O Presidente da República lançou o debate sobre o financiamento público dos media ao questionar até que ponto o Estado não tem a obrigação de intervir numa situação de emergência. Mas a questão não é nova, sobretudo se olharmos para parceiros europeus como a França e a Bélgica francófona, onde os órgãos de comunicação social recebem ajudas financeiras diretas do Estado. Ou a Suíça, que se depara com um aceso debate sobre esta matéria..Por cá, o debate está a dar os primeiros passos. Os grupos parlamentares já vieram dizer que partilham das preocupações do Presidente quanto à crise que os media atravessam, com o líder da bancada socialista, Carlos César, a mostrar abertura para um entendimento sobre o plano de apoios. Ao mesmo tempo, os partidos fazem questão de frisar que, seja qual for a solução ou medidas que vierem a ser adotadas, é fundamental manter a independência dos órgãos de comunicação social..O Ministério da Cultura, que tutela a área dos media, respondeu ao DN que não comenta as declarações do Presidente nem tão-pouco se estão ser estudadas algumas medidas..Em França, por exemplo, o estado apoia 700 órgãos de comunicação social. Os valores dos apoios diretos gauleses em 2016 ascendiam a 150 milhões. Há ainda apoios indiretos que passam, por exemplo, pelos portes de correio. Os apoios podem ir dos três mil euros anuais aos quase cinco milhões, como é o caso do Libération. Na Bélgica francófona, a lei atribui a seis jornais mais de dez milhões de euros..Já no final deste ano, o governo da Federação Valónia-Bruxelas decidiu aumentar o valor dos apoios públicos à imprensa, de oito milhões para quase um milhões de euros - 1,6 milhões serão concedidos ainda neste ano e um milhão está já contemplado no orçamento de 2019. No caso belga, a ideia é que este aumento ajude igualmente os jornais na transição para o digital..Na Suíça, em março de 2017, a maior organização de jornalistas, a Impressum, avançou com ideias para combater a fragilidade do panorama mediático naquele país. Nesse sentido, apelou às autoridades nacionais, cantonais e comunais que adotassem um modelo de subsídios à imprensa, à semelhança do escandinavo, que, "apesar do auxílio estatal, goza de uma inegável liberdade de imprensa". Por outro lado, exigiram a isenção das taxas de assinaturas pagas, para incentivar os leitores a contratar e assim contribuírem para a manutenção de um jornalismo de qualidade. A proposta já vai a caminho dos dois anos, mas o debate segue aceso e ainda não há conclusões..Ricardo Gutiérrez, secretário-geral da Federação Europeia de Jornalistas, faz questão de sublinhar que, no caso da Bélgica e da França, os apoios obedecem a critérios rigorosos como, por exemplo, o número de jornalistas que trabalham em cada órgão de comunicação..Na sua opinião, os apoios públicos são fundamentais, numa altura em que a imprensa mundial atravessa uma grave crise, porque "os jornalistas fazem um serviço público, trabalhando para a sociedade e para o público". Assim sendo, o dinheiro que poderá vir do Estado é importante, desde que sejam estabelecidos critérios objetivos para a sua atribuição. "Não pode ser uma coisa do género 'a este vou dar mais porque gosto mais dele, ou a este dou menos porque gosto menos'. A objetividade dos critérios é um garante da independência dos media que recebam subsídios", adianta Ricardo Gutiérrez..Sofia Branco, presidente do Sindicato dos Jornalistas, entende que, ao fazer as afirmações que fez na entrega dos Prémios Gazeta, o Presidente da República está a oferecer-se para promover o debate público. E, apesar de considerar que o tema gera grandes divisões, entende que Marcelo é o intermediário indicado para este debate, por ser uma figura que pode chamar patrões e sindicatos..O Chefe do Estado disse nesta terça-feira à noite que não quer acabar o mandato com a sensação de ter coincidido com um período dramático de crise profunda da comunicação social em Portugal..O financiamento público dos media foi, aliás, o tema que o Sindicato dos Jornalistas levou a Marcelo quando foi recebido em audiência em Belém - "que se gerasse um debate para acabar com o mito à volta do papão do Estado, vivemos há 40 anos em democracia".."O importante é que o Estado não fique alheado da situação de emergência que o setor atravessa. O jornalismo é um bem público, independentemente de ser gerado por públicos ou por privados", afirma a presidente do sindicato. Mas vai mais longe: "Tem de haver uma ação concertada a nível europeu." E avança com propostas concretas, como, por exemplo, a assunção pelas instituições públicas de receberem jornais ou fazerem assinaturas digitais, nomeadamente nas escolas, o que ajudaria também a incentivar o hábito da leitura..A Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) não reage às afirmações do Presidente da República, mas remete para as declarações do seu presidente na comissão parlamentar de Cultura e Comunicação em setembro deste ano: "A independência dos jornalistas só se garante dando-lhes uma segurança social credível, remunerações compatíveis com a sua função e um estatuto de incompatibilidades razoável. É um dever da ERC lutar para que os jornalistas, que são quadros dos seus regulados, tenham vínculos estáveis, vencimentos dignos que lhes permitam ser autónomos em relação aos poderes económicos, financeiros e políticos, em termos de garantirem não só nos operadores e órgãos estatais uma comunicação livre, isenta, autónoma e deontologicamente intocável.".O juiz Sebastião Póvoas disse ainda: "Por isso, a ERC tudo fará para garantir esses princípios e manter-se-á em diálogo com o Sindicato dos Jornalistas e com a Comissão da Carteira Profissional. A classe dos jornalistas pode ter na ERC a garantia de que serão protegidos e defendidos sempre, em todas as circunstâncias."