Metade dos professores promovidos? Classe à espera dos tribunais

55 800 docentes terão sido ultrapassados por colegas. Ações judiciais, que fazem jurisprudência a partir de cinco decisões iguais num tribunal superior, implicam mais de 117 milhões de euros anuais em salários.
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Teresa, educadora de infância em Almada, tem 49 anos e mais de 21 de serviço. Só em dezembro chegou ao terceiro escalão da carreira. Entretanto, viu colegas que entraram mais tarde no quadro, e com menos tempo de serviço, passarem-lhe à frente na tabela salarial. O seu caso é mais um, entre dezenas de milhares, que estão a criar mal-estar nas escolas e poderão levar os tribunais a obrigarem o Ministério da Educação a uma inédita promoção em massa dos professores ao seu serviço.

De acordo com contas da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), com base em dados oficiais de dezembro de 2017, há 55 890 docentes, do primeiro ao quarto escalão - mais de metade dos efetivos das escolas públicas -, que foram "ultrapassados" pelos 11 mil colegas reposicionados no ano passado, na sequência da publicação da portaria 119/2018.

Estes professores estão a perder, face àquilo a que teriam direito num cenário de contagem igual do tempo, quase 117 milhões de euros anuais brutos (ver gráfico). E esse será o valor mínimo a desembolsar pelo Estado - poderão ainda aplicar-se retroativos - caso os tribunais administrativos, onde as ações começaram a dar entrada na semana passada, lhes deem razão. A partir de cinco decisões iguais de um tribunal superior, o direito passa a ser exigível por todos (extensão de efeitos).

Episódios de ultrapassagens entre professores são frequentes. E muitas vezes acabam com o ministério condenado a reposicionar - ou colocar, tratando-se do acesso a uma vaga - os prejudicados, sem pôr em causa o direito constituído dos que saíram beneficiados. A diferença é que, desta vez, os potenciais queixosos são metade da classe docente.

O que mudou em relação a casos anteriores? Essencialmente, o arrastar no tempo de uma situação que não teve efeitos práticos ao longo dos mais de nove anos de congelamento das carreiras mas que se manifestou a partir do momento em que o "relógio" das progressões voltou a entrar em marcha.

O que está a penalizar estes docentes em relação aos 11 mil colegas é o facto de os dois grupos terem entrado na carreira em circunstâncias bastante distintas. Os primeiros foram abrangidos por um diploma (DL 15/2007) do tempo da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, que na prática lhes apagou parte da experiência anterior. Isso já não aconteceu a quem entrou depois de 2011 e foi reposicionado no ano passado.

Questionado pelo DN, o Ministério da Educação defende que os insatisfeitos "foram reposicionados à data do respetivo ingresso na carreira", pelo que "não se compreende como se pode considerar ocorrer a sua "ultrapassagem" num reposicionamento no qual não são abrangidos [só aplicado aos que entraram depois de 2011]". E acrescenta que, em dezembro de 2017, na altura da negociação da Declaração de Compromisso com os sindicatos, sugeriu manter o regime de Lurdes Rodrigues para todos, "com vista a evitar essas situações", mas a proposta foi rejeitada.

Por fim, o gabinete do ministro lembra que o Tribunal Constitucional tem manifestado de forma "reiterada" o entendimento de que "o princípio da igualdade não opera diacronicamente". Ou seja, "não é aplicável" se os casos forem abrangidos por leis diferentes.

Mas a tese do facto consumado nem sempre tem colhido na justiça. Vários professores que avançaram com ações individuais, em casos comparáveis, ganharam os seus processos. E, em 2013 (Acórdão 239/2013), o Tribunal Constitucional pronunciou-se taxativamente pela inconstitucionalidade destas ultrapassagens, na altura a propósito de um decreto da ministra Isabel Alçada.

"O Tribunal Constitucional já disse que a antiguidade tem de prevalecer, também em relação à remuneração", diz ao DN José Alberto Marques, da Fenprof. "Pode haver vencimento igual mas nunca inferior ao de alguém que tem, no limite, menos quatro anos de serviço." O sindicalista defende ainda que a atual equipa da Educação não está isenta de culpas na matéria, já que teve ocasião de prevenir este problema: "Denunciámos a situação várias vezes, colocámo-la em cima da mesa durante as negociações [sobre o tempo de serviço devolvido]. Não fizeram nada", critica.

Voltamos a Teresa. A educadora ressalva que nada move estes professores contra os colegas. "A solução deles é que está correta. Nós só queremos o mesmo tratamento", explica. Mas admite que este é um foco de mal-estar nas escolas. "Acaba por criar. Até porque isto reflete-se também em termos de vencimento. Mas, sobretudo, cria mal-estar as coisas não serem claras. No meu caso nem consigo explicar com clareza este processo todo, porque têm sido umas atrás das outras."

Esta professora lamenta também que a opinião pública "não seja muito elucidada" sobre estas batalhas. Até familiares meus já me perguntaram: "Mas os professores querem receber tudo?" Nós não pedimos tudo, nem estamos a exigir retroativos. Só queremos que as coisas sejam justas e claras."

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