Boris Johnson cede. Eleições primeiro, acordo do Brexit depois
Ao contrário do ditado, à terceira não foi de vez e a primeira tentativa nesta semana de convocar eleições antecipadas falhou. Mas é esse o caminho para o qual o Reino Unido parece convergir. Depois de ter sido derrotado na Câmara dos Comuns pela 11.ª vez, Boris Johnson anunciou que não vai levar o seu acordo do Brexit a votação e vai apresentar legislação para eleições antecipadas, a qual dispensa maioria de dois terços.
A lei, de um só artigo, propõe eleições no dia 12 de dezembro. Fonte de Downing Street explicou à Sky News que o projeto de lei "é muito semelhante" ao defendido pelos liberais democratas e nacionalistas escoceses. Ao mesmo tempo o governo diz que o acordo de Boris Johnson com a UE27 não vai voltar à Câmara dos Comuns para debate e ratificação.
Pouco depois, a editora de política da Sky News, Beth Rigby, disse que o governo se mostrava dividido quanto à estratégia de eleições antes do acordo de retirada.
A lei poderá ter o apoio de liberais-democratas e nacionalistas escoceses, que no fim de semana anunciaram uma iniciativa semelhante. E até dos trabalhistas. "O Labour vai ver e escrutinar a lei", assegurou o seu líder, Jeremy Corbyn.
Segundo a legislação britânica são necessários 25 dias úteis entre a convocação de eleições e o ato eleitoral. Ao propor eleições no dia 12, teme a oposição, Boris Johnson poderia tentar mais uma vez levar o acordo do Brexit para ratificação na próxima semana. "O primeiro-ministro deve dar uma garantia absoluta de que não haverá tentativa alguma de trazer de novo [à Câmara dos Comuns] a lei do acordo de retirada", disse o líder parlamentar do SNP, Ian Blackford, o que pode ser lido como uma tentativa de compromisso.
Já a líder dos liberais-democratas Jo Swinson resumiu o problema: "Este é um homem em quem não podemos confiar", referindo-se a Boris Johnson. Mas também ao líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn: "Também não confio no líder da oposição. Vimos deputados do Labour votarem no Brexit de Boris Johnson", criticou.
Com o fim do duelo de olhares fixos entre Bruxelas e Londres, ou seja, com os 27 governos da UE a aprovarem novo adiamento do Brexit até 31 de janeiro, Boris Johnson escreveu ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, a confirmar a aceitação do adiamento da data do Brexit. Embora tenha voltado a lamentar tal: "Devo deixar claro que este prolongamento indesejado da permanência do Reino Unido na UE é prejudicial para a nossa democracia e para a relação entre nós e os nossos amigos europeus", escreveu.
Mais tarde, levou à Câmara de Comuns uma moção para se aprovar eleições antecipadas. "Este parlamento esgotou-se. Esta casa não é capaz de cumprir as prioridades do povo. E eu prefiro que se cumpra o Brexit", disse o primeiro-ministro conservador. Mas não conseguiu convencer dois terços dos deputados. Os trabalhistas tinham indicações para se absterem ou votarem contra, pelo que se manifestaram a favor 299 parlamentares e 70 votaram contra.
Já na Câmara dos Comuns, o chefe do governo criticou a incapacidade de decisão dos deputados e argumentou que só umas eleições podem resolver o impasse. "Na terça-feira passada, pela primeira vez em mais de três anos o parlamento votou pelo acordo de retirada e repito a admiração pelos deputados por esse momento", continuou Johnson. No mesmo dia, a maioria dos deputados rejeitou a proposta de prazo de três dias de Boris Johnson para considerarem o seu projeto de lei sobre o acordo de retirada da UE.
Interrompido por um deputado conservador, que lhe perguntou se "há milho que chegue para as galinhas do outro lado comerem", referindo-se aos deputados da oposição, Boris Johnson disse que o SNP (nacionalistas escoceses) e liberais democratas querem eleições agora, "todos querem eleições agora" menos Jeremy Corbyn. "Acabaram-se as desculpas", disse Boris Johnson.
Boris Jonhson apresentou a moção sob o Fixed-term Parliaments Act (lei dos Parlamentos com Prazo Fixo, FTPA), uma reforma do governo de coligação de conservadores e liberais democratas de 2011 que significa que o governo necessita de uma maioria de dois terços para obter eleições gerais antecipadas fora do ciclo eleitoral de cinco anos. Mas Johnson não tem uma maioria parlamentar, muito menos dois terços.
E os trabalhistas mostram-se reticentes e divididos quanto à questão. Têm até agora resistido à exigência de Johnson de eleições gerais antecipadas, com o líder do partido a exigir a possibilidade de um Brexit sem acordo ser retirado "completamente da mesa" antes de o Reino Unido ir às urnas. Na resposta a Boris Johnson, Corbyn voltou a argumentar na falta de confiança no chefe do governo.
"Não se pode confiar neste primeiro-ministro, depois de ter ilegalmente suspenso o parlamento por cinco semanas para aprovar o discurso da rainha e abandona de seguida o discurso da rainha. Promete-nos um orçamento dia 6 de novembro e depois abandona-o. Disse que nunca iria pedir uma extensão e que preferiria morrer numa valeta. Mais uma promessa falhada. Deixa cair todas as promessas", afirmou o líder trabalhista. Depois lamentou o dinheiro gasto pelo governo em publicidade. "Disse que iríamos sair da UE no dia 31 de outubro e gastou cem milhões de libras numa campanha a afirmar que íamos sair no dia 31 de outubro. Quantos enfermeiros podiam ter sido contratados, quantas refeições podiam ter sido financiadas nos bancos alimentares, quantos apoios de assistência social poderiam ser dados aos nossos idosos?"
Corbyn argumentou também que eleições na primeira quinzena de dezembro são negativas porque vão afastar os eleitores mais jovens das urnas.
Ao ser derrotado pela 11.ª vez no Parlamento, Boris Johnson acusou Corbyn de "fugir" do povo britânico pela terceira vez (o primeiro-ministro já tinha apresentado por duas vezes um pedido de eleições antecipadas) e disse que os eleitores vão achar o comportamento do líder trabalhista "muito desconcertante".
"O líder da oposição, literal e figurativamente, fugiu do julgamento do povo (...) Não permitirei que esta paralisia continue e, de uma forma ou de outra, devemos proceder de imediato a eleições. Portanto, esta noite o governo vai entregar um aviso de submissão de uma curta proposta de lei para eleições em 12 de dezembro para que possamos finalmente concluir o Brexit", concluiu Johnson.
Mas este, ao apresentar a data de 12 de dezembro terá de convencer o SNP e os liberais democratas. Os dois partidos, que até agora exigiam um segundo referendo, apresentaram o seu plano para eleições no dia 9 de dezembro, três dias antes da proposta do governo. Esta proposta baseia-se no princípio de que o adiamento é concedido, como foi, até 31 de janeiro de 2020. Neste caso será necessário apenas uma maioria simples para aprovar a lei em vez da maioria de dois terços, um total de 320 deputados no lugar de 434.
Ian Blackford, o líder da bancada dos nacionalistas escoceses, explicou que querem eleições, mas não nos termos apresentados pelo governo, porque temem que dessa forma o Brexit seria uma realidade antes das eleições. "Não é uma questão de três dias de diferença. É uma questão de estarmos na UE ou fora dela. Isso é fundamental." E depois dirigiu-se aos deputados trabalhistas: "Vamos para eleições, mas vamos fazê-lo nos nossos termos, vamos ter a certeza de que o primeiro-ministro e o seu tóxico governo tory saiam do poder. Podemos consegui-lo se a oposição se unir."
Já a líder dos liberais democratas atacou os trabalhistas, acusando-os de não defenderem um referendo. "Eu apreciaria muito se fosse o caso de estarmos numa situação maioritária para um referendo. Mas na ausência desse apoio estar claramente vincado temos de agir. Não podemos esperar", disse Jo Swinson, que pediu a Boris Johnson e a Jeremy Corbyn para apoiarem o seu projeto de lei para eleições antecipadas.
Mas os trabalhistas aparentam rejeitar ambas as propostas, com Corbyn a criticar a iniciativa do SNP e dos lib dem. "A realidade é que temos de evitar toda essa ameaça completamente eliminada antes de mais nada - por causa do perigo para a nossa economia, para os empregos, para o comércio, para o abastecimento de medicamentos", disse Corbyn na véspera. O líder trabalhista acrescentou: "Queremos eleições assim que isso for removido", disse Corbyn. Há deputados que temem que o projeto de lei do acordo de retirada do primeiro-ministro não impeça o Reino Unido de deixar o período de transição do Brexit em dezembro de 2020 sem um futuro acordo comercial da UE.
Por sua vez, o ministro das Finanças sombra John McDonnell acusou os outros partidos da oposição de abandonarem o seu apoio a um segundo referendo, que é nas suas palavras a "única forma" de "resolver" o Brexit.
"O pacto de 2010 está a ser restabelecido", disse McDonnell, referindo-se ao acordo de governo entre conservadores e liberais democratas. E acusou o partido liderado por Jo Swinson de "não parar por nada para recuperar os seus carros ministeriais".
O ex-deputado trabalhista Chuka Umunna, agora liberal democrata, disse à Sky News que esta proposta de eleições antecipadas nasceu porque agora crês ser "altamente improvável" que uma maioria de deputados apoiará essa solução.