Na próxima quarta-feira, os três candidatos à liderança do PSD vão confrontar ideias num debate na RTP e tudo aponta para que a questão da eutanásia - e sobretudo de um referendo nacional - seja matéria fraturante entre os três..O que se sabe, pelos calendários parlamentares, é que não haverá na Assembleia da República nenhuma votação sobre a morte assistida antes de estar resolvida a disputa pela liderança no PSD (diretas a 11 de janeiro e congresso de 7 a 9 de fevereiro)..Será assim na prática o próximo congresso a definir qual a posição oficial do partido nesta matéria: não tanto sobre a eutanásia propriamente dita - uma questão de consciência individual de cada um -, mas mais sobre o problema da realização (ou não) de uma consulta nacional popular (esta, sim, uma matéria mais estritamente política)..Há ainda outro dado relevante a ter em conta: agora a relação de forças no Parlamento, depois das últimas legislativas, é favorável à despenalização da morte assistida (pelas conjugação dos votos de PS, BE e PAN), pelo que uma consulta popular nacional poderá ser, para os defensores do "não", a única forma de contrariar uma aprovação parlamentar..Nesta matéria, entre os três candidatos à liderança, o único consenso é que não há consenso nenhum: cada cabeça, sua sentença..Luís Montenegro foi o primeiro a abrir as hostilidades. Numa declaração ao Expresso, há duas semanas, reafirmou a sua posição de sempre nesta matéria (que já se conhecia desde pelo menos 2017, quando a Assembleia da República discutiu - e chumbou - pela primeira vez a descriminalização da eutanásia):."A matéria é de grande sensibilidade, devem compreender-se os vários conceitos e as várias possibilidades de alteração legislativa. E deve também avaliar-se a aplicação da legislação sobre o testamento vital. Ora, tudo isto implica um debate e um esclarecimento técnico, jurídico e político. A forma mais abrangente para aprofundar a discussão é o referendo. Acresce que este é daqueles assuntos em que os deputados muito dificilmente conseguem interpretar a vontade do povo. E a melhor forma de o fazer é pôr a funcionar a "democracia direta".".Ora o outro candidato a avançar contra a liderança de Rui Rio, Miguel Pinto Luz, não só não pensa isto como até o contrário: "É um tema que deve ser alvo de um debate profundo e nacional, no entanto tenho dúvidas de que o referendo seja a melhor forma de o fazer, pois poderia contaminar um debate sério independente de visões ideológicas e onde a vida humana deve estar no centro das preocupações.".Entre um e outro está o presidente do partido (que é pessoalmente a favor da eutanásia). Rui Rio, ontem interpelado pelo DN no Parlamento sobre a questão específica do referendo, não quis abrir o jogo - embora estando consciente de que Luís Montenegro colocou o assunto na agenda do combate pela liderança do partido..Contudo, em tempos passados falou do assunto. Em abril de 2018 disse numa entrevista à Antena 1 que a eutanásia "não é matéria de referendo", mas garante dar "total liberdade aos deputados" e admite que o partido possa ter uma posição diferente da sua: "Se a maioria no partido decidir que se deve fazer referendo, não me caem os parentes na lama.".Do "não" ao "sim" do CDS.No CDS, é unânime o "não" à despenalização da morte assistida. Mas na opção do referendo isso já não é assim. Três dos principais candidatos à liderança têm posições diferentes sobre a matéria..O também deputado João Almeida - porta-voz da direção de Assunção Cristas - é o candidato à presidência centrista que deixa a possibilidade do referendo em aberto, mas não se compromete com a sua defesa. Ao DN diz defender um "CDS contra a eutanásia e totalmente mobilizado para todas as batalhas que venham a existir"..O antigo deputado e secretário de Estado do CDS Filipe Lobo D"Ávila sublinha que "o atual governo socialista, depois da completa omissão da eutanásia no seu programa eleitoral, prepara-se para a levar de novo ao Parlamento". O que, diz, não confere aos socialistas "legitimidade eleitoral" para avançar com o tema, na "sua costumeira tradição de repetir votações até obter o resultado pretendido"..Para Filipe Lobo D'Ávila , "neste quadro de democraticidade e de legitimidade duvidosas, o CDS terá de o denunciar, advogando a via única da revisão da lei: a consulta popular por via do referendo"..E insiste que "a única via de alteração da lei será por essa via devolvendo a palavra aos portugueses". E, como é óbvio, também ele coloca o CDS do lado da barricada do "não" à eutanásia..No sentido oposto vai outro dos candidatos à liderança do partido, no caso Abel Matos Santos. Para o porta-voz da Tendência Esperança em Movimento (TEM), a vida, "como valor supremo e fundamental, não é referendável". No entanto, Abel Matos Santos diz entender que "alguns", no atual contexto de uma maioria de esquerda, defendam um referendo como tentativa de evitar a aprovação da eutanásia (ver texto ao lado).."Contudo, entendo que é totalmente lícito e possível reverter leis aprovadas no Parlamento, como a eutanásia ou o aborto, e mais complicado será reverter se tiverem sido aprovadas em referendo vinculativo"..Em 2017, a ainda líder do CDS admitiu um referendo à despenalização da morte assistida com o argumento de que o tema merecia um debate na sociedade portuguesa e no Parlamento..Quatro projetos de lei sobre a despenalização da morte assistida - de PS, PAN, Bloco de Esquerda e PEV - acabaram por ser chumbados em plenário a 29 de maio do ano passado. Foram, sobretudo, mudanças de posição de deputados sociais-democratas e a votação desencontrada dos projetos de lei que impediram a aprovação de qualquer deles.