2015, Sítio Certo, História Errada, em que, no interior da mesma película, se encena duas versões do encontro romântico entre um realizador e uma jovem pintora, com um olhar subtil às nuances da circunstância. Este foi um dos poucos títulos de Hong Sang-soo com estreia em Portugal (logo depois de ganhar o Leopardo de Ouro em Locarno), e voltará agora a ser exibido em janeiro, no âmbito desta retrospetiva da Cinemateca, que devido à sua extensão continua no início de 2020..5 filmes para conhecer Hong Sang-soo. Conto de Cinema dia 3, 21.30/dia 17, 18.30 Composto por duas partes que se refletem uma na outra, Conto de Cinema (2005) é uma história de amor juvenil... e suicida. Usa o cinema como máxima fantasia, desde logo seguindo os passos de um espectador obcecado pela imagem da atriz de um filme. Aqui Hong Sang-soo inaugurou o seu distintivo uso do zoom, que se tornou um ingrediente estilístico essencial.. O Poder da Província de Kangwon dia 4, 21.30/dia 9, 18.30 Na tentativa de sarar o fim de um relacionamento amoroso, um homem e uma mulher partem de férias para o mesmo lugar - a tal província de Kangwon do título - sem o saberem. Esta será uma viagem mais introspetiva do que geográfica, e é explorada através da estrutura narrativa dupla que permite a Hong Sang-soo a sua peculiar observação do drama individual de cada personagem.. A Mulher é o Futuro do Homem dia 9, 19.00/dia 16, 18.30 O título, traduzido da versão internacional, Woman Is the Future of Man, é tirado de um poema de Louis Aragon que intrigou o realizador. Neste filme, dois amigos reencontram-se, bebem soju e decidem visitar juntos a mulher com quem tiveram ambos um relacionamento, em tempos diferentes do passado. Entre flashbacks que nos elucidam das suas memórias e o momento partilhado pelo trio, as personagens vão-se revelando.. Noite e Dia dia 11, 19.00 Foi o primeiro filme de Hong Sang-soo com estreia em Portugal e, curiosamente, troca a Coreia pela cidade de Paris, que aqui serve de exílio para o protagonista, um pintor, depois de este ter sido apanhado a fumar marijuana. Apesar de Paris ser pano de fundo, tudo é vivido entre coreanos. Com graciosidade, o realizador assenta o seu olhar em distintas emoções de desenraizamento.. Hahaha dia 14, 21.30/dia 27, 21.30 Mais uma vez, as histórias cruzadas entre personagens: dois amigos, por sinal um realizador e um crítico de cinema, em conversa descobrem que estiveram na mesma cidade, à mesma data e com as mesmas pessoas (relacione-se com O Poder da Província de Kangwon...). O que Hong Sang-soo faz em Hahaha (2010) é trabalhar as questões da memória e da perspetiva, dentro da aparência de uma comédia de verão.